quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

enxerido

líria porto

para de olhar por onde ando
não tentes vasculhar o que eu faça ou pense
poderás descobrir coisas terríveis
(do arco da velha)
mais venenosas e cabeludas
que as tarântulas

*

barulhos

líria porto

os telhados
as nuvens a chuva o galo
o ronco dos motores
os pássaros os sinos
o rumor dos homens
o vento os barulhos
o farfalhar das folhas
as batidas do coração
o silêncio

*

gatos

líria porto

percorrem telhados
passeiam por muros
vão atrás dos pássaros
cochilam ao sol
espreguiçam-se
caminham tão leves
ninguém ouve os passos
porém no namoro
haja escândalo
:
haja sarro

*

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

querido

líria porto

abraça-me forte apertado
sintamos os nossos cheiros

retém-me ainda em teus braços
gravemos este momento

não mais haverá ausências
lembranças são para sempre

*

domingo, 25 de dezembro de 2011

desaforos

líria porto

plenas de mal gosto de palavras ocas
azedadas letras que regurgitadas
maltratam os ouvidos
e a autoestima

*

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

côncava

líria porto

céu calmo sem vento
e eu por dentro
um furacão uma tempestade
uma raiva desse tempo
de exploração
                   sentimental

(dívidas de toda ordem
até a rima é pobre)

*

invernal

líria porto

sim sei
simples assim
o sol
astro rei
travestido
de rainha

*

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

versos desgrenhados

líria porto

fiz poemas de cabeça feita
foram quatro os melhores versos
e os fizemos a quatro mãos

depois do vendaval
escrevo como doida

*

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

superstição

líria porto

coça a palma da mão e fecha os dedos
segura a fortuna que se anuncia

(não preciso de riqueza maior que ser eu mesma
abro mão)

*

domingo, 18 de dezembro de 2011

corujas

líria porto

legamos a nossos filhos o que (não) somos o que (não) temos
e eles afinal são e serão para sempre tão lindos e perfeitos
como nós mesmos

*

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

carochinha

líria porto

a mãe morreu
o pai voltou a casar-se
a madrasta bebia demais e a avó 
mais braba que pimenta curtida no azeite
criou-a
:
peixe fora d'água
foi comida pelos gatos
e pelos cachorros

*

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

larápio

líria porto

tirou do meu prato
co'a mão do gato
:
da próxima
ele não
escapa

*

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

(publicado no livro garimpo - editora lê) - cruel

líria porto

não detenho as rédeas do verso
ele sai na correria dá pinotes pisoteia-me
chega ao peito de um poeta desalmado
que nem sabe quanto espero para tê-lo
são e salvo

*

sábado, 10 de dezembro de 2011

das arábias

líria porto

farah fará a farra
eu farei a feira 
e ficamos
quites
:
zero a zero
para mim
um embate
serve

*

(para o livro sem pecado não tem salvação) avidez

líria porto

sede milenar a do amor
não se sacia não se satisfaz
sempre a beber o suor e o sangue
dos homens

*


mandão

líria porto

o vento faz o que quer - ontem me trancou de fora
e eu precisei passar por debaixo
da porta

*

(para o livro sem pecado não tem salvação) escola

líria porto

no meio da página tinha umas letras
tinha umas letras no meio da página
:
com elas aprendi palavrinhas e palavrões
cu e pindamonhangaba

*

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

vãos

líria porto

com pedras nas mãos
como fossem pétalas

*

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

a primeira a última

líria porto

quase todas as pessoas e coisas
podem ser repostas ou substituídas
não eu para mim

*

(poema publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) andarilhos

líria porto

atrás de mim o cachorro
atrás do cachorro o rabo
atrás do rabo a sombra
atrás da sombra as pegadas
atrás das pegadas tudo
que deixamos

(eu vim com a roupa do corpo
meu cachorro trouxe as pulgas)

*

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

(para o livro sem pecado não tem salvação) façanha

líria porto

poema metalinguístico faz o meu amor
quando fecho os olhos e abro as pernas

*

domingo, 4 de dezembro de 2011

poliglotas

líria porto

estou mais para troglodita
mal sei usar minha língua
e o português –– ai meu deus
aqueles bigodões
aquelas sobrancelhas
aquele peito peludo

*

vivências

líria porto

em jogo de perde e ganha
desfruto aroma sabor 
e também
casca e caroço

*

sábado, 3 de dezembro de 2011

lugar

líria porto

eu que moro aqui faz tanto tempo
vim parar aqui nem faz um mês
reconheci aqui o vento as gentes
aqui é araxá - terra e semente

vou viver aqui talvez pra sempre
enterrar-me aqui até brotar

*

folga

líria porto

a passarinhada solta a voz
anúncio de sol atrás da serra

olhos fechados para a luz
ouço a cantoria e não me movo

no domingo a cama
é mais macia

*

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

vermelho

líria porto

tudo o que estiver subcutâneo
pode se tornar subversivo
ser acorrentado a uma pedra
jogado em alto mar

até um verso
            um poeta

*

sem versos

líria porto

minha alma mora
dentro da cratera de um vulcão
extinto

*

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

neve nos cabelos

líria porto

a primavera se foi
verão o outono

(que inferno
a última estação)

*

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

pensamentos são palavras em silêncio

líria porto

*

espigas

líria porto

bonecas do milho roliças
como as moças de cabelos castanhos
anunciam que estão prontas

*

sábado, 26 de novembro de 2011

isolamento

líria porto

silêncios perfuram-lhe o tímpano
mais que o agudo dos berros

*

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

(publicado no livro garimpo - editora lê) - lagarta

líria porto

andei retas sem desvio
fui por trilhas paralelas
amarelo o meu destino
não achava o que queria

dei a volta fiz a curva
varei vales e montanhas
encontrei o arco-íris

))criei asas impossíveis((

*

o banquete

líria porto

a vida passa –– vou dentro
enquanto nela eu couber
um dia para eu apeio
volto pra terra e sem jeito
serei comida por vermes

(tu também)

*

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

purificação

líria porto

o cheiro do teu corpo
tua pele em minha pele
o suor a atravessar os poros
a lavar nossas almas
a limpar-nos os pecados

*

terça-feira, 22 de novembro de 2011

olho no olho

líria porto

se é tua intenção mandar flores fá-lo já
ou não poderei descartá-las pessoalmente
quando estiverem velhas

(há quem só mande coroas)

*

escadaria

líria porto

para ir ao céu
amarrei cordas
e nós

*

porcelana

líria porto

as pernocas da boneca
sapatos brancos e meias

lá vai ela toda prosa
pelas ruas de azulejo

eu sem hora pra folguedos
quis tocar os seus cabelos

quis brincar trazê-la ao colo
sua dona foi-se embora

disse a ela que sou feia

*

(para o livro sem pecado não tem salvação) a poesia

líria porto

insinua-se depois some
não sei onde nem por quê
quem me mata é esta fulana
que se esfrega num e noutro
e oferece suas tetas
a qualquer morto de fome
mas a mim jamais se entrega
nem que eu sofra
                 ou rasteje

*

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

na mosca

líria porto

bem pesadas bem medidas
as palavras que lhe disse
não surtiram efeito
:
à puta que o pariu
foi tiro e queda

*

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

sequência

líria porto

cada dia
é mais um dia
e nada é
:
para sempre
embora continue

*

ao hospício

líria porto

ela é louca louca louca
não coordena mais nada
ainda escreve com pena
arranca as penas da asa
só bebe água da chuva
e dos seus olhos de louca
correm soltas enxurradas

nas noites de lua cheia
pendura-se aos parapeitos
estufa o peito e sonha
só falta um dia essa louca
jogar-se com suas penas
não restar nenhuma asa
nenhuma louca

que pena

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) carimbado

líria porto

o meu amor adotivo
aquele que aconteceu
entrou como quem não quer
ficou como quem não é
legitimou-se sem sê-lo

*

esfuma

o cabaço

líria porto

penso assim aos borbotões
estou cheia de senões
se fossem abotoados
os pingolins dos meninos
ia ser um desatino
desarrolhá-los

acho mesmo  houve engano
nas meninas muito pano
os rapazes sem cortina
triste foi a nossa sina
um selo de validade
desde a mais tenra idade

*

arremate

líria porto

ao apagar das luzes cerrem-me os olhos
levem-me à tumba para sossegar
não deixem meu corpo a pairar insólito
como a folha seca que ao vento jaz

*

(publicado no livro garimpo - editora lê) - infâmia

líria porto

o rio nasce espontâneo
brota do ventre da terra
rasga seu leito estreito
escorre por entre as pedras
ganha corpo correnteza
leva cardumes inteiros
atravessa as florestas
as campinas as veredas

o rio recolhe às margens
o canto das lavadeiras
a alegria dos pássaros
o corpo d’algum menino
anzóis canoas as redes
o riso das cachoeiras
sua vida peregrina
até se jogar ao mar

há homens pensam-se deuses
violam as águas do rio
roubam-lhe as riquezas
desviam-no da sua trilha
transformam-no em brejo seco

*

neblina (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

passageiros como as nuvens
deixem-nos chover
trovejar mudar de forma
derreter ante o azul
evaporar

viver é névoa

*

(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - toalha de bico

líria porto

muitas centenas de galos
tricotam as madrugadas

milhares de andorinhas
costuram o amanhecer

e são tantos passarinhos
a tecerem as tardes

também eu quero ter asas
para pontilhar estrelas

*

ácido

líria porto

uns ganham presentes
outros ausências

*

dissidência

líria porto

a alma vai à frente 
o cansaço da carcaça predomina
o corpo pede calma
                                  a alma ardência

(viver é di_vagar)

*

catarro

líria porto

chega dói no céu da boca
nu engolido
cuspo pus degenerado
amarelo verde
cru

*

flerte

líria porto

olhares se cruzam e são tão intensos
tornaram-se cúmplices e mal se conhecem

*

abafamento

líria porto

toda a retumbância do silêncio
dentro de um grito preso

*

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - querelas

líria porto

a lua entrou pela frente
o sol saiu pelos fundos

(desde que o mundo é mundo
o sol e a lua brincam de gato
e rato)

*

frustração

líria porto

fui ver a lua surgir
mas ela veio com truques

primeiro envolta num xale
depois de óculos escuros

mas eu quero a lua nua
sem roupas e sem disfarce

*

estrada de terra

líria porto

morres de saudades minhas
então caminha –– pega a estrada e vem
a distância a nos separar é a mesma
e eu garanto que irei onde estejas
sempre que a tua falta for maior
que o ar

*

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

invasão

líria porto

gente indiscreta
cheia de perguntas
quer saber só por saber
apenas para ter assunto

o que há em nossas gavetas
a quem mais interessa?

*

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

busca

líria porto

a neblina engoliu minha rua
fiquei invisível perdida de mim

se alguém me encontrar telefone-me
mande-me carta ou bilhete
que vou me buscar
:
levo a coleira

*

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - carcereiro

líria porto

dou-lhe água dou-lhe alpiste
jiló couve ovo cozido

(o seu canto é quase um choro)

e agora – faço o quê
com suas asas com seu voo?

*

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ninho

líria porto

quero alcançar a poesia
fico na ponta dos pés
ela mais se distancia
eu não sei o que fazer
quando me canso e desisto
ei-la ali – dentro do berço
a brincar com francisquinho
meu neto de poucos meses

*

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

pé na estrada

líria porto

a casca do ovo trincou
adeus calor e conforto
agora é esticar as asinhas
e aprender a voar

*

sábado, 22 de outubro de 2011

rega

líria porto

a chuva pinga fininho
berço para as sementes
sono tranquilo pra gente
que planta feijão
e filho

*

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

relógios

líria porto

ponteiros parados dão-nos a ilusão de que o tempo não passa
as dores nos ombros nos pés nos joelhos convencem-nos
do contrário

*

palpitação

líria porto

o coração disparou
e como um cavalo bravo
a galopar em meu peito
pisoteava o amor
deixava-o num tal estado
que o pobre do amor – coitado
teve medo de morrer

(bobagem
o amor não morre
quem morre é o dono dele)

*

terça-feira, 18 de outubro de 2011

violência

líria porto

não tenho medo da morte não tenho medo da vida
tenho medo é da ferida –– e da lâmina
e do corte

*

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

poluição

líria porto

se eu morrer de asfixia ficar roxa e coisas tais
não digam às minhas filhas que foi morte natural
a culpa é dessa gente que faz pose de inocente
e envenena o ar

*

sábado, 15 de outubro de 2011

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) válvula

líria porto

sou mulher de duas portas
uma de entrada outra de fuga

*

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

domínios

líria porto

nem o corpo a sentir o estalar do chicote
nem a mão a desferir as chibatadas

*

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

palpitação

líria porto

corações não têm sossego
agitam-se como as ondas
e por qualquer vento ou brisa
quebram-se nas rochas

*

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

canal

líria porto

entre o céu e o inferno
bem no meio das pernas
a vida rebuliça-nos

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - inflamável

líria porto

o corpo arde ferve - chama-te
esta tarde vou morrer de febre
incendiar a cama
as vestes
virar tocha humana

*

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

cândido

líria porto

eu minto tu acreditas
falo a verdade não crês

e tu não sabes por quê

*

de mal a pior

líria porto

presumo –– o fumo a bebida
fizeram do seu corpo combustão
o fígado e os pulmões ficaram cinzas
e as guimbas espalhadas
pelos cantos

*

terça-feira, 4 de outubro de 2011

gestação

líria porto

de bruços

(do jeito que gosto de dormir
tal como pedra no rio
ventre colado num dorso)

espero um livro

(tomara que ele me livre
desta vontade intangível
de beijar a tua boca)

belo e robusto

(folhas repletas de pétalas
gemidos sussurros chilreios cicios murmúrios arrepios
e algum silêncio)

*

xacras de ana jacinta

líria porto

morar em araxá
tomar chá
usar xale
jogar xadrez

se eu perder a chama
posso te chamar?

*

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

farnel (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

sem vacilo sem titubeio
a canoa segue firme rasga a água
vai valente várzea adentro
beira a margem
deixa um rastro sem poeira
:
amor meu
chego antes da saudade
e levo um peixe

*

domingo, 2 de outubro de 2011

navegável

líria porto

debaixo da pele  nos filetes azulados
o mapa completo dos rios dos riachos
dos caminhos que te trazem

*

sábado, 1 de outubro de 2011

herdeiro

líria porto

albino
menino mui branco
ardia nos braços de melanina
a moça de pele escura
violada pelo padrasto

*

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

memória

líria porto

venho sempre à janela
decorar a paisagem
se um dia eu ficar cega
a escuridão terá árvores
e borboletas

*

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

concha

líria porto

debaixo das cobertas como num útero
abraço-o encolho as pernas e durmo
com um anjo adúltero

*

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

no céu

líria porto

entre os aviões
o poeta é um teco-teco
o piloto - um canarinho

*

terça-feira, 27 de setembro de 2011

perfeição


líria porto

quem traçou a lua
na tela do céu de ontem
usou compasso e textura

era lua de mel?

*

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

cambiante

líria porto

nem lúcido nem louco
pende para um lado e outro
na corda bamba

*

domingo, 25 de setembro de 2011

don'ana

líria porto

só um nome pequenino
sara ou ana ou lia –– um nome bíblico
caberia num ser de tal simplicidade

a sua sabedoria
não se antecipar às perguntas
manifestar-se em palavras precisas
                                    inevitáveis
silenciar-se

*

sanfona

 líria porto

desconhece as bordas
esbarra em tudo quanto
e se o canto desafina
alarga a estampa

)

entre azul e roxo
o tom cambiante do hematoma
a dor concentrada no
                           desencontro
:
o palavrão furta-cor
(

*

sábado, 24 de setembro de 2011

ermo

líria porto

falar com quem se o marido
é homem muito ocu(l)pado
os filhos têm compromisso
vizinhos fecham a cara
amigos são egoístas
o cão foi atropelado
os netos não param em casa
o espelho envelheceu
e não há hora marcada
com o analista

*

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) provocação

líria porto

a violar tua reza
dedilhar a tua fé
conferir a ladainha
(não acredito em deus)
repisar missa e rosário
mastigo hóstias e sinto
gosto de farinha

*

matrioshka

líria porto

dentro
de mim
de mim
de mim
de mim
de mim

(pequenina)

*

luxúria

líria porto

ave marina
plena de entrega
o amor é contigo
bendita sejas
entre as mulheres
bandida é a fruta
entre teu ventre
e tuas pernas

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) lavação

líria porto

a quarar sobre a cama
esperava que a alma clareasse
e pecava pecava
                              pecava

(a quarar sobre a grama
a fama o tatame)

depois ia ao confessionário

*

explicação

líria porto

a palavra me encolhe eu não mando
então quando eu falo uma bosta
ela mesma me estorna - a tacanha

*

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

sutilezas

líria porto

nada é assim tão óbvio
nem o óvulo nem a gatinha

*

atroz

líria porto

ecocardiograma teste ergométrico
a quantas anda meu coração?

bate por um ingrato
(será que apanha?)

*

sensatez

líria porto

nas horas de muita raiva
dar um berro e sem palavras
mergulhar no silêncio

*

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

sem um fio de cabelo

líria porto

possibilidade de ave
ou de omelete?

*

terça-feira, 20 de setembro de 2011

chantagens

líria porto

o medo nos faz reféns
de sanguessugas lacraias
que bebem em nossas veias
alimentam-se da nossa carne
vestem-se com nossa pele
utilizam-se dos nossos ossos
para palitar os dentes

*

micros

líria porto

invisíveis
insignificantes
derrubam corpanzis
atiram-nos ao tatame
demonstram que tamanho
não são garantia
:
bactérias agem
mais do que capazes
obstruem tudo
e vírus atacam
têm toxinas
vencem-nos na guerra

*

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

inglória

líria porto

aposto comigo e perco
fico furiosa – como se as pétalas
perdessem para os espinhos

*

domingo, 18 de setembro de 2011

(para o livro sem pecado não tem salvação) abstrações

líria porto

marília marlene nem sei
na hora do amor
chamava outro nome
eu não me importava
pensava noutro homem
e assim prosseguíamos
(dois em quatro)
nos braços e abraços
das metades

*

palhaço

líria porto

gargalhadas – tão felizes
e ninguém quis saber
se sofri

*

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

espantalho

líria porto

não tenho mar não tenho rio
e nem lagoa enxurrada ou copo d'água
tenho mesmo é esse jeito de ser_tão
essa secura essa aridez
esse bagaço

*

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

de dar água na boca

líria porto

sobre o bolo recém-saído do forno
a fina camada de manteiga açúcar e canela
e a voz da minha mãe
:
venham meninos venham –– hoje tem
viúva alegre

*

terça-feira, 13 de setembro de 2011

acordes

líria porto

bem-te-vi acorda cedo
e começa a cantoria
dá um agudo me desperta
vou abrir esta janela
:
hoje o azul
              não tem neblina

*

ameaças

líria porto

vulcão ativo
boca de dragão
veneno de cobra
míssil
dão-me pânico
como a língua
bifurcada
da madame

*

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

corujar

líria porto

as fitas do arco-íris as folhas do buriti
as pétalas da margarida as asas da joaninha
as cores da borboleta o voo do beija-flor
o olhar do francisquinho o sorriso
da maria

*

guia (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto


pé limpo foi com pé sujo
descobrir caminhos

não sabia dos espinhos
nem dos pedregulhos

deu uns pulos sentiu dor
mas pé sujo lhe ensinou

não chores nem fiques triste
com o tempo o couro engrossa

e viver aqui no mundo
é para os fortes

*

despoema

líria porto

a caneta
não escreve

os segredos
eu não conto

tudo é breve
grave greve

faz de conta

*

sábado, 10 de setembro de 2011

irreconhecível (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

eu tinha uma canoa –– minha
boa
com ela atravessava o rio
ria
ia
beirava o horizonte
e debaixo do arco-íris
virava homem
:
a barba crescia eu voltava
bebia com os pescadores
contava vantagem

*

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

fragil_idade

líria porto

meu coração uma bomba
bate/apanha leva tombo
cada tunda cada pé
na bunda

não tem vergonha?

*

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

as coisas não são o que são

doido

líria porto

desde que rachou a cabeça
o prego não bate bem
:
fica tão confuso
              e em parafuso
enrosca-se inteirinho
na bucha da parede

*

borracha

líria porto

o coração é um balão vermelho
repleto de (des)ilusão  ou murcha
ou estoura

*

florida

líria porto

pele de pétala
a mocidade é bonita
como a primavera

*

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

sovado é o pão que o diabo amansou

monocultura

líria porto

a cana chupa a terra
e deixa só o bagaço

*

sonolência

líria porto

sol meio sonso
desses d'inverno
roça o horizonte
e a minha janela
boquiaberta
fita-o de longe
como se quisesse
puxar pela ponta
sua manta
de lã

*

terça-feira, 6 de setembro de 2011

melancolia

líria porto

partiste
o alegre ficou triste
o triste irrecuperável

*

carências

líria porto

chegou ela era velha
ele era alto simpático
tinha vigor mocidade
instalou-se em sua cama
deitou-se espichou as pernas
ficou lá tal qual um lord

aceitou – fazer o quê
melhor assim que ninguém
mesmo que fosse breve
desse-lhe aborrecimento
um fruto assim suculento
não se bota para fora

ela até que remoçou
tornou-se alegre vaidosa
comprou joias roupas de seda
vai lhe dar um automóvel
(um conversível vermelho)
vai pô-lo no testamento

(os sobrinhos
aqueles que nunca vê
estão furiosos)

*

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

solidão que nada - todo poeta tem a musa que o habita

escuridão

líria porto

amanhãs que tardam noites eternas
nenhum canto de galo nenhum pássaro
silêncios são espectros

*

domingo, 4 de setembro de 2011

passarim

líria porto

passo e peço
posso passear em seu paço
possuir um pedaço do espaço?
:
sim sim sim
se solfejares swing

*


derradeira

líria porto

a passagem é uma viagem
às vezes rápida
              às vezes morosa
:
e ninguém deixará
de fazê-la

*

sábado, 3 de setembro de 2011

escola (um poema para diovani mendonça)

líria porto

letras são sementes em busca de mentes férteis
crianças são canteiros repletos de possibilidades

(pão e poesia alimentam corpo
                                          e espírito)

*

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

andorinhas

líria porto

cortam recortam o espaço
picotam as nuvens o azul

entrelaçam os olhares
bicam a claridade

juntam depois espalham
a purpurina solar

*

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

um canto

líria porto

ao rés do chão
para barulhar as caturritas
para decantar os olhos

*

terça-feira, 30 de agosto de 2011

o pensamento

líria porto

a desbravar obstáculos
vai onde e quando deseja
sempre que lhe apetece

(ninguém prende uma ideia)

*

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

a lavadeira

líria porto

rio seco
roupas e almas encardidas
e a exigência do patrão
um ladrão de colarinho
branco

*

pele

líria porto

o manto de minha avó
cobriu mamãe minhas tias
está sobre nós e as filhas
sobre as netas as bisnetas
e todas que em linha reta
acolherão em seus ventres
crias de toda raça –– de todas
as etnias

*

desclassificado

líria porto

não foi um amor de primeira nem um amor de segunda
foi um amor comum que me fez rir e chorar
e viver como nunca

*

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

entrelinhas

líria porto

tão somente o rastro
o que permita ao olhar atento
buscar o significado
nas digitais

*

brecha

líria porto

toda causa tem defeito todo defeito tem pausa
toda pausa tem suspiro todo suspiro
é uma válvula

na praia

líria porto

falam sobre estrelas
rosas rebentos haicais
e recolhem conchas

*

terça-feira, 23 de agosto de 2011

outonal

líria porto

pedaços de mim que morreram
o útero um rim os ovários
o apêndice a vesícula
as amígdalas
alguma pele algum dente
muitos fios de cabelo
dão-me a sensação
das árvores

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - de toca

líria porto

a lua rodou no céu
a saia godê – loucura
parecia rosa aberta
seda pura na cintura
(que pena – o sol dormia)

as pernas alvas da lua
tão saborosas carnudas
estampavam-se no escuro
e despertavam libido
e provocavam arrepios
(que pena – o sol dormia)

os santos mais fervorosos
os mais pudorosos anjos
enchiam de água a boca
enquanto a lua dançava
flutuava esplendorosa
cheiro seu em quase tudo
(que pena – o sol dormia)

*

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

cúmplices

líria porto

caminho
a lua vem junto
eu sem assunto
a lua calada

troco de estrada
contorno a montanha
ela me acompanha

(dispensa palavras)

*

trote

líria porto

monto a vida em pelo
sem arreio sem espora

em pouco apeio
deixo a carga em qualquer cova

atravesso a margem

*

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - roça

líria porto

noite de céu arado
nenhuma moita de nuvem
nenhum torrão de lua
tão somente estrelas
semeadas

*

panela de pressão

líria porto

em pouco sopitas
apitas antes do tempo
estouras a válvula
:
calma
baixa o fogo

*

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

incompreensível

líria porto

fiamos olhares
tecemos afetos com duas agulhas
depois nos espetamos

*

apatia

líria porto

fica ali –– embaciada
distante de tudo e todos
a esperar que um milagre
arranque-a dessa apatia
desse morrer e estar viva
qual carro sem combustível
carroça sem cavalo
            corpo sem espírito

*

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

estado

líria porto

o ódio é sólido o amor é líquido
a indiferença gasosa
e mortífera

*

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - paranoica

líria porto

sol a pino eu me curvo
pego a sombra sob os pés
calço-os
visto as pernas os quadris
(a sombra aperta mais que a calça jeans)
cubro peito costas ombros
ergo os braços
(dedos grudados nela)
passo-a pela cabeça
dou um nó no meio-dia
(agora ninguém me acha)

*

sábado, 13 de agosto de 2011

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) drummondiana

líria porto

meu grande amor por luigi
ardeu nos braços de juan
que amava sua judith
mas se tornou meu amante

(ninguém se perde
todos se aproveitam)

*

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

despertador

líria porto

teu barulho logo cedo
assobias qual um cuco
abro a_penas uma pálpebra
olho o céu vejo uma estrela
fico puto

*

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

toneladas

líria porto

do ente inesquecível que te deixava doente
nem fotografias - não valem o quanto
pesam

*

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

tanino

líria porto

palavra rascante grudou-se-me à goela
encolheu-me a língua
fiquei em silêncio por horas e horas
no aguardo de letras
sedosas

*

ô diacho

líria porto

perdi-me e não me acho – sigo minha trilha
piso nos meus calos ando em círculos
corro atrás do rabo

*

apego

líria porto

os dentes de leite
os fios de cabelo
as aparas das unhas
o rim que não tem
a juventude
eu
:
doem-lhe até hoje
todas as perdas

*

pesos e medidas

líria porto

um amigo tudo pode
o amado bota ferro
leva chumbo              

terça-feira, 9 de agosto de 2011

pá de cal

líria porto

quem nasceu está fadado
(e não há como evitá-la)
ela chega e nos carrega
(apesar dos apesares)

*

editora lê - assoreamento

líria porto

ou rio da vida ou ela me encharca
e viro uma esponja uma sonda uma draga
a sugar toda mágoa toda lágrima
toda tristeza que haja

então vou pescar e fisgo
uma botina

*

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

à distância

líria porto

choro por quem merece
rio da maioria e oceano por ti
tão desértico tão maríntimo

*

(para o livro sem pecado não tem salvação) complexo

líria porto

vestida com poucos pelos
(tinha pelagem restrita)
caminhava uma mulher
sem qualquer outro adereço
e nua como nasceu
atravessava esta vida
até que um dia um cruel
apontou suas estrias

a mulher então corou
apequenou-se
                  cobriu-se

*

domingo, 7 de agosto de 2011

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) manipulação

líria porto

aparentemente fraca
movimenta tudo e todos
ora está muito doente
ora está triste demais
e para que ela não sofra
(a desgraçada)
               morremos nós

*

sábado, 6 de agosto de 2011

como acreditar?

líria porto

de longe
parece-me reto
quando chego perto
ele se ondula
adula-me os pés
e os das outras mulheres

ah o_mar - esse traiçoeiro
esse sedutor

*

praia

líria porto

o_mar é homem sou pedra
ele me banha eu espero
deixo que a espuma me tome
deixo que o_mar me devore
eu bebo o_mar bebo o homem
o_mar é morno e o remanso
é azul pleno de coxas
é azul pleno de pernas

(o_mar me come)

*

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

insurreição

líria porto

a formiga
escrava de outra formiga
deveria rebelar-se

esta história de rainha
de privilégios de casta
não serve nem para insetos

sou o meu rei
sou meu súdito                   

*

javali

 líria porto

depois da feijoada
linguiça charque toucinho
vovô dorme e ronca

parece ter engolido
um porco vivo

ronc ronc

*

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

delírio

líria porto

barco de papel ancorou em terra estranha
e como não falava quis ser traduzido
na língua de sinais

*

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

preguiça

líria porto

o corpo - massa amorfa
derrama-se sobre a cama
e permanece
                      poça

*

terça-feira, 2 de agosto de 2011

implacável

líria porto

o tempo não tem tampa não tem fundo
e todos entramos pelo cano
:
sem salvo-conduto

*

única

líria porto

estrelas estralam estressam-se estrilam
estropiam-se estrebucham-se

a lua segue tranquila
sem concorrência

*

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

enxertos

líria porto

árvores genealógicas têm galhos ocultos
histórias escabrosas frutos ilegítimos

*

domingo, 31 de julho de 2011

calada

líria porto

o que tenho a dizer – muito pouco
nada que um louco já não o tenha
bendito

*

honra

líria porto

sairemos deste planeta
pelo portão dos fundos
                ou pela porta da frente?

*

quinta-feira, 28 de julho de 2011

súbito

líria porto

meninas dos olhos
nem bem pisco é sexta-feira
tempo  esse corisco

*

terça-feira, 26 de julho de 2011

des_vario

líria porto

vovó e a vizinha vão ao vaticano
vovô - vulnerável - vê a viúva vacila
verte vinho e vodka

(vícios de varão)

*

segunda-feira, 25 de julho de 2011

baque

líria porto

então tu me arrastas
depois me carregas
voo em tuas asas
e quando me largas
não tenho sossego
só quero teu corpo
teu hálito
           teu sexo

*

escalpo

líria porto

depilar axilas pernas virilha sobrancelhas
fácil como assassinar alguém e soprar a fumaça
da navalha

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) impaciência

líria porto

lá no céu há um camelo
a ruminar o azul
como se fora chiclete

aqui na terra uma lâmina
pra eu cortar o meu pulso
mandar-me
               para o inferno

*

agulhas

líria porto

eu teço linhas e letras
novelas e novelos

quem quiser vê-los revê-los
é só me ligar

*

domingo, 24 de julho de 2011

ferida

líria porto

não me enviem rosas
mandem-me amores-perfeitos
hortênsias begônias
margaridas
(flores sem cheiro e espinho)

também aprecio capim

*

canteiro

líria porto

resolvi alguns pepinos
conversei muita abobrinha
lavo agora os pés de alface
do meu xuxu
:
((não é erro (h)ortográfico
é carinho))

*

indisponibilidade

líria porto

pre/ocupação
pós-ocupação
a sobrevivência
e os nossos sonhos
e os nossos planos
os nossos momentos
para as calendas
:
se assim preferes
é assim que eu quero?

(não)

*

sábado, 23 de julho de 2011

falta

líria porto

ah meu amor como podes
há muito tu não me envias
notícias dos teus bigodes

*

filha-da-mãe

líria porto

dizia minha mãe
a vida é uma flecha
eu não cria

(crias não deviam duvidar)

*

sexta-feira, 22 de julho de 2011

para espantar a solidão

líria porto

lilás é azulada
não puxa para o roxo
e mora lá em casa

seu corpo de tule
flauteia revoa
às vezes me empurra


lilás é fantasma?

*

hermes

líria porto


sapatos sobre a cama
(sem os meus pés)

qual foi o saci que fez isso
sapatos não (as)saltam sozinhos

ou (as)saltam?

*

para variar

líria porto


sol frio
lua pela metade
e a risca no céu
a separar
os territórios

(os dois vivem
brigados)

*

fel

líria porto

castelo coroa cetro
riqueza e sangue azul
tinha tudo pra ser nobre
mas era um déspota
um facínora

*

quinta-feira, 21 de julho de 2011

reserva

líria porto

pedi-lhe água ela disse
nem falo teu nome menina
por que conversas comigo?

trabalhou em nossa casa muitos anos
tornou-se madrinha da minha irmã
chamava mamãe de comadre
cresci fiquei moça
mas nunca nunca mais
trocamos uma palavra

(ninguém percebeu
eu tinha sete anos)

*

dispositivo

líria porto

tristezas
culpas
remorsos
atingem-nos
e provocam
doenças

alegria
é válvula
de escape

*

quarta-feira, 20 de julho de 2011

definição

líria porto

amiga é a irmã nascida doutra barriga
amigo é o amor com quem não nos casamos

*

de lapidação

líria porto

menina eu era imensa
fiquei depois pequenina
com o tempo sigo a tendência
vou virar formiguinha

*

professores

líria porto

quando formos banidos da face da terra
e a era dos homens não mais existir
na serra haverá uma pedra - nossos nomes 
escritos com giz
                                       

*

terça-feira, 19 de julho de 2011

desenho

líria porto


atrás do lápis
a mão segue o traço
desliza sobre o papel
sobe a linha desce
alinha-se
vai à frança
volta voa

a mão é a sombra – a poesia
a torre eiffel

*

domingo, 17 de julho de 2011

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - cadela

líria porto

quando eu crescer quero ser do seu tamanho
e beijar todos os homens e todos os cães
sem pedigree

*

desencanto

líria porto

uma lágrima empapuçada
transformou meu travesseiro
nesse charco
:
coach coach coach
o príncipe virou sapo

*

sábado, 16 de julho de 2011

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) tira\colo

líria porto

uma dor oblíqua
transpassa-me a alma

uma dor ardida
que de tão antiga
carrego-a com alça

*

ovação

líria porto

por ele fiz versos
virei-me do avesso
plantei bananeira
cortei os cabelos

ele?
mandou-me cultivar
tubérculos
:
palmas para mim
ele não me merece

*

sexta-feira, 15 de julho de 2011

céu

líria porto

deitei-me com leminski
não queiram saber o que houve
e nem contem para alice

(nesta noite
                    vi estrela)

*

quinta-feira, 14 de julho de 2011

posseiro

líria porto

minha terra tem pauleira
onde cantam as maritacas
tem cacetada pr'os pretos
para as putas e para os pobres

minha terra nem é minha
eu a ocupo por hora
(planto arroz mandioca milho)
porém a qualquer momento
a polícia com mandado
convida-me a dar o fora

vou pra onde com meus filhos?

*

terça-feira, 12 de julho de 2011

haicai

líria porto



os pombos as pipas
nos meses de julho e agosto
disputam o azul

*

santos e demônios

líria porto

entre tantos tão comuns
houve uns que bem ou mal
pairaram sobre tudo
e todos
:
estes fizeram a história

*

chulé

líria porto

ele gruda no seu pé
mas ela o chuta

e ele diz que é
força bruta

*

segunda-feira, 11 de julho de 2011

pontaria

líria porto

olhar é mirar estrela
varar com flecha e errar
o álvaro

*

sábado, 9 de julho de 2011

(para o livro sem pecado não tem salvação) sa_fada

líria porto

flor delicada recebe um por vez
então meus amores  por favor
organizem a fila

*

sexta-feira, 8 de julho de 2011

marrento

líria porto

não procuro
espero
uma hora
o sumido
aparece

(macio como luva
de box)

*

parecença

líria porto

tem nada tal qual
tudo é diferente
e nem se compara

*

quinta-feira, 7 de julho de 2011

de água pra vinho

líria porto

vovô era um velhinho
que depois do avc
não falou coisa
com cousa

só fez

(e aprontou cada uma)

*

quarta-feira, 6 de julho de 2011

meta_morfose

líria porto

depois de viúva
virou uma uva
:
precisava de rima

(rima pobre
bem se diga)

*

tapa-olho

líria porto

em meu ombro
pirata (é) papa
(gaio)

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - pálpebras

líria porto

de manhã abro a janela
e deixo o sol penetrar
no corpo da casa

à noite fecho-a de novo
(estrelas ficam lá fora)
eu durmo dentro
do ovo

na lua cheia
não tenho
regras

*

terça-feira, 5 de julho de 2011

funil

líria porto

quando a luz oblíqua faz crescerem as sombras
e o sol indica que os dias tombam
voo para casa de asas caídas
pois a vida encurta-se
e eu perco
forças

*

minúscula

líria porto

grave como grão na grota
ao emergir do envoltório da pupa
a letra mostra as asinhas

*

barraco

líria porto

precisa choque
algo que a provoque
para virar uma fera

disparado o processo
não queiras ficar por perto
é caco pra todo lado

*

segunda-feira, 4 de julho de 2011

biruta

líria porto

como pipa perdida
(o cerol rompeu tua linha)
cais de ponta
          em cada esquina
em qualquer bar
botequim
tem mais cuidado menina
há lobo mau a fim de

*

imperfeições

líria porto

o que fazer destes versos
que ao virá-los do avesso
estão repletos de nós?

*

muquiranas

líria porto

alguns bagulhos problemas sem solução
objetos em desuso que em porão se acumulam
hão de servir para outros – coisas de oitava mão?
:
tem quem faça caridade com o lixo o resto
o inútil

*

domingo, 3 de julho de 2011

bipolares

líria porto

côncavos convexos
complexos simples
aclives depressões

*

surucucu (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

a serpente segue sem saber se é suficiente
ou se é somente essa sucessão de sibilos
:
ssssssssssssssssssssssó

*

sábado, 2 de julho de 2011

rede

líria porto

solzinho maneiro
as meninas dos olhos
caçam borboletas

*

ausências

líria porto

as luzes e as sombras
bordaram nas montanhas
uns pontos
                 sem nós

*

sexta-feira, 1 de julho de 2011

buque (lê-se book e não buquê)

líria porto

vira os olhos
faz biquinho
cruza as pernas
olha o céu
a modelo
coitadinha
click click
flash flash
o fotógrafo
exagero
click click
flash flash
não tem pena
:
não é passarinho

*

não é de graça

líria porto

caiu do céu é chuva
meteoro pipa pássaro
avião ou falcatrua

*

quinta-feira, 30 de junho de 2011

larápios

líria porto

o inferno é aqui
ali-babá

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) supermercado

líria porto

homens comuns compram supérfluos
:
super-homens compram farinha
carne seca e jerimum

*

quarta-feira, 29 de junho de 2011

degelo

líria porto

eu já era uma mocinha
fazia xixi na cama

o tal cheiro d'amoníaco
me matava de vergonha

mas fechar a torneirinha
na melhor hora do sono

como?

(eu tinha vontade líquida
e alma muito tristonha)

*

terça-feira, 28 de junho de 2011

haicaio

líria porto

estado de coma
a poesia me alimenta
por veias e artérias

*

côncavos convexos

líria porto

para parir um poema
precisamos – nus – engravidar
letra pós letra

*

greta

líria porto

lua míngua
uma vírgula um riso uma pausa
entre um tango e uma valsa                    

*

domingo, 26 de junho de 2011

topo

líria porto

para se alcançar a felicidade
precisa-se escalar paredões imensos
e tudo durará uns breves
momentos
:
o suficiente
pra justificar
a vida

*

corda bamba

líria porto

ora balanço ora me equilibro ora despenco
não consigo fazer verso eu não me atrevo
falta rima falta rumo falta remo
falta romance

*

vizinhança

líria porto

falam alto
aceleram motos e carros
o som é no último volume
quem quiser sossego
peça aos céus
pra ficar
surdo

*

incendiária

líria porto

no rol das palavras lindas
achas labaredas  línguas de fogo

*

esteira

líria porto

anda anda anda
e não chega
:
um caminho atado em um ponto fixo
a deixar-te frouxo sobre
o sacrifício

*

sábado, 25 de junho de 2011

o joio do trigo

líria porto

a surdez seletiva de vovô
 matava vovó de raiva
:
ouvia nossos cochichos - suas queixas
ignorava-as

*

voracidade

líria porto

nossos corpos gastos
flácidos
que a juventude rejeita
um dia serão os dela
o tempo é implacável

apenas não envelhece
quem morre precocemente

*

lamentável

líria porto

não tem uma ins_piração
não se comove por nada
ficou igual uma estátua
onde pombos pousam cagam
e ela nem repara

*

sexta-feira, 24 de junho de 2011

interior

líria porto

nestes morros verdejantes
meus olhos pastam com o gado
:
troco ruas e avenidas
por recantos

*

aliança

líria porto

as mãos de adélia as minhas
as nossas manchas senis
esta mania de versos de garimpar as palavras
ai quem me dera eu pudesse alcançar a poesia
e colocar em meu dedo um anel
de compromisso

*

pasma

líria porto

eu quase não acredito
as minhas quatro bambinas
meus quatro bebês de vidro
desabrocharam mulheres
cada qual tão mais bonita
que as brancas de névoa

*

quinta-feira, 23 de junho de 2011

relativo

líria porto

contigo o tempo passa como um raio
sem ti ele se arrasta e não tem fim

*

terça-feira, 21 de junho de 2011

piruetas

líria porto

queria - não posso
ter um ninho próximo
ao teu

(faltasse-nos companhia
sentíssemos saudades
um voo e estaríamos
um com o outro)

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) taquicardia

líria porto

cem badaladas por minuto
:
é muito diz o doutor
é pouco o amor retruca

*

longeva

líria porto

sempre que a morte se aproximava
agarrava-se à vida com unhas
                                  e dentadura

*

sábado, 18 de junho de 2011

anonimato

líria porto

no calçada da cidade
a data do dia que nasci
pensei –– serei eterna
mas nem a minha sombra
soube disso

*

sexta-feira, 17 de junho de 2011

versos para tonho

líria porto

todo menino envelhece
a não ser que arrisque a vida
ou então se precipite

todo velho é um menino
que ao soltar sua pipa
ainda sabe dar linha

*

quinta-feira, 16 de junho de 2011

autoridade

líria porto

o cão arrasta o homem pela corda
e nem abana o rabo

quem manda nessa relação?

*

inveja

líria porto

eu te eclipso
tu me eclipsas
não devíamos
:
cada qual
tem sua luz
e brilha

*

sólida é a nossa solidão

terça-feira, 14 de junho de 2011

séria

líria porto

se a miséria lhe permitisse
se a féria do dia lhe trouxesse a matéria
se não fosse pilhéria o tal do salário mínimo
:
já não é mais doméstica
vende o que tem entre as pernas
compra o sustento dos filhos

*

insone

líria porto

zumbis não dormem
têm medo do sono
ou da morte?

*

segunda-feira, 13 de junho de 2011

matrimônio

líria porto

ela se empanturra
ele se embriaga

ai santo antônio
que praga

*

notívago

líria porto

a claridade o aturde
a tarde o atordoa
e quase como um morcego
um lobo um gato um jaguar
dorme com o sol a pino
desperta na escuridão

*

mestiça

líria porto

metade portuguesa
a outra parte é turca
(tem jeitinho brasileiro)

quando a vida se bifurca
veste burca canta fado
samba na avenida

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - celebração

líria porto

no coro da igreja
freiras prendem o corpo
e soltam a voz

o padre
levanta a hóstia

*

domingo, 12 de junho de 2011

das descobertas

líria porto

precisou a ponte cair
para que soubéssemos
a melhor estrada a mais bonita
não é asfaltada – é de terra
batida

*

garatuja (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

o amor que eu tenho é só um desenho
esboço malfeito d’alguma paixão
recolhida

*

sábado, 11 de junho de 2011

mundo cão

líria porto

um triz e a tristeza triscava beatriz
quis chorar depois riu –– paris era rima
e solução

( raimundo que o diga)

*

substituto

líria porto

preenche-me os vãos
dá-me muito gosto –– fá-lo com competência
porém não é o meu homem

*

negligência

líria porto

joãozinho – menino levado
tem pompas de filho único
nada aprendeu de limites
parece que pode tudo

joãozinho põe fogo na casa
picha as paredes e o muro
com cinco anos de idade
é um menino sem rumo

quem pariu joãozinho omite-se
não o prepara pro mundo

*

quinta-feira, 9 de junho de 2011

peleja

líria porto

por mais perigo que haja
por mais difícil que seja
o jeito é encarar a morte
quando a vida nos rejeita

*

quarta-feira, 8 de junho de 2011

saudade

líria porto

abraço a tua ausência
ela preenche meus braços
chego a sentir o teu cheiro
eu beijo o ar
                   e desfaço-me

*

segunda-feira, 6 de junho de 2011

cúmplice

líria porto

eu tenho um caso comigo
faço-me companhia
dou-me livros joias mimos
raramente há uma briga
quando acontece perdoo-me
levo-me a um passeio
permito-me breves namoros
e ao fim de tudo concluo
melhor para mim
só a líria

(ainda bem que consigo)

*

quinta-feira, 2 de junho de 2011

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) miragem

líria porto

eu moro em casa com muro
tenho em mira um par de asas

tomara a liberdade
               não seja mera ilusão

*

quarta-feira, 1 de junho de 2011

o avião

líria porto

corro muito pego embalo voo alto
ultrapasso nuvens e montanhas
deixo carros caminhões bois ou cavalos
tão pequenos quais brinquedos
de criança
:
sou um pássaro de aço

*

sexta-feira, 27 de maio de 2011

miopia

líria porto

a casa da minha infância
agora tem olhos tristes

trocaram suas janelas
(alegria escancarada)
por basculantes

*

quinta-feira, 26 de maio de 2011

torre de pisa

líria porto

plantaram um campanário
numa cova bem rasinha
toda vez que bate o vento
ele se inclina um cadinho
cambaleia enquanto hesita
até parece com a gente
depois das taças de vinho

pileque ou vertigem?

*

terça-feira, 24 de maio de 2011

recém-nascido

líria porto

eu nunca vou me esquecer
do menininho em meus braços
um passarinho no ninho
um bezerrinho no estábulo

*

dos monstros

líria porto

causa-me espécie
uma espécie de gente
que nem gente se parece
que espalha sua tara
entre pernas inocentes

*

valores

líria porto

colada em meu olho me cega
a um metro de mim é só uma moeda
(além da esquina nem vejo)
:
quem quiser que a_pegue
eu não

*

segunda-feira, 23 de maio de 2011

marilyn

líria porto

lua escandalosa
levanta a saia de roda
bem no meio do céu

*

domingo, 22 de maio de 2011

estigma

líria porto

sem olhos para a leitura
deixava de aprender com letras e palavras
a sentença do mundo

*

pós-guerra

líria porto

evitas meus olhos
depois –– barco à deriva
cais em contradição
atracas-te ao meu corpo
e navegas

*

quinta-feira, 19 de maio de 2011

ploft

líria porto

bolhas de sabão
bonitas e pereciveis
como as paixões

*

quarta-feira, 18 de maio de 2011

ao vento

líria porto

dão cambalhotas
e dançam e flutuam
as folhas mortas

*

pneumo

líria porto

habitam-me uns bichos
que miam ganem e piam
enquanto chio

*

segunda-feira, 16 de maio de 2011

folha seca

líria porto

dei de voar
lembro-me que nem tenho asas
e estou no espaço

o vento me pega
o vento se encarrega

*

(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - rinoceronte

líria porto

um besouro cresceu desmedidamente
e trocou sua carcaça dura como um osso
pelo couro grosso

*

fera

líria porto

fui lá fora ver a lua
a rua estava deserta
levei francisco comigo
ia apresentá-lo à bela
uma nuvem fez fuxico
fiquei fula

*

jogo de cintura

líria porto

um tremendo pé na bunda
de romper os ligamentos

para relações futuras
pedra cimento e ferro
pra reforçar
o alicerce

*

domingo, 15 de maio de 2011

dívida atroz

líria porto

posso
devo?
:
perfurar um poço cavar uma fossa
preencher os ocos de absoluto
rasgar esse luto vestir-me
de púrpura

*

sexta-feira, 13 de maio de 2011

grises

líria porto

para os pelos
(pelos pálidos)
branqueados
desde cedo
eu concedo
muitas tardes
de sossego
muitas noites
de (a)luares

*

quarta-feira, 11 de maio de 2011

experiências

líria porto

puxei o mar pela borda
joguei-o dentro de mim
com espuma peixes
ondas

agora busco outra fórmula
vou desviar os riachos
do rumo dos olhos

(não sei se dou conta)

*

*

entre achados e perdidos

líria porto


é que eu já fui criança
olhos maiores que o mundo
mas que nunca viram bem

de lá para cá tateio
e uso ósculos

*

superego

líria porto

a sociedade impõe
(na verdade ela o exige)
sede assim
sede assado
e a vocação para o cru
para o nu o natural
vai pelo ralo

e viramos massa amorfa
ficamos todos na moda
iguais
:
sem tirar
             nem pôr

*

terça-feira, 10 de maio de 2011

perfumoso

líria porto

se ele passar por mim
fecho os olhos bem fechados
e respiro fundo

*

ai mamãe

líria porto

não me belisques
eu acho isso covarde
quando me apertas arde
eu não posso revidar
e sinto raiva de ti
a pessoa amada
:
contar com quem
se me agrides?

*

segunda-feira, 9 de maio de 2011

no lago

líria porto

pulo de cabeça
e tenho fraturas

a temperatura?

trinta graus abaixo
de zero

*

se não queres tem quem queira

líria porto

não vou lavar o teu prato
não vou guardar teus talheres
nem tua cueca

cuido dos meus objetos
tenho o meu trabalho
contribuo com a metade
das despesas

ah
quem acordar por último
arruma o quarto

*

velho

líria porto

tem vexame não
é só ir devagarinho
que vinga faísca

*

à malagueta

líria porto

com um ela faz sexo
com o outro faz amor
assim cozinha e come
o seu baião de dois

(dona flor é fogo)

*

osama nas alturas

líria porto

a atirar estrelas com estilingue
a acertar carnes trêmulas
e calças borradas

*

domingo, 8 de maio de 2011

desenlace

líria porto

deixa-me dormir deste cansaço
não me fales de abandono ou despedida

quando eu retornar da morte em vida
desatamos nós – ficamos livres

*

sábado, 7 de maio de 2011

rumores

líria porto

nada peço à palavra
mas ela se entrega
então faço verso

com ruído
           ou silêncio

*

nós entre estas paredes

líria porto

o mundo inteiro lá fora
e o que mais te assombra
é eu querer estar sóbria

*

das necessidades

líria porto

passarim papo amarelo
quer farelo quer alpiste
ele sabe o quanto é triste
passar fome passar frio
e não ter sequer um ninho
pra pousar

*

quinta-feira, 5 de maio de 2011

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) peixe

líria porto

a amante do vovô
uma sereia linda
de olhos verdes
que a vovó chamava
de piranha

*

quarta-feira, 4 de maio de 2011

per_verso

líria porto

o que esperas que eu faça
que eu traia mate morra
por instantes na gangorra
dos teus braços?

(não sou quebra-galho)

*

terça-feira, 3 de maio de 2011

aperto

líria porto

prisões de ventre
alças intestinais
algemas anais
façam o general
arriar as calças

*

domingo, 1 de maio de 2011

dodói

líria porto

entre lírico e irônico
um versinho afônico
chora tosse espirra
às vezes embirra
em nossa garganta
mas não adianta
ele sobrevive
mesmo que eu morra
de amigdalite

*

aquarela

líria porto

um lenço verde
a blusa amarela

saia azul celeste
bordada de estrelas

uma faixa branca
para o grande laço

(libertas quae sera tamen)

todas as bandeiras
de todas as raças

*

sábado, 30 de abril de 2011

karma

líria porto

a gente não procura e acha
dá de frente com a criatura
e o fato dura toda
                      a eternidade

*

quinta-feira, 28 de abril de 2011

é sempre assim

líria porto

acorda-se com um dia a menos
e uma longa vida cada vez
mais curta

*

para uma dona doida

líria porto

chorei quando vi adélia
ela disse - não carece

perguntei-lhe como não
a emoção obedece-nos?

*

fundão

líria porto

dentro da noite
onde moram os pesadelos
quisera bem entendê-los
livrar-me de qualquer sombra
dos medos que habitam 
                                o son(h)o

(careço fazer análise)

*

quarta-feira, 27 de abril de 2011

lisa

líria porto
nova na família
esguia esbelta
parece maneguim
na passarela

*

terça-feira, 26 de abril de 2011

gemido

líria porto

passarinho fica mudo
durante a troca das penas

as nossas penas não mudam
ficam a_penas doloridas

*

sorrateiro

líria porto

igual o envelope
que o carteiro coloca
debaixo da porta

*

noites de luana

líria porto

fios por todo o corpo
nas pernas peito virilha
axilas braços pescoço
e no rosto –– barba cerrada
bigodes
sobrancelhas grossas
:
amava-a
nu em pelo

*

para durar para sempre

líria porto

tudo é igual no começo
os beijos as juras o carinho
então meu bem eu me vou
antes do início do fim

*

abano (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

a moça o leque o movimento
como a imensa borboleta
que inventou de aventar
o vento

*

domingo, 24 de abril de 2011

cúmplices

líria porto

fosse quem fosse
viesse nu peito aberto
despido de preconceitos
pisasse leve nas pétalas

eu
       retirava
                     os
                           espinhos

*

relíquias

líria porto

objetos novos recém-adquiridos
não fico à vontade

prefiro sapatos surrados
roupas puídas móveis antigos
homens velhos

*

perfis

líria porto

lilica tem gatos
as irmãs têm cães
precisam de afagos
abanos de rabos
lambidas nas mãos

lilica é arisca
gosta de bichos
             à distância

*

o diabo da cruz

líria porto

nasci co'as mãos velhas
marcas de vassoura sabão enxada
d'outras encarnações
:
eu já escrevi com pena

*

sábado, 23 de abril de 2011

de_vagar

líria porto

álcool e cigarro
suicídio clássico
em câmara lenta

*

repartição

líria porto

mesas abarrotadas
papéis de um lado e doutro
e a fofoca solta
na boca dos funcionários

*

terça-feira, 19 de abril de 2011

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - a_manhã vem depois

líria porto

a lua flutua entre o céu
e a boca de fumo

um cão uiva
uma ruiva me acena
e a cena esbanja-se
de bela

fico doido
e é doído pensar
que a ilusão
é uma bolha

(cresce e
míngua)

*

segunda-feira, 18 de abril de 2011

chá de cadeira

líria porto

tempo de quem espera
tempo de quem virá

para alguns o tempo é eterno
um estalo para outros

um piscar de olhos
um raio

*

pestana

líria porto

tarde molenga
de ócio e preguiça
nada me atiça
e eu vaga_bunda
cochilo no colo
do mundo

*

domingo, 17 de abril de 2011

em minas

líria porto

quem não mordeu vai morder
a isca é um pão de quê?

*

d'alentejo

líria porto

quem canta os males espanca
(à florbela sim senhor)
o mal d'amor decantado
tudo em versos decassílabos
duas quadras dois tercetos

(a quem gosta um prato cheio
a quem não gosta
                              um vazio)

*

sábado, 16 de abril de 2011

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) desmerecimento

líria porto

à mulher que se disputa
o céu a terra a florada

à mulher que se diz puta
nada?

*

sexta-feira, 15 de abril de 2011

à luz da vela

líria porto



foto de fabio reis

acordos pra toda a vida
fazemos com nossa sombra
só ela nos acompanha à hora 
do desencontro

*

alarme

líria porto

nas horas em que tudo pesa
em que a carga é excessiva
podemos sair dos trilhos
:
parto ao primeiro apito

*

queda de (a)braço

líria porto

não vou deixar que mantenhas
as coisas como as decides

se aí montanhas são firmes
em minas somos de ferro

(dá-me um abraço)

*

quinta-feira, 14 de abril de 2011

mouro

líria porto

seu agasalho era o sol
com olhos de dromedário

*

quarta-feira, 13 de abril de 2011

maria dá pena

líria porto

olhos inchados
outro hematoma
torção no braço
todos os roxos
dentes quebrados
queimados graves
nova desculpa
caiu na escada
trombou na rua
passava roupa
queimou no forno
todos sabemos
existem monstros
dentro das casas
e nas escolas
e nas cadeias

(não tenhas medo
e nem te cales
não fiquem impunes
babá marido
pais professores
cabos soldados
que violentam
que te agridem
:
não sejas cúmplice
põe a boca no mundo
denuncia-os)

*

terça-feira, 12 de abril de 2011

cri-cris

líria porto

coisas pequeninas
que não incomodam
quaisquer circunstâncias
para os picuinhas
são muito maiores
que as relevantes

*

vigília

líria porto

já faz algum tempo
o sol dos seus olhos
ficou embaçado

não vai à varanda
não abre as cortinas
e nem cantarola

preciso ajudá-la
conversar um pouco
sua dor é tão triste

sinto-me impotente
porém passarinhos
também trocam penas

sofrimentos passam
fecham-se as feridas
ficam as cicatrizes

então calo o bico
e daqui de fora
monto sentinela

*

segunda-feira, 11 de abril de 2011

desumanidades

líria porto

uma vai e nem é bem tratada
a outra  mantida a pão-de-ló
faz cu doce

*

(à sombra da torre eiffel)

líria porto

falamos a mesma língua
lambemos o mesmo doce
cuspimos o mesmo sal
quase igual um casal
mas somos só um caso
                        
e casual

*

urgências

líria porto

a vida ruge batom
minissaia e salto
plataforma

*

domingo, 10 de abril de 2011

gueixa

líria porto

acaso tu queiras
um amor adotivo
manda-me chamar
estou disponível

tu deitas no canto
afago-te a pele
enxugo teu pranto
cuido dos teus pés

então tu me falas
das tuas fraquezas
ouço-te em silêncio
resguardo segredos

enquanto precises
eu fico a teu lado
depois venho embora
e caso encerrado

(se é que tu deixas)

*

sábado, 9 de abril de 2011

cobertor

líria porto

sem nuvem urubu avião
um azul nuzinho cobria
meu corpo

*

crudelíssimo

líria porto

o tempo me cega
põe-me espora freio arreio
e berra sem compaixão
sossega sua égua velha
o teu passo mudou
o teu corpo está frouxo
é bom que te lembres
o teu macho é um
                   pangaré
:
(sim - senhor)

*

sexta-feira, 8 de abril de 2011

perfilados

líria porto

eucaliptos  exército de soldados rasos
imposição de fardas
:
verde a qualquer preço

*

quinta-feira, 7 de abril de 2011

sofrimento

líria porto

a dor de uma ausência não cabe no infinito
porisso se aninha na alma da gente
ali faz morada até que nos mata
esmaga sem pena
:
com o salto de um sapato luís xv

*

quarta-feira, 6 de abril de 2011

agonia

líria porto

como estarás a estas horas
o escuro se estira e ainda espero
a aurora

*

terça-feira, 5 de abril de 2011

decibéis

líria porto

sonoras sirenes
serenas senhoras

palavras se encaixam
sentidos se chocam

*

extrassístole

líria porto

coração para dispara
há muito não me obedece
faz hora co'a minha cara
parece samba de breque

*

no reino da dinamarca

líria porto

há algo que sobra
no prato da nora

a sogra

*

ímã

líria porto

passarinho atraído pela cobra cascavel
precipito-me no abismo dos teus olhos
:
voo em queda

*

segunda-feira, 4 de abril de 2011

estêvão

líria porto

não me estendeste uma estaca um esteio
não expressaste um gesto - a mim
gestante de um filho teu

*

a um osso duro de roer

líria porto

na verdade
o que eu preciso
é que tu tenhas siso
para não me amolares
com pedidos incisivos
e caninos

*

pés de moleque

líria porto

o pai pagava as contas
a mãe varria os cantos

(farinha e rapadura)

os filhos
nem sei quantos

*

por amor

líria porto

rasgar-se na carne
depois emendar-se
com ponto paris

*

cale-se

líria porto


em momentos difíceis
a queda acontece
e ninguém contém os estilhaços
do (res)sentimento

*

domingo, 3 de abril de 2011

bem querer

líria porto

leite afeto
cheiro de criança
servir-me-ão de alento
no rigor do inverno
na proximidade
da velhice

*

sexta-feira, 1 de abril de 2011

na beirada do telhado

líria porto

maritaca acorda ataca
faz barulho canta grita
maritaca come coco
quebra a casca
com o bico

*

quinta-feira, 31 de março de 2011

silêncios

líria porto

nada nada nada
diz-me tudo
enquanto tudo tudo tudo
nada diz

*

encruzilhada

líria porto

preciso escolher um caminho
e não sei qual

decidiram por mim tanto tempo
que eu vivo confuso e a bússola
é bem pior do que eu
             
*

quarta-feira, 30 de março de 2011

chove não molha

líria porto


em fogo brando eu aguento
não suporto é fritura

*

terça-feira, 29 de março de 2011

francisco

líria porto

freia na curva
derrapa no coração
acomoda-se em meu peito
um menino com nome
de grande homem

*

segunda-feira, 28 de março de 2011

nos salões

líria porto

madames beijam madames
nas faces – como as formigas
(e nem são amigas)

*

linhagem

líria porto

tataravós bisavós avós
meus pais também já se foram
minha hora se aproxima
:
e ficarão nesse mundo
quatro filhas os meus netos
e uma rima pequenina

*

sábado, 26 de março de 2011

comboio

líria porto

ficamos velhos
iguais idênticos
aos pais e avós

e assim seguimos
com nossa prole
atrás de nós

*

bruma

líria porto

o vento me empurra
de um lado pra outro

seguro num oco
num vácuo num vão

e voo sem bico
sem asa sem pena

igual nevoeiro
(eu me vou)

*

olhares

líria porto

as rosas da vizinhança
ultrapassam em altura
as grades da nossa casa

em nosso jardim pequeno
as margaridas as dálias
parecem desarranjadas

os passarinhos no entanto
voam dum lado e doutro
e não fazem distinção
:
flores são flores
em todo canto

*

quinta-feira, 24 de março de 2011

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) de esguelha

líria porto

a porta range
e sua voz de taquara
denuncia a chegada
de quem por algum motivo
quis passar despercebido

um amante um larápio
um anjo de chifre e rabo
um espírito de porco
um filho desnaturado
um farsante um estrupício

um redemunho?

*

terça-feira, 22 de março de 2011

constrangimento

líria porto

mais que o peso das palavras o silêncio
a reprovação

*

segunda-feira, 21 de março de 2011

evas

líria porto

bisneta de alguma neta
tetravó da própria mãe
(mulheres sobre mulheres)
e a beleza se completa
em muitas encarnações
:
ancestrais
e descendentes

*

domingo, 20 de março de 2011

mire veja

líria porto

caçador di_verso atira e acerta
quem está prestes

*

quarta-feira, 16 de março de 2011

(publicado no livro garimpo - editora lê) - simplório

líria porto

quis versos rebuscados
repletos de filosofia e sapiência
belas metáforas palavras de boa cepa

mas nasci no cafundó sem eira nem beira
quando muito salpico purpurina
no rabo dos cometas

os olhos do poeta têm cílios de arco-íris
os meus são folha seca

*

terça-feira, 15 de março de 2011

tormenta

líria porto

o céu é só chumbo
e não tenho guarda-chuva

há tempo?
nada

*

segunda-feira, 14 de março de 2011

todo dia é dia de poesia - parabéns

líria porto

nas asas da borboleta
no bico do passarinho
na bica dágua

no bolo de aniversário
da roberta silva

*

gostaria

líria porto

de não entender o que está por trás
de não ir atrás do que possa ser
de não ter radar de não ter antena
de viver/morrer na inocência

*

sábado, 12 de março de 2011

poleiro

líria porto

eu acho que a corujice
não é defeito tão grave
se a coruja é uma ave
vovó pode ser coruja
ela tem um par de asas

*

recém-nascido

líria porto

pequeno indefeso e tão preso à vida
agarra-a com dedos fininhos
e ela não lhe escapa
:
está destinada ao menino

*

no bloquinho da coruja

líria porto

natos netos bonitos
anoto-os e anuncio-os
:
maria luiza e francisco

*

sexta-feira, 11 de março de 2011

dunas

líria porto

com o menino no regaço
estou nas mãos do menino
do seu perfume suave
dos olhares movediços

*

quinta-feira, 10 de março de 2011

esgrima

líria porto

não sou aquela que procuras
não sou santa nem sou serva
sou esta mulher incauta impura
e tenho esse vulcão no vão
das pernas

(declaro amor amor
                         mas faço guerra
:
touché)

*

quarta-feira, 9 de março de 2011

um prinspe

líria porto

igual um gatinho
no quente aconchego

chegou veio calmo
sem choro sem cisma

um cisco de gente
de nome francisco
:
e tem o meu gene

*

sábado, 5 de março de 2011

inês é morta

líria porto

para fugir de si mesma
fingir que está tudo bem
pendurou a (in)consciência no cabide
e vestiu
             pele de marta

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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