líria porto
ao voar voar
faz tremer o céu
o mar o ar o planeta
nada fica inerte
(há um leve sopro nas letras do poeta)
*
sexta-feira, 31 de julho de 2009
(pretérito imperfeito)
líria porto
se eu vestisse o mar tal qual um manto
e nele me abrigasse para sempre
coberta de azul verde ou cinzento
conforme fosse um dia diferente
e ouvisses o canto da sereia
e viesses e entrasses água adentro
beberias dos meus seios
se eu vestisse o mar tal qual um manto
e nele me abrigasse para sempre
coberta de azul verde ou cinzento
conforme fosse um dia diferente
e ouvisses o canto da sereia
e viesses e entrasses água adentro
beberias dos meus seios
*
a_versão
líria porto
qual faca te fere
qual boca te cospe
qual rato te rói
qual chave te tranca
qual copo te bebe
qual treva te cega
qual dedo te acusa
qual cabo te aprisiona
que inimigo te persegue
:
eu odeio todos eles
qual boca te cospe
qual rato te rói
qual chave te tranca
qual copo te bebe
qual treva te cega
qual dedo te acusa
qual cabo te aprisiona
que inimigo te persegue
:
eu odeio todos eles
*
habilidade
líria porto
como conhecesse de cor e salteados
todos os obstáculos percorria-me
os labirintos
*
como conhecesse de cor e salteados
todos os obstáculos percorria-me
os labirintos
*
segunda-feira, 27 de julho de 2009
préstimos (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)
líria porto
tantas flores cobrem a serra
eis que chega a primavera
esta moça meus senhores
(o seu cheiro pleitos pétalas)
faz-me cócegas favores
quando à noite eu me deito
tenho bambos corpo
vestes
*
tantas flores cobrem a serra
eis que chega a primavera
esta moça meus senhores
(o seu cheiro pleitos pétalas)
faz-me cócegas favores
quando à noite eu me deito
tenho bambos corpo
vestes
*
sedução
líria porto
a lua nem bem surgiu
estava séria arredia
um xale tão recatado
aprontou-se o astro rei
no mais belo pôr de sol
tingiu o céu de sem lei
um vermelho quase roxo
e levou consigo a lua
para a suíte de deus
*
a lua nem bem surgiu
estava séria arredia
um xale tão recatado
aprontou-se o astro rei
no mais belo pôr de sol
tingiu o céu de sem lei
um vermelho quase roxo
e levou consigo a lua
para a suíte de deus
*
domingo, 26 de julho de 2009
insuficiente
líria porto
estou assim passarim
a me arrastar numa asa
a outra quebrei faz tempo
naquele dia o vento
atravessou-me a carcaça
forçou-me a aterrissagem
desde então sinto-me lassa
o corpo dói se ancora
o peito se descompassa
tateio a alma escoro-me
não mais decolo não voo
perdi a graça
*
estou assim passarim
a me arrastar numa asa
a outra quebrei faz tempo
naquele dia o vento
atravessou-me a carcaça
forçou-me a aterrissagem
desde então sinto-me lassa
o corpo dói se ancora
o peito se descompassa
tateio a alma escoro-me
não mais decolo não voo
perdi a graça
*
atriz
líria porto
quem me visse assim chorosa
pensaria está doendo
eu diria é fingimento
nas horas que sofro mesmo
não derramo uma lágrima
pareço igual uma rocha
com o mar batendo
*
quem me visse assim chorosa
pensaria está doendo
eu diria é fingimento
nas horas que sofro mesmo
não derramo uma lágrima
pareço igual uma rocha
com o mar batendo
*
sábado, 25 de julho de 2009
rosa
líria porto
tinha um amor e dois homens
e era assim –– meio a meio
porém um dia
escolheu
:
bilhete azul para os dois
e pôs no quarto
um terceiro
tinha um amor e dois homens
e era assim –– meio a meio
porém um dia
escolheu
:
bilhete azul para os dois
e pôs no quarto
um terceiro
*
dormiu co'as galinhas
líria porto
nem bem o sol se escondeu
lá estava ela nos braços
de morfeu
despertou com o galo
(sabes do que falo)
'dia
cotovia
*
sexta-feira, 24 de julho de 2009
tive um amor
líria porto
veio e partiu sem deixar qualquer sinal
qualquer registro que eu pudesse comprovar
que (in)existiu
*
veio e partiu sem deixar qualquer sinal
qualquer registro que eu pudesse comprovar
que (in)existiu
*
quinta-feira, 23 de julho de 2009
pelas trompas de eustáquio
líria porto
não lhe dê ouvidos
ele tem mania
de chegar primeiro
de sentir o cheiro
de estar na cara
cobrir-se com sardas
ou ficar vermelho
meter o bedelho
e se arrebitar
*
não lhe dê ouvidos
ele tem mania
de chegar primeiro
de sentir o cheiro
de estar na cara
cobrir-se com sardas
ou ficar vermelho
meter o bedelho
e se arrebitar
*
explícita
líria porto
viu-me como no filme
: entranha e pele duma estranha
(en)fiada nu'a teia de aranha
*
viu-me como no filme
: entranha e pele duma estranha
(en)fiada nu'a teia de aranha
*
quarta-feira, 22 de julho de 2009
inesquecível
líria porto
amor bissexto
tão distraído
levou consigo
minha alegria
a lua míngua
o sol se cobre
tudo é sombrio
tudo é inóspito
(por onde andas
luz que alumia
estou perdido
e sinto frio)
*
amor bissexto
tão distraído
levou consigo
minha alegria
a lua míngua
o sol se cobre
tudo é sombrio
tudo é inóspito
(por onde andas
luz que alumia
estou perdido
e sinto frio)
*
capitalismo
líria porto
estragada é a carne da miséria
recheada de tão duro sofrimento
as vísceras dos que dela se alimentam
apodreçam e padeçam a dor e a fúria
nas córneas desses olhos de abutres
instalem-se as pústulas e as feridas
que o céu os martirize com as trevas
co'a sentença da derrota e do infortúnio
que os ovos dessas aves de rapina
adoeçam e jamais se proliferem
dos seus crimes odiosos assassinos
as pocilgas mais imundas se encarreguem
estragada é a carne da miséria
recheada de tão duro sofrimento
as vísceras dos que dela se alimentam
apodreçam e padeçam a dor e a fúria
nas córneas desses olhos de abutres
instalem-se as pústulas e as feridas
que o céu os martirize com as trevas
co'a sentença da derrota e do infortúnio
que os ovos dessas aves de rapina
adoeçam e jamais se proliferem
dos seus crimes odiosos assassinos
as pocilgas mais imundas se encarreguem
*
invólucro
líria porto
isso não a envaidece
é como se descobrisse
ser uma espécie de égua
:
(o que temos de melhor
nem os espelhos revelam)
*
isso não a envaidece
é como se descobrisse
ser uma espécie de égua
:
(o que temos de melhor
nem os espelhos revelam)
*
passarinhos e morcegos
líria porto
a menina
asas quebradas
chupava cana
) a ciranda é na grimpa da árvore (
*
a menina
asas quebradas
chupava cana
) a ciranda é na grimpa da árvore (
*
terror
líria porto
nas unhas roídas
sinal de aflição
colou as postiças
imensas esmaltadas
fez cara de alma
e entrou no avião
*
nas unhas roídas
sinal de aflição
colou as postiças
imensas esmaltadas
fez cara de alma
e entrou no avião
*
sinal
líria porto
minha pendenga
sou eu comigo
ninguém me aguenta
não corre o risco
perdi o voo
vou de carroça
a vida ruge
dá-me uma coça
vi o aviso
agora sei-o
pulou do umbigo
pingou no seio
na encruzilhada
é que decido
se eu me acabo
dou-te o recibo
*
minha pendenga
sou eu comigo
ninguém me aguenta
não corre o risco
perdi o voo
vou de carroça
a vida ruge
dá-me uma coça
vi o aviso
agora sei-o
pulou do umbigo
pingou no seio
na encruzilhada
é que decido
se eu me acabo
dou-te o recibo
*
terça-feira, 21 de julho de 2009
(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - deslumbre
líria porto
a lua é linda
e linda é mais que bonita
é beleza que finca nos olhos
e fica
*
a lua é linda
e linda é mais que bonita
é beleza que finca nos olhos
e fica
*
de pombas e pavões
líria porto
eu vi a lua de frente
assim mesmo cara a cara
perguntei-lhe –– a vestimenta
não vais trocar tua bata?
ela disse –– a cor de prata
é a que em mim se assenta
e seguiu sua jornada
naquela simplicidade
enquanto o sol se cobria
com um manto de brocado
a refletir sua imagem
no mar nos rios nos lagos
*
eu vi a lua de frente
assim mesmo cara a cara
perguntei-lhe –– a vestimenta
não vais trocar tua bata?
ela disse –– a cor de prata
é a que em mim se assenta
e seguiu sua jornada
naquela simplicidade
enquanto o sol se cobria
com um manto de brocado
a refletir sua imagem
no mar nos rios nos lagos
*
rebolo
líria porto
olhos fechados corpo encolhido
dou asas ao poeta
ele voa vara mundo vira anjo pássaro grilo
faz de tudo um pouco
volta feito doido quando acha
um verso
*
olhos fechados corpo encolhido
dou asas ao poeta
ele voa vara mundo vira anjo pássaro grilo
faz de tudo um pouco
volta feito doido quando acha
um verso
*
segunda-feira, 20 de julho de 2009
xanas
líria porto
lili é a dona da gata
a gata se chama donna
dona e donna em nossa cama
o quarto vira uma zona
) odeio cheiro de gatos
eu confesso –– sinto gana
e temo esganar as duas
em menos duma semana (
lili é a dona da gata
a gata se chama donna
dona e donna em nossa cama
o quarto vira uma zona
) odeio cheiro de gatos
eu confesso –– sinto gana
e temo esganar as duas
em menos duma semana (
*
domingo, 19 de julho de 2009
ao lui
líria porto
a ele dei meia lua
fi(n)cou-me a outra parte
num corpo só - descampado
fiamos o plenilúnio
*
a ele dei meia lua
fi(n)cou-me a outra parte
num corpo só - descampado
fiamos o plenilúnio
*
sábado, 18 de julho de 2009
(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - arabesca
líria porto
a lua é a pupila
do olho azul do infinito
desde que o mundo é mundo
ela nos vê tudo assiste
o que é feio
o que é bonito
registra tudo e repassa
para o gestor dos destinos
ele é quem faz
(in)justiça
*
a lua é a pupila
do olho azul do infinito
desde que o mundo é mundo
ela nos vê tudo assiste
o que é feio
o que é bonito
registra tudo e repassa
para o gestor dos destinos
ele é quem faz
(in)justiça
*
fingidor
líria porto
quem destrinçar o meu verso
achar segredos nas frinchas
decerto vai perceber
minha tristeza infinita
disfarçada em ironia
rio do mar
não das pessoas
*
quem destrinçar o meu verso
achar segredos nas frinchas
decerto vai perceber
minha tristeza infinita
disfarçada em ironia
rio do mar
não das pessoas
*
(publicado no livro olho nu - ed. patuá) convés
líria porto
é dor de secar um rio
dizer adeus querido
parto por um ano
é dor de secar o oceano
dizer a quem amo
é definitivo
é dor de secar a vida
todas as partidas
todos os lenços brancos
*
é dor de secar um rio
dizer adeus querido
parto por um ano
é dor de secar o oceano
dizer a quem amo
é definitivo
é dor de secar a vida
todas as partidas
todos os lenços brancos
*
deriva
líria porto
o mar vem e volta
não se prende à areia
e há folhas secas
soltas pelo ar
carrego na alma
o peso do vazio
e faz muito frio
não poder ficar
*
o mar vem e volta
não se prende à areia
e há folhas secas
soltas pelo ar
carrego na alma
o peso do vazio
e faz muito frio
não poder ficar
*
opereta
líria porto
a moça cara de anjo
olhava lá da janela
o velho no seu piano
toca verso toca inverso
pedia ela com os olhos
o velho batia as botas
*
a moça cara de anjo
olhava lá da janela
o velho no seu piano
toca verso toca inverso
pedia ela com os olhos
o velho batia as botas
*
afeição
líria porto
a amizade é um manto tecido a quatro mãos
um cobertor compartilhado
sem que se o perceba
um amigo faz um ponto o outro dá uma laçada
o amor se estende
com o passar dos anos
não importam a distância as dificuldades
não haverá inverno que os desagasalhe
*
a amizade é um manto tecido a quatro mãos
um cobertor compartilhado
sem que se o perceba
um amigo faz um ponto o outro dá uma laçada
o amor se estende
com o passar dos anos
não importam a distância as dificuldades
não haverá inverno que os desagasalhe
*
sexta-feira, 17 de julho de 2009
quinta-feira, 16 de julho de 2009
surfe
líria porto
eu tinha muita vontade
de a minha alma voar
houve um tempo tão feliz
leve corpo a acompanhava
e as nossas travessuras
eram passeios
na praia
*
eu tinha muita vontade
de a minha alma voar
houve um tempo tão feliz
leve corpo a acompanhava
e as nossas travessuras
eram passeios
na praia
*
impaciência
líria porto
os nervos retesados do violino
reagem às tentativas do aprendiz
e desafinam
*
os nervos retesados do violino
reagem às tentativas do aprendiz
e desafinam
*
quarta-feira, 15 de julho de 2009
pau-de-arara
líria porto
no corte da cana-de-açúcar
o suor salgado dos boias-frias
tratados como bagaço
*
no corte da cana-de-açúcar
o suor salgado dos boias-frias
tratados como bagaço
*
terça-feira, 14 de julho de 2009
(peguei o sol no pulo) vagos
líria porto
sentei minha ausência
ao lado da tua ausência
ficamos assim
os dois sem ninguém
no sofá da sala
*
sentei minha ausência
ao lado da tua ausência
ficamos assim
os dois sem ninguém
no sofá da sala
*
livre
líria porto
quero um cavalo baio
pra gastar na ribanceira
todo o tempo que me resta
subir e descer a galope
arriscar as minhas beiras
arranhar as minhas pernas
montada sobre um pelego
se possível branquicento
morto de medo
quero a minha pele preta
meu cabelo pixaim
*
quero um cavalo baio
pra gastar na ribanceira
todo o tempo que me resta
subir e descer a galope
arriscar as minhas beiras
arranhar as minhas pernas
montada sobre um pelego
se possível branquicento
morto de medo
quero a minha pele preta
meu cabelo pixaim
*
(paguei o sol no pulo) estiva
líria porto
rampa apinhada de trabalhadores
correição de formigas por um salário
de migalhas
*
rampa apinhada de trabalhadores
correição de formigas por um salário
de migalhas
*
só
líria porto
e quanto mais
soo insólito
necessitado
dum canto
(só_lido
como pétalas
pasto-as
de_vagar)
*
e quanto mais
soo insólito
necessitado
dum canto
(só_lido
como pétalas
pasto-as
de_vagar)
*
segunda-feira, 13 de julho de 2009
campanhas
líria porto
questão da fome meu caro
não é prato de comida
pois quando falta a marmita
o buraco é mais embaixo
não há trabalho abrigo
salário sapato agasalho
são muitas as precisões
ratos vivem de migalhas
homens não
*
questão da fome meu caro
não é prato de comida
pois quando falta a marmita
o buraco é mais embaixo
não há trabalho abrigo
salário sapato agasalho
são muitas as precisões
ratos vivem de migalhas
homens não
*
editora lê - acordes
líria porto
a manhã acorda cedo
um pouco antes de mim
toma banho passa cheiro
põe tocar uns passarinhos
melhor que isso só tu
a bicares-me o umbigo
a dizeres-me ao ouvido
minha flor gosto de ti
*
a manhã acorda cedo
um pouco antes de mim
toma banho passa cheiro
põe tocar uns passarinhos
melhor que isso só tu
a bicares-me o umbigo
a dizeres-me ao ouvido
minha flor gosto de ti
*
estopim
líria porto
vi-me
o vento me empurrava
pendia-me para um lado
e outro
pedi implorei
cortem o mal pela raiz
ninguém me escutou
: explodi
*
vi-me
o vento me empurrava
pendia-me para um lado
e outro
pedi implorei
cortem o mal pela raiz
ninguém me escutou
: explodi
*
pé de grilo
líria porto
vira-lata olha a cadela
e a filha da poodle
finge não vê-lo
quem ela pensa que é
porventura cachorra tem
selo?
*
vira-lata olha a cadela
e a filha da poodle
finge não vê-lo
quem ela pensa que é
porventura cachorra tem
selo?
*
sexta-feira, 10 de julho de 2009
foi assim ó
líria porto
o sol dormia de borco
roncava igual o vovô
a lua clareava o quintal
o galo desceu do poleiro
bateu asas e cantou
cococorocóóóóóó
acorda sol preguiçoso
o sol piscou só um olho
babava no travesseiro
o galo cantou de novo
cococorocóóóóóóó
despertou os galos todos
chamou também os cachorros
cococorocóóóóóóóó
au au au au au
acorda sol vagaroso
os passarinhos o pato
firifiu firifiu quá quá quá
a galinha também veio
ajeitou no ninho o ovo
o sol remexeu-se um pouco
desprendeu um raio e outro
só depois o facho inteiro
cococorocóóóóóóóóó
firifiu au au au
quá quá quá
cocoricó cocoricó
*
o sol dormia de borco
roncava igual o vovô
a lua clareava o quintal
o galo desceu do poleiro
bateu asas e cantou
cococorocóóóóóó
acorda sol preguiçoso
o sol piscou só um olho
babava no travesseiro
o galo cantou de novo
cococorocóóóóóóó
despertou os galos todos
chamou também os cachorros
cococorocóóóóóóóó
au au au au au
acorda sol vagaroso
os passarinhos o pato
firifiu firifiu quá quá quá
a galinha também veio
ajeitou no ninho o ovo
o sol remexeu-se um pouco
desprendeu um raio e outro
só depois o facho inteiro
cococorocóóóóóóóóó
firifiu au au au
quá quá quá
cocoricó cocoricó
*
predestinados
líria porto
nas teias nas brenhas nas entranhas
o mistério o destino
a sina
eu não te esperava mais
esculpiste sozinho a tua vida
e cá estamos nós – olhos nos olhos
bebendo do mesmo copo
na mesma esquina
*
nas teias nas brenhas nas entranhas
o mistério o destino
a sina
eu não te esperava mais
esculpiste sozinho a tua vida
e cá estamos nós – olhos nos olhos
bebendo do mesmo copo
na mesma esquina
*
d'amoníaco
líria porto
o mundo autoritário
a vida insubmissa
a missa insuportável
precisas reagir
fazer xixi na fama
dizer a eles –– existo
não sou clandestino
nem otário
:
ao deixares o traço
assumes o risco
*
o mundo autoritário
a vida insubmissa
a missa insuportável
precisas reagir
fazer xixi na fama
dizer a eles –– existo
não sou clandestino
nem otário
:
ao deixares o traço
assumes o risco
*
quatrilho
líria porto
lua de assis e oliveira marte
tornaram-se amantes - muito antes de vênus aparecida
insinuar-se para sol dos santos
*
lua de assis e oliveira marte
tornaram-se amantes - muito antes de vênus aparecida
insinuar-se para sol dos santos
*
quinta-feira, 9 de julho de 2009
miró
líria porto
aquele traçado igual cicatriz
saltava do quadro e ele o sabia
talhava as cores com as dores do cio
do parto do orgasmo do útero
do púbis dos rins
do espírito
azuis amarelos vermelhos
os pretos os verdes os roxos
os peixes os galos os bichos
cavalos cachorros caprichos
nascidos no paço da infância
na forma disforme do líquido
olhos
abrolhos
abrigos
luas
estrelas
esconderijos
*
aquele traçado igual cicatriz
saltava do quadro e ele o sabia
talhava as cores com as dores do cio
do parto do orgasmo do útero
do púbis dos rins
do espírito
azuis amarelos vermelhos
os pretos os verdes os roxos
os peixes os galos os bichos
cavalos cachorros caprichos
nascidos no paço da infância
na forma disforme do líquido
olhos
abrolhos
abrigos
luas
estrelas
esconderijos
*
in_ver_nada
líria porto
esfregávamo-nos
não saía uma chispa
disseste-me
tua frieza nos afasta
e partiste
*
esfregávamo-nos
não saía uma chispa
disseste-me
tua frieza nos afasta
e partiste
*
a_ventura
líria porto
cada qual tem sua crença
cada um faz a sua prece
para alguns céu é firmamento
para outros – descanso eterno
para mim paraíso é aquele momento
em que morro mil vezes em teus braços
e tu ainda me pedes
*
cada qual tem sua crença
cada um faz a sua prece
para alguns céu é firmamento
para outros – descanso eterno
para mim paraíso é aquele momento
em que morro mil vezes em teus braços
e tu ainda me pedes
*
charco
líria porto
perdi minha rima
meu remo meu rumo
então não me peçam
nem versos nem bússola
nem futuro
estou à procura
de algo que valha
uma pétala um orvalho
deparo-me com lágrimas
confusas profusas
desatinadas
*
perdi minha rima
meu remo meu rumo
então não me peçam
nem versos nem bússola
nem futuro
estou à procura
de algo que valha
uma pétala um orvalho
deparo-me com lágrimas
confusas profusas
desatinadas
*
pra que orgulho
líria porto
foice afiada
eis que chega a indesejada
: colheita inglória
)ninguém escapa(
*
foice afiada
eis que chega a indesejada
: colheita inglória
)ninguém escapa(
*
quarta-feira, 8 de julho de 2009
a suplicante
líria porto
a pedra espera paciência não lhe falta
passa um e passa outro a pedra olha-os calada
está quieta faz séculos
de repente a pedra fala
escolhi as tuas mãos
com o teu cinzel me
talha
sopra em mim
a tua alma
:
então a pedra se arrasta
:
então a pedra se arrasta
e sangra a dor de claudel
*
cochicho (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)
líria porto
segredou-me um tico-tico
felicidade tem bico
*
segredou-me um tico-tico
felicidade tem bico
*
premeditação
líria porto
na roda fiava
tecia tristonho
na roca amarrava
pensamento bisonho
se matam formigas
ratos e baratas
quem rói o meu sonho
eu mesmo mato
*
na roda fiava
tecia tristonho
na roca amarrava
pensamento bisonho
se matam formigas
ratos e baratas
quem rói o meu sonho
eu mesmo mato
*
terça-feira, 7 de julho de 2009
meu pretinho
líria porto
desprendeu-se do varal
calçou meias finas
sapatos de salto alto
e dançou com meu amor
qual pé de valsa
*
desprendeu-se do varal
calçou meias finas
sapatos de salto alto
e dançou com meu amor
qual pé de valsa
*
esgrima
líria porto
sou não sou
essa in_certeza
esse paradoxo
protejo-me
sufoco-me
condeno-me
anjo e carrasco
sou o demo?
*
sou não sou
essa in_certeza
esse paradoxo
protejo-me
sufoco-me
condeno-me
anjo e carrasco
sou o demo?
*
sabedoria (im)popular
***
quem pode pode
que não pode
sai de fininho
antes que o transformem
em bode expiatório
***
quem tem boca
vai ao boteco ao restaurante
ao dentista
vai a roma quem tem euros
passagem bagagem
passaporte
***
rico ri à toa
pobre tem cárie
dor de dente
riso amarelo
***
ta_manco
líria porto
qual verso escreverei e com que rima
se mágoa e dor iguais pisam por cima
se o sonho não resiste e a bailarina
quebrou o pé
*
qual verso escreverei e com que rima
se mágoa e dor iguais pisam por cima
se o sonho não resiste e a bailarina
quebrou o pé
*
(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - imprudência
líria porto
o vento passa
nenhuma montanha o contém
vai com a pressa do progresso
vento expresso sem fronteira
movimento inconsequente
*
o vento passa
nenhuma montanha o contém
vai com a pressa do progresso
vento expresso sem fronteira
movimento inconsequente
*
penugem
líria porto
flutuo
plano
desmaio
pouso numa flor
num galho
o vento me leva
o orvalho me pega
a água me carrega
a chuva me amassa
o sol me apruma
tenho corpo d'alma
p
l
u
m
a
*
flutuo
plano
desmaio
pouso numa flor
num galho
o vento me leva
o orvalho me pega
a água me carrega
a chuva me amassa
o sol me apruma
tenho corpo d'alma
p
l
u
m
a
*
são bernardo
líria porto
verso de olho triste
azucrina-me
velha poesia me atrapalha
caquética
: de bengala
*
verso de olho triste
azucrina-me
velha poesia me atrapalha
caquética
: de bengala
*
(peguei o sol no pulo) inquietude
líria porto
os degraus de gelatina
a vida sem corrimãos o pântano
o lamaçal
por tudo quanto é sagrado
canta para eu dormir – espanta
a escuridão
*
os degraus de gelatina
a vida sem corrimãos o pântano
o lamaçal
por tudo quanto é sagrado
canta para eu dormir – espanta
a escuridão
*
receita
líria porto
para o pão caseiro
sal fermento leite
pitada de açúcar
naco de manteiga
farinha de primeira
mãos e coração
a sovarem a massa
até que ela se faça
lisa como a seda
deixá-la crescer
dobrar de tamanho
igual a lua cheia
assá-la em forno brando
quase não demora
ao sentir-se cheiro
põe-se água no fogo
coa-se o café
acaso prefiras
serve pão com vinho
e agradece os deuses
a delicadeza
*
para o pão caseiro
sal fermento leite
pitada de açúcar
naco de manteiga
farinha de primeira
mãos e coração
a sovarem a massa
até que ela se faça
lisa como a seda
deixá-la crescer
dobrar de tamanho
igual a lua cheia
assá-la em forno brando
quase não demora
ao sentir-se cheiro
põe-se água no fogo
coa-se o café
acaso prefiras
serve pão com vinho
e agradece os deuses
a delicadeza
*
transitoriedade
líria porto
a vida
sacola furada
carrega os dias
pra lá e pra cá
a cada dia
pinga um dia
até que um dia
a vida acaba
*
a vida
sacola furada
carrega os dias
pra lá e pra cá
a cada dia
pinga um dia
até que um dia
a vida acaba
*
segunda-feira, 6 de julho de 2009
(publicado no livro olho nu - ed. patuá) eu tinha um amor
líria porto
eu o acordava
dizia-lhe bom dia amor
ai loviú tem café com leite
geleia pão de queijo
requeijão torradas
todo santo dia
preparava-lhe a marmita
arroz feijão carne salada ovo frito
levava-a ao forno
acaso ele chegasse tarde
eu tinha um amor
mas ontem terminamos
por motivo grave
cismei que ele amava
ava gardner
*
eu o acordava
dizia-lhe bom dia amor
ai loviú tem café com leite
geleia pão de queijo
requeijão torradas
todo santo dia
preparava-lhe a marmita
arroz feijão carne salada ovo frito
levava-a ao forno
acaso ele chegasse tarde
eu tinha um amor
mas ontem terminamos
por motivo grave
cismei que ele amava
ava gardner
*
grávido
líria porto
o poeta sente dor
cólica
pressão alta dentro e fora
e só tem alívio
quando o verso eclode
e qual meteoro
irrompe a barreira
do indizível
*
o poeta sente dor
cólica
pressão alta dentro e fora
e só tem alívio
quando o verso eclode
e qual meteoro
irrompe a barreira
do indizível
*
domingo, 5 de julho de 2009
(para o livro sem pecado não tem salvação) do lado esquerdo
líria porto
a dona que dorme
feliz a teu lado
e traz no regaço
o segredo das pérolas
cuidado co’a joia
encosta a janela
o vento é moleque
e pode roubá-la
jogá-la no brejo
(o príncipe coaxa
prefere os insetos)
*
a dona que dorme
feliz a teu lado
e traz no regaço
o segredo das pérolas
cuidado co’a joia
encosta a janela
o vento é moleque
e pode roubá-la
jogá-la no brejo
(o príncipe coaxa
prefere os insetos)
*
vadia
líria porto
nenhuma estrela a aponte
nem a queira condenar
dorme debaixo da ponte
vaga o lume no horizonte
na beirada do aluar-se
*
nenhuma estrela a aponte
nem a queira condenar
dorme debaixo da ponte
vaga o lume no horizonte
na beirada do aluar-se
*
fuzuê
líria porto
passarinho canta agudo
repete-se desesperado
tem medo de ficar cego
tem medo de ficar mudo
tem medo que o sol se apague
que venham granizo e chuva
que a morte chegue
à solapa
*
passarinho canta agudo
repete-se desesperado
tem medo de ficar cego
tem medo de ficar mudo
tem medo que o sol se apague
que venham granizo e chuva
que a morte chegue
à solapa
*
sábado, 4 de julho de 2009
relatividade
líria porto
a esquina
o sinal vermelho
os carros o vento
o bailado das folhas
a moça de cabelos soltos
e sua saia godê
(parada
em movimento)
*
a esquina
o sinal vermelho
os carros o vento
o bailado das folhas
a moça de cabelos soltos
e sua saia godê
(parada
em movimento)
*
imposição
líria porto
morria de medo da morte
resolvi matar a morte
sangrei a morte de morte
um punhal fino e cruento
e a morte não morreu
condenei a morte à forca
e a corda que eu usava
com toda a força que tinha
enrolou-se-me ao pescoço
fui eu que quase morri
ofereci-lhe veneno
um copo cheio de morte
a morte bebeu a morte
e a morte não morreu
brincava a morte com o gelo
(existe a lei do mais forte)
*
morria de medo da morte
resolvi matar a morte
sangrei a morte de morte
um punhal fino e cruento
e a morte não morreu
condenei a morte à forca
e a corda que eu usava
com toda a força que tinha
enrolou-se-me ao pescoço
fui eu que quase morri
ofereci-lhe veneno
um copo cheio de morte
a morte bebeu a morte
e a morte não morreu
brincava a morte com o gelo
(existe a lei do mais forte)
*
ir_racional
líria porto
o toureiro
corpo franzino
leva o touro
corpanzil
de um lado para outro
com um manto
e sangue frio
*
o toureiro
corpo franzino
leva o touro
corpanzil
de um lado para outro
com um manto
e sangue frio
*
alucinado
líria porto
fizera um só poema
e depois igual ourives
aprendiz de joalheiro
começou a dar-lhe brilho
buscar sua forma
beleza
poliu as beiras
fizera um só poema
e depois igual ourives
aprendiz de joalheiro
começou a dar-lhe brilho
buscar sua forma
beleza
poliu as beiras
excessos
sujeitos desnecessários
predicados objetos
adjuntos advérbios
pontuações citações
e o papel branco –– um brinco
virou um floco de neve
então riu
deixou-o ao sol
sujeitos desnecessários
predicados objetos
adjuntos advérbios
pontuações citações
e o papel branco –– um brinco
virou um floco de neve
então riu
deixou-o ao sol
*
sexta-feira, 3 de julho de 2009
tarja preta
líria porto
rejeito antidepressivos ansiolíticos
tranquilizantes
nada é tão triste quanto o olhar deserto
ou um ri(s)o seco
*
rejeito antidepressivos ansiolíticos
tranquilizantes
nada é tão triste quanto o olhar deserto
ou um ri(s)o seco
*
quede a orelha de vincent?
líria porto
a barba ruiva
os velhos sapatos
os campos de trigo os camponeses
os girassóis o céu as estrelas
mil sóis
barcos ao mar
o café o terraço o chapéu
o cachimbo os corvos os ciprestes
o quarto a janela a toalha a navalha
a loucura
) o estampido (
*
a barba ruiva
os velhos sapatos
os campos de trigo os camponeses
os girassóis o céu as estrelas
mil sóis
barcos ao mar
o café o terraço o chapéu
o cachimbo os corvos os ciprestes
o quarto a janela a toalha a navalha
a loucura
) o estampido (
*
madonna
líria porto
nove filhos seguidinhos – um após outro
levam-me a pensar na animação das noites
o pai sanguíneo ardoroso a mãe pálida quieta
submetida a seu gozo
a morder os lábios
pra não fazer barulho
*
nove filhos seguidinhos – um após outro
levam-me a pensar na animação das noites
o pai sanguíneo ardoroso a mãe pálida quieta
submetida a seu gozo
a morder os lábios
pra não fazer barulho
*
quinta-feira, 2 de julho de 2009
primária
líria porto
não tive prazo pra prosa
embora preze o estilo
à promotoria
ao praça à prima
ao professor ao prior
apresento-lhes a rima
apronto tudo no prumo
sem pressa
e no capricho
*
não tive prazo pra prosa
embora preze o estilo
à promotoria
ao praça à prima
ao professor ao prior
apresento-lhes a rima
apronto tudo no prumo
sem pressa
e no capricho
*
roldão
líria porto
enquanto a morte não vem
eu me distraio divirto-me
e ponho a vida girar
na ponta da sapatilha
e faço gato e sapato
desta saudade cachorra
desta tristeza que gruda
na barra da minha roupa
*
enquanto a morte não vem
eu me distraio divirto-me
e ponho a vida girar
na ponta da sapatilha
e faço gato e sapato
desta saudade cachorra
desta tristeza que gruda
na barra da minha roupa
*
fino calibre
líria porto
a rima arretada
sem volta ou floreio
busca a direção
do peito
o verso direto
sem curva ou rebusco
tem a precisão
do furo
(poema
ou tiroteio?)
*
a rima arretada
sem volta ou floreio
busca a direção
do peito
o verso direto
sem curva ou rebusco
tem a precisão
do furo
(poema
ou tiroteio?)
*
insigth
líria porto
cansada de malhar em ferro frio
eu te amo eu te amo eu te amo
num estalo - c'est fini
desa(r)mo-te
*
cansada de malhar em ferro frio
eu te amo eu te amo eu te amo
num estalo - c'est fini
desa(r)mo-te
*
quarta-feira, 1 de julho de 2009
(para o livro sem pecado não tem salvação) difamação
líria porto
despiu-se da alma dos véus e da pele
ficou carne-viva exposta aos abutres
comeram-lhe os olhos os rins as amígdalas
arrancaram-lhe as tripas as unhas o fígado
na hora do útero reagiu –– aqui não
essa é a pátria dos meus filhos
*
despiu-se da alma dos véus e da pele
ficou carne-viva exposta aos abutres
comeram-lhe os olhos os rins as amígdalas
arrancaram-lhe as tripas as unhas o fígado
na hora do útero reagiu –– aqui não
essa é a pátria dos meus filhos
*
pudoroso
líria porto
minha senhor sou malvista
deitei-me em muitas alcovas
a velha pele curtida
em vinho sêmen e almíscar
vai macular vossa colcha
*
minha senhor sou malvista
deitei-me em muitas alcovas
a velha pele curtida
em vinho sêmen e almíscar
vai macular vossa colcha
*
consolação
líria porto
sonhei por nós dois
amei por nós dois
chorei por nós dois
pelos dois eu sofri
agora é a tua vez
sê feliz por nós dois
não tenho forças
*
sonhei por nós dois
amei por nós dois
chorei por nós dois
pelos dois eu sofri
agora é a tua vez
sê feliz por nós dois
não tenho forças
*
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