terça-feira, 30 de junho de 2009

pepitas

líria porto

estas meninas de minas
com elas não tem miséria
tais como broas de milho
goiabada pães de queijo
feitos em fogão de lenha

estas mulheres rendadas
poetas joias mineiras
são feras demais ferozes
defendem a pátria a prole
iguais as onças pintadas
panteras jaguatiricas
não pisem nos calos delas
nem lobos e nem raposas

poetas minas mimosas
perfumosas mais que flor
plantam versos como horta
no coração na aorta
da gente simples
do povo

*

imersão

líria porto

dormi sobre o teu livro
senti todas as folhas me abraçarem
deste-me longos beijos nos capítulos
as vírgulas lamberam-me
pontuaram-me

no sussurrar das tuas reticências
tu me arrepiavas
mordiscavas-me com a tua sutileza
enfiavas-te pelas minhas fendas
e teus versos deslizavam-se em meu corpo
tais quais versos de seda

pressenti tua presença em cada linha
em todas havia o teu perfume
eras tu que passavas as minhas páginas
conhecias-me os detalhes
desvendavas meus segredos
:
com a língua

*

aleitamento

líria porto

o seio túmido a boca faminta
e a cena parece uma nesga
do olimpo

*

folia

líria porto

quem lá no céu esparrama
nuvens depois do almoço
espalha no azul barroco
flocos e flores brancas

tem santo pra todo lado
tem anjo a fazer bagunça
a semear no assoalho
algodão doce
e açúcar

é um deus nos sacuda

*

afronta

líria porto

a pedra enfrenta o mar
olha-o desafiadora

ele vem bate de frente
espatifa-lhe a alma
ela não arreda o pé

não doeu não doeu
ele volta dá-lhe um soco
e a cena se repete

(arde-lhe o corpo
porém rocha não se entrega)

*


segunda-feira, 29 de junho de 2009

respingos

líria porto

e quando a chuva caía
eu ia com a enxurrada
beirava rente a calçada
descia junto da flor
e ria a risada d'água
aquela alegria d'água
brincava que era a flor

mas depois sentia frio
lembrava-me então do rio
da flor que o rio levou
e os meus olhos choviam
:
eu era como a enxurrada
fui ficando poça d'água
que o tempo chorou
chorou

*

contrastes

líria porto

a pedra no fundo do rio
o velho na curva do cio

ela quieta
ele sem sossego

*

domingo, 28 de junho de 2009

convivência

líria porto

queixou-se do muito sal
do excesso de pimenta
disse-lhe – aguenta amor
felicidade carece
tempero

*

desejo

líria porto

abro os braços
voo em linha reta

esse é o caminho
da urgência

*

sem cerimônia

líria porto

cheirou-me lambeu-me
partiu-me em pedaços
comeu o que quis
e o resto deixou
às baratas

(os ratos tiram proveito)

*

sábado, 27 de junho de 2009

choca

líria porto

galinha cercada de meninas
depena quem lhe toque
as pintas

*

rente

líria porto

um cão que me mordesse o calcanhar
o chão que sujasse minha sola do pé
um bicho-de-pé que coçasse
a meia furada
o sapato apertado
um calo no dedo
:
qualquer coisa que não fosse
indiferença

*

sem comparação

líria porto

sou pequenina
das pernas grossas
nasci na roça
vim pra cidade

belas são altas
cambitos finos
elas nos pisam
com pés de alface

*

chapeuzinho

líria porto

não vi os teus pelos
não sei se são crespos
compridos vermelhos
se lisos curtinhos
de piche ou de milho
só quero um chumaço
um cacho
um pentelho
:
sou lobo bom
(de bico)

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - sofreguidão

líria porto

a minha cadela
pequena vadia
comeu os meus versos
cagou poesia

morrer não morreu
ficou aluada
não morde não late
os olhos na estrada

se vê um cãozinho
faz olhos de arrego
se vê um poeta
a_deus meu sossego

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - prenhez

líria porto

esta doida de sentires e de pedras
de nublares de viveres e de luas
de sonhares de tornados de dilúvios

esta insana das noites seculares
dos falares dos silêncios dos transtornos
das tempestades desaguares e de lama

esta louca dos amores impossíveis
das demências dos pulsares dos entornos
das claridades dos escuros e dos vãos

esta mulher como tant(r)as
habita-me

*

poente (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

não é noite ainda
nem dia
nesta hora aflita
ninguém interdita
o ocaso

fica mais um pouco
espera a estrela
ela não demora
hoje é domingo
ou segunda-feira?

(não importa o tempo
não importa a mágoa
esse limiar
é e sempre foi
a gota d'água)

a vida se esvai
esgota-nos apouca-se
salve-se o amor
alvo dos chacais
cria indefesa

*

eterno

líria porto

agora é menos
que um piscar de olhos

) agora é sempre agora
embora já não seja (

*

confiança

líria porto

em teu barco embarco de borco
de lado de costas de cócoras
em cima de um barril de pólvora
na proa na popa no fundo
e se o barco naufragar
afundo junto

*

coitadinha

líria porto

fui ali ouvir a chuva
escutar a sua história
ela fala ela sussurra
ai meu deus a chuva chora
mais parece uma viúva
xale cinza –– rima
pobre

*

sexta-feira, 26 de junho de 2009

arrependimento

líria porto

quem plantou um pé de pranto
bem no canto do meu olho
hoje chora de remorso

*

o fio de ariadne

líria porto

o galo ficou rouco
e por pouco pouco
rasga a madrugada

veio a cotovia
prestar-lhe socorro
fez voz de contralto

viver é desse jeito
quando um não pode
outro força o peito

e ninguém se afobe
nas horas piores
o riso nos salva

*

aos vermes

líria porto

diremos não sem titubeio
ainda assim ela virá

entrará sem permissão
apartará a alma do corpo
e servirá o banquete

*

ardor

líria porto

abro a janela pra sentir-lhe o cheiro
beija-me a boca e sua língua líquida
dá-me arrepios

então fecho os olhos
ela me provoca desce até os seios
ô chuva fogosa

qual mulher
sem freio

*

des_compasso

líria porto

sou redondilha maior
vou sete passos adentro
não sei seguir devagar
não sei correr como o vento

a redondilha menor
minha irmãzinha caçula
tem um jeito singular
de soltar língua e figura

(preciso aprender
dar volta por cima
tropeço no verso
engasgo na rima)

*

crisálida

líria porto

mãe de quatro larvas
tecia sua trova
tinha lindas rimas
cuidava da prole

veio a poesia
deu-lhe nova ordem
: toma um par de asas
faz teu voo solo

ela obedeceu
tornou-se aplicada
todo dia escreve
sobre tudo e nada

*

quinta-feira, 25 de junho de 2009

pretensão

líria porto

quando nascerem os livros
filhos eu já plantei
escrevi algumas árvores
dir-me-ei posso partir
então morrerei feliz
levando numa valise
para enterrar comigo
o apito do trem

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) menopausa

líria porto

andou muitas léguas ao longo do cio
as águas corriam lépidas paralelas

o corpo que tinha as curvas tão certas
perdeu-se das regras por estes caminhos

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) velho

líria porto

as névoas senis
as manchas na pele
são ilhas dispersas
gravadas em papiro
em mapas antigos
onde o tempo se perde

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) a_teu sofrimento

líria porto

dói-me a tua dor
e nada posso
a não ser
ficar do teu lado
segurar a tua mão
rezar rezar e rezar
sem crer
           na onipotência

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) curupira

líria porto

um jeito estranho de inverter caminhos
faz-me a pensar do avesso

não sou destro pra viver e essa forma canhota
reverte a minha rota

embora me queira
                             nunca me achei

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - biografia

líria porto

na guerra foi concebida
ficou-lhe esta ferida
rasgo no espírito

quando chegou outubro
envolta num manto rubro
quis se exibir

à meia-noite e meia
na hora da lua cheia
rompeu o escuro

assim nasceu uma bruxa
alma cor de puxa-puxa
nome de flor-de-lis

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) ite missa est

líria porto

a missa é omissa
exclui a massa do ofício
amassa a raça com os pés
o vinho bento do cálice
é privilégio sagrado
do santo senhor vigário

nossa sina é o sacrifício
o pobre cristo sou eu
fui condenado sem culpa
a carregar a pobreza
a transportar a miséria
debaixo da pele preta

*

ninho de guaxe

líria porto

muita vez eu fico grávida
gravidez imaginária
e gesto versos

as minhas letras meninas
desajeitadas traquinas
são descabelos

se para muito não servem
já por isso me completam
é bonito ser poeta

nas horas de algum juízo
eu juro para mim mesma
agora chega de rimas

escrever no entanto é vício
eu vivo prenhe do ofício

*

hipócrita (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

horrível é camuflar o ruim
é dar brilho de verniz em pau cheio
de cupim

*

lê - asa de passarinho - cascata

líria porto

debaixo da bica
uma tina

dentro da tina
um menino

na cara do menino
o riso

no riso do menino
o rio cristalino

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - carnavalesca

líria porto

lá vem dona aurora
vestida de rosa
a boca pintada
enormes quadris
e eu na janela
com olhos de ontem
à espera
da aleg(o)ria

*

caos

líria porto

eu moro em mim
mas ô casa bagunçada

*

não me vês?

líria porto

onde se faça a panela
há uma espécie de casta
quem está dentro se basta
sapos de fora não entram

não se inovam as ideias
os métodos os pensamentos
permanece tudo estático
hermético bolorento

(sou invisível igual ar
um outro tipo de gente
coaxo por todo o brejo
sem precisar d'água benta)

*

versinhos

líria porto

eu amo escrever
um verso uma quadra
um navio uma esquadra
um mar cheio de peixes

eu amo escrever
uma carta uma linha
um bilhete uma andorinha
um lenço verde

*

broca

líria porto

quando uma dor aparece
todas as células
passam a olhar para ela
e o corpo só existe
naquele ponto
f
i
x
o

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) verídico

líria porto

foi comprar açúcar
levou mais de vinte anos
um dia voltou
pôs o pacote sobre a mesa
sentou-se
acendeu o cigarro
e perguntou – o café
vai demorar?

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) sujeição

líria porto

lá vai o trem igual cobra
carrega pobres no lombo

lavai a roupa senhora
essa fuligem é de ontem

a vida passa e os pobres
sentem a dureza do jugo

sem ouro prata ou vitórias
o que lhes sobra

ferrugem

*

compatibilidades

líria porto

falo de flor
olho no olho
boca a boca

falo de pernas
pele orgasmo
desejo

falo de antúrio
pistilo haste
vermelho

falo de ti
de mim
de nosotros

*

quarta-feira, 24 de junho de 2009

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - preciso escrever nas paredes

líria porto

o silêncio das paredes me amedronta
sinto-me tonta ao passar no corredor

invento ronco barulhinho faz de conta
aperto os passos e o retorno é bem pior

as suas malhas me agarram e me amedrontam
e me engolem e não vejo a luz do sol

*


líria porto

ando tipo assim
um tanto meio sem saber
vou volto fico prossigo
depende
nem tudo é tão maneiro

*



campo-santo

líria porto

nas franjas do horizonte
além das montanhas e dos morros
a sete palmos do chão
o último sono

lá longe
na cidade dos pés juntos

*

função

líria porto

o galo fura a madrugada com agudos
e enquanto o sol não vaza
fico na cama

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - encontro

líria porto

quintana e drummond
estavam lá na rua
quando a lua veio

então carlos falou
que bacana  senta-te aqui
no colo de quintana

e a lua se sentou

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - lancinante

líria porto

há dores macabras sobre meus costados
esmagam-me as vértebras com um pé de cabra
amargo desse mundo todos os pesares
levo na corcunda o embornal dos males
a lua é testemunha do meu calvário

*

terça-feira, 23 de junho de 2009

alienação

líria porto

sonhou que era uma diva
vestia paco rabanne

o mundo ia à deriva
terrível a guerra no iraque

o sofrimento na mira
na moda homens de araque

um desperdício de vida
e as mortes –– desnecessárias

*

niña

líria porto

é tudo tão novo
até o meu choro
eu deito no berço

depois o embalo
finjo que o esqueço

*

naquele tempo

líria porto

usávamos purpurina
e tudo era bonito

hoje nem o ouro
vale as penas

*

intramuros

líria porto

um de deveres
um de direitos

o diabo da cruz
a cruz do diabo

um tanto faz
um quanto fez

(vítima e herói
fujo deles)

*

segunda-feira, 22 de junho de 2009

dor

líria porto 

escrevo num soco 
única palavra 
tem ela três letras
depois da pancada 

esse gemido 
não faz um poema 
é ele o grunhido 
da minha pena 

*

pesadelo

líria porto

ao volante de um bólido preto
atropelo a criança que empurra
um carrinho de supermercado

cebolas queijo tomates
misturam-se à massa que é minha
a menina que virou lasanha

*

pontuado e sem respostas (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

ouve-se o canto da cigarra
aonde vai levá-la esta canção?

o sol arde implacável
o que é para o sol uma cigarra?

a folha cai é só uma folha
o que é uma folha?

quem somos nós
cara-pálida?

*

em prosa e verso

líria porto

chorar posso
não devo

lágrimas (en)cantadas
mais que tristezas
serenam

*

bruxinha

líria porto

deixo-te o caldeirão
o corvo o gato a vassoura
as receitas de poção
(usufruto meu)
e a palavra
abracadabra

nada mais há de valor
que a vovó te possa dar

(pobre como joia)

*

domingo, 21 de junho de 2009

(publicado no livro garimpo - editora lê) - casta

líria porto

flor amarela não tem opção
não tem sangue nas pétalas

e ser branca não é cor
é condição

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) elas

líria porto

a vida é a puta
que em mim se esfrega
e espera que eu resista
às suas curvas

a vida é a santa
que me recusa
e assim me arrasta
para suas pernas

a morte é mulher
sem intenções escusas

*

insuportável

líria porto

quando fico triste
faço sopa de cebolas
(esse é um bom disfarce)

derramo fartos soluços
e as cebolas (a)batidas
cozidas em tanto pranto
(quer dizer em fogo brando)
deveras ficam amuadas

(acho sopa de cebolas
um sofrimento intragável)

*

manha (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

nas brenhas da montanha
existe um canto para ouvir-se os cantos
da manhã

*

sábado, 20 de junho de 2009

prognóstico

líria porto

um cataclismo
uma hecatombe

aquele trombo
dentro da veia
é uma bomba

pavio aceso
ninguém se importa

a displicência
num caso desses
é a causa mortis

*

(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - vento em popa

líria porto

o mar se encrespa
desbalanceia
todas as ondas

mesmo acordada
relembro as águas
do mar dos sonhos

vem numa concha
molha meu olho
depois se esconde

pudesse iria
viver no mar
sereia ou ilha

e levaria
a minha serra
no tombadilho

*

sexta-feira, 19 de junho de 2009

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - complexo

líria porto

rente inadequado a pisar em ovos
sem saber ao certo as motivações
a buscar nas sombras o anonimato
a querer no mato um esconderijo
um poço um buraco um lugar escuro
sem sol e sem lua
para inexistir

*

sem eira nem beira

líria porto

eu taquei fogo no mar
pus ferver a aguaceira
pra fazer nuvem suar
trovejar na pirambeira

*

quebra-ossos

líria porto

o corredor quem faz conta
de quase todos os passos
remonta nosso inventário

(ano após ano)

já nos viu de todo jeito
sonhadores esperançosos
tristonhos ou solitários

(ida e volta)

*

descanso

líria porto

se tu tristeza levasses um tiro
sangravas teu choro ou gemias
num riso?

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) intocável

líria porto

fiz da pele uma couraça
um escudo uma armadura
um casco de tartaruga

agora ninguém me pega
se pegar não me belisca
se beliscar eu nem sinto

*

quinta-feira, 18 de junho de 2009

artesanal

líria porto

fazer o barro arear a forma
moldar a massa retirar o excesso
levar os tijolos ao forno

a alma do oleiro
fixá-la com reboco

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) les misérables

líria porto

em noites turvas ou frias
pobres corpos se procuram
sob viadutos e marquises

nos redutos dos ratos e das aranhas
os filhos do infortúnio

*

candidato

líria porto

vai passando seu gerúndio
atrás uns gatos pingados
imitando-o aplaudindo-o
ele se achando lindo
segue rindo acenando
prometendo mundo
e fungo
:
vou lular no infinitivo

*

fritura

líria porto

a moçada
na discoteca da moda
rebola mais que minhoca
em cima da pedra

(((((( inveja
: tudo que não mata
engorda ))))))

*

quarta-feira, 17 de junho de 2009

raça

líria porto

nu meu canto tem batuque
tem batida atabaque

nu meu canto tem tambor
tem chicote dor ferida

nu meu canto tem saudade
tem suor senzala

raça

*

assembleia

líria porto

maior burburinho
será estão onde
só ouço os trinados
futricas apartes
parece discutem
à porta dos ninhos
assunto de asas
de casa
de condomínio

*

terça-feira, 16 de junho de 2009

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) clandestino

líria porto

nosso amor é grupal
e quem triscar um só dedo
em qualquer um dos pentelhos
terá de se haver com o resto

*

patética

líria porto

entre versos e conversas
pressas inconvenientes
passo a passo sem certezas
atravesso meus avessos
a desfazer-me das rédeas
dos freios que eu mesma teço

*

filha única

líria porto

é aquela ilha
cercada pela família

*

torquês

líria porto

maldito cujo
maldigo o sujo
aquele traste
desfaçatez

tomara caia
tomara encalhe
tomara encolha
o tal freguês

atrás da porta
existe um sapo
a boca torta
fel palidez

ninguém mais fode
a minha pátria
nenhum diabo
nenhum burguês

sou azinhavre
peste sarnenta
solto os cachorros
com avidez

*

boca de forno

líria porto

quem disser que beijo é doce
desminto

tem pimenta e tem volúpia

*

copacabana

líria porto

um requebro um meneio
um balanço de quadris

esta calçada morena
tem curvaturas de miss

*

delicadeza

líria porto

a nuvem rosada
que aurora me trouxe
(pela madrugada)
era algodão doce

*

segunda-feira, 15 de junho de 2009

marilua

líria porto

narizinho de batata
boquinha de coração
olhinhos de vira-lata
cabecinha de pardal
menininha mais bonita
cheirosa fenomenal
não tem em luar nenhum

(nem aí
nem na china)

*

tpm

líria porto

disse a ele  sou de lua
dilua sua tristeza
em minha fase crescente
na minguante eu menstruo
faço da menores coisas
um estuário de queixas

*

domingo, 14 de junho de 2009

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) para embalar tristezas

líria porto

os olhos daquela moura
parecem jabuticabas
vontade sentir seu gosto
vontade beber suas lágrimas

o macio dos meus braços
sabe o balouço das ondas
se a moura quiser dormir
até que o faça
                      balanço-a

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - insônia

líria porto

a boca escancarada da noite
os urros do silêncio
as teclas mudas

não tilintam os cristais
não estilhaçam a vidraça
amantes não sussurram
não há sinos de igreja
o mundo acabou
o relógio dorme
o tempo não passa

onde estão os latidos
os galos os gritos
os olhos do sol?

na cama
o corpo exausto
o vazio da tua ausência
e os mil anos dessa noite
que nos engole
que nos vomita

*

parceria

líria porto

sapatos carregam
penas e dores
e até dissabores
mas andam em par

vontade eu tinha
de ser um sapato
velhinho que fosse
serias o outro
a partilhar-me os passos
os saltos percalços
a entender-me as carências
armadilhas
temores

*

titikus

líria porto

o gato da odete foi para o céu
ontem vi aqueles olhos verdes
diziam-me – aqui é bom
estou bem
a lua é cheia de leite
avisa para odete

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - desencontro

líria porto

entra sem bater a casa é tua
deita em minha cama e dorme
esquece das agruras

não demoro fui secar os olhos
vez em quando choro
somos sol e lua

*

andar_ilha

líria porto

nas ondas dos seus cabelos
surfavam tantos piolhos
tínhamos nojo – não dela
daqueles insetos sujos
pedíamos para tirá-los
ela dizia jamais
eu sou sozinha demais
e gosto da companhia

*

publicado

líria porto

livro de poesia
: borboleta desfolhada
pétala por pétala

*

sábado, 13 de junho de 2009

conjugados

líria porto

já nos confundimos um no outro
não sei onde começo onde terminas
só vislumbro um ponto

eu fui
nós somos

*

monoico (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

deus é menina
tem cachos eu acho
talvez seja negra
não a vi de frente
senti pelo cheiro
de flores queimadas
incenso e fumaça
que veio com o vento

foi tal o deleite
na manhã de sol
que pensei
tão bonita
e assim
perfumada
só deus

*

conflitos

líria porto

ouço a menina de dentro dizer à velha senhora
azar se dói o teu corpo –– comigo trago mil sonhos
de ti não me vou embora

*

(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - andarilhos

liria porto

parecem estrelas
são pingos de chuva
em folhas d'inhame

chuviscos de lua
no verde veludo
de tantras

andanças

*

fome

líria porto

ao redor da mesa
uma dúzia de olhos enormes
e as barrigas que roncam

*

hoje tem goiabada

líria porto

eu nasci palhaço
em pobre palhoça
sou gente da roça
distante do mar

*

sexta-feira, 12 de junho de 2009

escape

líria porto

prosa fiada tecida
tramada entre amigos
ao som dos risos e das piadas
de desopilar o fígado

*

incisivo

líria porto

quem sei de mim
nem eu dentro
desse salário mirrado
como se fora um retalho
rasgado todos os meses
desde o furo do sapato
até a falha do dente

*

descansa no (a)mar

líria porto

a vida não para
procura caminhos
da nascente
à foz

encurva transborda
escorre em planaltos
planícies lajedos
d
e
s
p
e
n
h
a
d
e
i
r
o
s

: d e s á g u a

*

quinta-feira, 11 de junho de 2009

acareação

líria porto

como fosse uma pincelada curva
a cicatriz aponta o meu lado túrbido

não é feia nem assusta mas avisa
és de carne e osso

*

embolada

líria porto

senhorio tem madame
mas de vez em quando
dorme co'a mucama

adverte-a
não te prendas minha prenda
ela dá de ombros

divertem-se

*

perplexidade

líria porto

o mundo
é uma bola quadrada
que gira parada
fincada no espanto

*

do oiapoque ao chuí

líria porto

eu te quis desde o começo
o jeito o cheiro as promessas

depois eu te quis o meio
o amor o peito entre as pernas

por fim eu te quero inteiro
e sem reservas

*

(para o livro sem pecado não tem salvação) temos asas viradas pra dentro

líria porto

ninguém é só bom ou ruim
pensem o que pensem assim somos
mistos de anjo e demônio

*

devagarinho

líria porto

senhorinha quase um século
vai de salto bolsa sombrinha
debaixo da chuva fina

parece que adivinha
tem um anjo a esperá-la
na outra banda da esquina

*

poema

líria porto

em hora extrema
qual teorema
sem solução

*

em plena seca

líria porto

nos olhos da princesa
dois rios caudalosos

queria-lhe um peito
que jorrasse mel

*

contrarregras

líria porto

tremo viver sem trema
comer linguiça já não tem o mesmo gostinho
vou demorar a urdir ideias
a dormir tranquila

(arrepiam-se-me os pelos
pelo de medo)

sem tirar nem pôr
acho uma feiura
voo sem acento
sinto enjoo

(morderam-nos a língua
e cuspiram em cima)

*

nada além

líria porto

quando eu morrer
enterrem comigo
o retrato das filhas
um punhado de terra
o mapa de minas
e o apito do trem

*

leitura

líria porto

crianças (in)quietas em fila na estante
os livros quando abertos tornam-nos radiantes
exalam prosa / verso cantam universos
tragédias romances

transformam-nos - os viajantes
em seres alados etéreos
eternos

*

quarta-feira, 10 de junho de 2009

fraqueza

líria porto

vestiu-se de triste
bebeu outro uísque
chorou um momento
abriu a ferida
molhou sua pena
e com letra anêmica
rabiscou um poema
raquítico

*

árvore do cerrado

líria porto

araguari –– ventania –– nasci já faz tempo
o vento ainda e hoje me segue
conversa comigo espalha meus medos
alerta os perigos espanta meus versos

lá tudo é tão plano a gente se aterra
e quando mudamos o vento se apega
agarra-se à alma impregna-se à pele
até de repente levar-nos à febre

então retornamos
e ali nos enterram

*

águas passadas removem moinhos

líria porto

nus domingos –– cine rex
a poltrona do meu lado
eu deixava reservada
para o príncipe encantado

(foram tantos e todos eles
caíram do cavalo)

*

tal e qual um pirilampo

líria porto

só um pouco quase nada
muito de vez em quando
luz acendo luz apago
fico alegre fico triste

tenho bico tenho asas
é jeito meu de quebranto
voar raso das beiradas
até o canto do espanto

(meus amores foram embora
lá é que são felizes)

*

terça-feira, 9 de junho de 2009

desespero

líria porto

meu bem minha flor rosinha meu anjo
conheço de longe teu cheiro teu choro
o tempo esse potro ele corre galopa
sonhei como sonhas nos braços de ontem

florinha não chores mamãe volta logo
papai prometeu não demora ele vem
não chores florinha não chores eu te imploro
vovó ficou velha  não tem paciência

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - diagnóstico

líria porto

a lua chorosa
deitou numa nuvem
o canto dos olhos

chamei o doutor
ele foi categórico
:
é falta de sol

*

segunda-feira, 8 de junho de 2009

de sabores

líria porto

sol amargo
tocaiado atrás da nuvem
só pra ver como te sais
logo tu - torrão de açúcar

(e eu assim
tão azedo)

*

suicida

líria porto

cimentei bombas nos olhos
pus granadas no umbigo
soquei pólvora em cada poro
bebi chumbo derretido
ateei fogo no invólucro
acorrentado a explosivos
depois convoquei a morte
para dormir comigo

ela me disse –– és um forte
se queres uma consorte
convida a vida

*

ciumenta

líria porto

peço à lua
: segue meu amor vigia-lhe os olhares
espia se as moças lhe são interessantes

peço ao vento
: sopra por favor nuvem ou areia
nos seus olhos banzos

*

domingo, 7 de junho de 2009

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) contraponto

líria porto

nem todo buraco é vão
os do queijo têm gosto
e as covinhas do teu rosto
são uma delícia

(vão é o teu desprezo
a sangrar-me o coração
a enterrar em vala funda
meus sonhos vãos
meus desejos)

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - amor ao primeiro eclipse

líria porto

entre mim e o sol
postou-se um óvni
piscou o farol

pensei comigo
não tenho íntimos
no paraíso

desceu um verde
beijou-me a boca
falou julieta

tremi-me inteira
mordi-lhe a orelha
gemi r-o-m-e-u

) e desvesti-me (

*

o sol me disse

líria porto

: a lua é mãe de família
(disse-me - mas eu não cri)

) enquanto o sol dorme
a lua vagabunda (

*

balouço

líria porto

convidei a lua
baluarte do amor e da poesia
para amadrinhar maria luiza

ela aceitou sem restrição
e sugeriu - convidássemos o mar
para padrinho

*

sábado, 6 de junho de 2009

nós

líria porto

amassa a vida na cama
recebe troco de macho

eu dei vendi emprestei
paguei com juros
e correção

eu sou puta
ela é madame

*

sexta-feira, 5 de junho de 2009

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - equívocos

líria porto

eu pensava que a lua fosse queijo
e que era o amor doce deleite

ora a lua não passa de satélite
e ao final triste amor
farelo

*

sem falsa moléstia

líria porto

sou o máximo
e a nota que me dou é dez

perfeita?
não

defeitos?
imensos

aceito-me como estou neste momento
) do melhor jeito que posso (

*

fiapo

líria porto

um amor cheio de nós
esgarçou-se por inteiro
e depois se emaranhou
desfiou embaraçado
era amor só por um fio
desconfio amo(r)finado
sem trilho sem brilho
sem nós
a sós
d
e
s
a
m
o
r

*

presente

líria porto

atrás da porta de casa
tem um sininho de bronze
quando entro ou bate o vento
ali por volta das onze
traz meu pai
para o almoço

*

boca seca (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

se o vento te falar das suas coisas
do quanto nesse mundo ele já viu

saberás que na vida em algum momento
um copo d'água é maior do que um rio

*

quinta-feira, 4 de junho de 2009

dona joaquina

líria porto

penúltima flor do lar inculta e inepta
por uma panela foste ao extermínio
puseste feijão no fogo o gás vazava
tudo subiu pros ares –– tu inclusive

*

dos príncipes e dos mendigos

líria porto

entre dois montes a gruta
: dela sai o fedor o cheiro forte
do que lhes entra pela boca

) salmão ou sardinha (

*

(publicado no livro garimpo - editora lê) - desencanto

líria porto

não sou a rara flor que me disseste
sou flor do campo

não te espetei os dedos
não me pendurei em tua lapela
e secar-me à luz de vela
isso não

florescer é meu destino
vou sobreviver

*

camaleões (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto 

enquanto havia pranto 
os olhos da criança 
pareciam verdes 

 hoje ela não chora 
e os olhos d'agora 
são barro seco 

*

lágrima

líria porto

a tristeza –– chaga aberta
tem sangue transparente

quando a dor extrapola
a alma vaza pelos olhos

*

guerras

líria porto

por todos os caminhos e para sempre
haverá na terra rastros do homem
da sua passagem pelo planeta

) mesmo depois de destruir-lhe as riquezas
e dizimar a (im)própria espécie (

*

quarta-feira, 3 de junho de 2009

maria

líria porto

governar a própria vida
isso sim é o que pretende

nem pai irmão ou marido
sabe dentro o que ela sente

seus anseios fantasias
suas manias de flor

perfumes cheiros
essências

desejos roucos
perfídias

*

terça-feira, 2 de junho de 2009

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) guilhotina

líria porto

rareou os beijos
arredou o corpo

e pé ante pé
sem dizer paulada

foice

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) orfandade

líria porto

as lágrimas secaram
chorei sal
perder-te foi um mal irreparável
tal como se o mar se evaporasse
e eu tivesse que remar
tocar o barco

*

palhaço

líria porto

poesia não é tristeza
ela rima com alegria
com a água na bacia
que a mim serve
de espelho

ali alah
olha a lua de molho
no olho do louco

*

reciclagem

líria porto

uma flor se manifesta
reclama protesta geme
é que o vento – esse moleque
arrancou-lhe duas pétalas

ele se justifica
vai mandá-las pra lagarta
ela vai ficar bonita
viajar pra buenos aires

*

pisca-pisca

líria porto

depois da monta
adão se desmanchava
e eva via estrelas

*

segunda-feira, 1 de junho de 2009

deslua

líria porto

a fila não anda
a fome não passa
o pão é dormido
e não tem café

*

caveira

líria porto

osso argila gesso 
pouco importa - é cavernosa 
a máscara da morte 

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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