dei de matutar
entregue a milhões de grilos
de falar com meus mamilos
que o centro da barriga
é o poço da vaidade
frequentado por lombrigas
e por egos incapazes
a tristeza que perdura
ela mina nossas crenças
reduz-nos a temperatura
transforma-nos em molambos
(mortos-vivos)
atirados para os cantos
sem presente
sem futuro
minha mãe
filha de árabe
submissa ao marido
(um português das arábias)
um dia teve alzheimer
não obedeceu mais ninguém
nem doutor
nem enfermeira
e até falou palavrões
quando meu pai morreu mamãe ficou apática quando minha irmã morreu (sua filha caçula) mamãe se esqueceu de tudo (até de quem era) e mergulhou na própria finitude
nem pobre nem rica
mulher branca –– classe média
dependente do marido
tratada como titica
a oprimir negros e índios
e assimilar as maldades
das quais ela própria
é vítima
mataram dona marida
depois enjaularam o urso
(nossa aurora boreal)
numa cela solitária
(espécie de sepultura)
no polo norte
onde qualquer convívio
é quase impossível
e a noite dura
uma vida