terça-feira, 30 de junho de 2015

reavaliações

líria porto

tem hora que a vida não dá nem recebe
tem hora que a vida se fecha
para balanço

*

complementos

líria porto

a regarem a nossa sede
suprirem os vãos do corpo
o amor e o sexo

*

pesadelo

líria porto

sonho mau
tão real tão pavoroso
acordados ainda vemos
e sentimos sobre nós
as paredes derrubadas
pelos monstros

*

segunda-feira, 29 de junho de 2015

tablado

líria porto

corpo é o palco
onde a alma se apresenta

(mais dia menos dia
cerram-se as cortinas)

*

ímpeto

líria porto

esse homem tem um visgo
tem um imã – nem sei quê
quando a gente se aproxima
eu me jogo nos seus braços
mesmo que não queira
que abomine
mulheres oferecidas

*

domingo, 28 de junho de 2015

medi.dor

líria porto

aconselhou-me um poeta
meça bem suas palavras
desde então é o que tento
com minhas medidas rasas
às vezes sem cabimento

*

horta

líria porto

já fui borboleta
cheirei muita flor
que vida anêmica
:
agora virei lagarta
como couves

*

fogos de artifício

líria porto

depois de cada estrondo
muitos ao mesmo tempo
surgiam uns cometas
as luzes explodiam
choviam iguais cascatas
de gotas coloridas
azuis vermelhas
prata

(havia ouro dentro)

*

sábado, 27 de junho de 2015

temporal

líria porto

dentro de cada cabeça
tem uma massa cinzenta
e é vário o tom do cinza
que ameaça o sistema

*

o escambau

líria porto

as coisas são como são
misto de bem e de mal
e ninguém é santo

*

sexta-feira, 26 de junho de 2015

o portuga

líria porto

a foto do avô na sala
seus olhos fixos em mim
girava nas solas dos pés
tentava surpreendê-lo
achava-o outra vez atento
nem morto o avô dormia

*

quinta-feira, 25 de junho de 2015

reencontro

líria porto

nenhum de nós sabe
quem parte primeiro
então meu amor
qualquer um que for
fica à espera do outro
na porta do céu
ou do inferno

(afinal dá na mesma)

*

compensação

líria porto

para tanta lonjura
muita jura muito amor
vez por outra uma visita
abraçar pela cintura
fixar olho no olho

*

aprendizado

líria porto

ensinam-nos a relembrar
na arte de esquecer precisamos ser
autodidatas

*

necessidade

líria porto

detrás das lentes
olhos de pouco alcance

ninguém usa tal cangalha
sem precisão

*

minha sombra

líria porto

faço parelha com ela
boto a cangalha em seu dorso
seguimos nós dois às cegas
e juntos rodamos mundo
dos penhascos aos abismos
nas brumas do faz de conta

*

segunda-feira, 22 de junho de 2015

o carro de bois

líria porto

dois a dois
emparelhados
puxam carga
a roda range
êeeeh
a dureza range

*

ladrãozinho

líria porto

aqui ali acolá
o vento surrupia
terra areia pó
pétalas de flor
papéis sobre a mesa
punhados de folha

(rouba
e fica impune)

*

inteligência

líria porto

a natureza é espontânea
os ventos os rios o mar
as florestas as montanhas
os bichos

para o bem e para o mal
ou para tentar reverter
o que ela própria arruína
só uma espécie interfere
:
a nossa

*

domingo, 21 de junho de 2015

mascarados

líria porto

nós na madeira – teu nariz meu olho
caras de pau com cupim
e verniz

*

in-ver-nada

líria porto

o silêncio nos diz tudo
muito mais que as palavras
sem conteúdo

(tu não falas
eu no canto
ponho a viola
no saco)

é tempo de hibernação

*

sábado, 20 de junho de 2015

vocábulos

líria porto

palavras são seres vivos
que já nascem sabendo
seu próprio sentido

(nós é que as confundimos)

*

sentinela

líria porto

como a pedra
visível e impenetrável
ninguém sabe seu nome
como vive
se está triste ou alegre

será que pisca
tem coceira
solta pum?

*

o livro

líria porto

entre todas as vantagens
escrever pode ser fuga
viver a aventura dos outros
que perambulam nas páginas
da nossa própria vida

*

septuagenários

líria porto

para a frente
é lucro

o tempo se nos oferece
o presente –– dia a dia
passo a passo
:
mas porém

*

pitacos

líria porto

veio meter o bedelho
imiscuir-se
impor-me sua cartilha
passei o ferrolho na porta
não lho permiti
:
chama-me autoritário
quem quer mandar em mim

*

estranho

líria porto

carrega filhotes na bolsa
e não é canguru

não é pato
mas bota ovo
e tem bico chato

que mamífero mais esquisito
o ornitorrinco

*

quinta-feira, 18 de junho de 2015

a vida balança

líria porto

bebe água morna
rejeita guloseimas
trata das carências
doutra forma

(questão de peso
regime de guerra)

*

quarta-feira, 17 de junho de 2015

susto

líria porto

a pupila se dilata
o sangue some das veias
as mãos gelam
tremem as pernas
o grito fica na goela
o medo é um pesadelo

*

terça-feira, 16 de junho de 2015

no aniversário

líria porto

nem bolo nem vela
só um tanto de desgosto
recusava-se a ficar velha
e o tempo não perdoa

*

umidades

líria porto

nas tardes densas de muita nuvem
o céu despenca como as viúvas
e as samambaias

nascem as avencas

*

segunda-feira, 15 de junho de 2015

espirros

líria porto

borboletas abelhas
passarinhos
sou alérgica a grãos de pólen
socorro
corro perigo

*

curupira (1)

líria porto

estendo os braços
caminho para ti
e me distancio

*

seu altamiro

líria porto

calo grosso pele áspera
as unhas cheias de esterco
só largava da enxada
depois que o sol se punha

morreu antes da colheita

*

instrumental

líria porto

mais que a palavra
a música que fala por si
sol

*

domingo, 14 de junho de 2015

a louca

líria porto

dia e noite
madalena vestida de noiva
o branco encardido da roupa
o borrão do batom e da sombra
o olhar perdido nos homens
o corpo abusado por tantos
a zombaria de todos

madalena –– o fantasma
do amor

*

sábado, 13 de junho de 2015

das maçãs

líria porto

parti a vida em rodelas
as primeiras - as mais doces
fatias da meninice

mastigo-as uma por uma
mesmo as duras - saboreio-as
cuspo algumas

são poucas as que me restam
estas reparto com os netos
a maria o francisco

*

quinta-feira, 11 de junho de 2015

espeto

líria porto

tem sido uma seda
lisa macia
mas tal como a rosa
(e felizmente)
ela tem espinhos

*

ao namorado

líria porto

de ponta cabeça
o meu santo antônio

andas mais por fora
que anéis de saturno

tenho uma verruga
de apontar estrelas

e a noite é curta
para tanto sonho

*

soldadinho

líria porto

tira tua farda
guarda tua arma
que a minha cama
é território livre

*

quarta-feira, 10 de junho de 2015

cabeça de vento

líria porto

o que é importante eu esqueço
o que tem rei na barriga

*

preparação

líria porto

espero pelo melhor
se o pior vier – azar – vai me encontrar
desgrenhada

*

vaidade

líria porto

flor sem miolo
só pensava em ser bonita
em mudar a cor das pétalas
em trocar perfume
adorno
no começo me agradava
mas depois me dava enjoo

*

terça-feira, 9 de junho de 2015

suspeito

líria porto

aquele
cujas evidências
ninguém tem a prova
porém tudo indica
ele é preto
e pobre

(bode expiatório)

*

reticências

líria porto

as palavras são parceiras
companheiras aliadas
até certo ponto
e vírgula

*

perseguição

líria porto

escapei de vírus tiros
bactérias inimigos
vícios guerras
precipícios
não consigo - no entanto - livrar-me
da minha sombra

*

(peguei o sol no pulo) lésbica

líria porto

poesia me procura
fecho os olhos –– abro
as pernas

*

realidade

líria porto

em tempos bicudos
passarim troca de penas
mas não canta

*

pangarés

líria porto

pelo andar da carruagem
um reino em decadência

*

meus oito anos

líria porto

mamãe mamãe
o presidente getúlio
nosso vizinho da esquina
matou-se com um tiro
:
o presidente é o vargas
nosso vizinho é de castro
e continua vivo

(que mancada
contara pra deus e o mundo
que o presidente getúlio
frequentava nossa casa)

*

segunda-feira, 8 de junho de 2015

a esperança é um vírus ou uma bactéria?

quem cala concentra

tem algo de podre no reino dos puritanos

o amor cutuca-nos até nos ferir

terremoto - é um deus nos sacuda

ou rio da morte ou ela me inunda

um jeito de tentar exorcizar nossos medos é escrever sobre eles - com a mão trêmula

acerto prévio

líria porto

na minha hora
pago-lhe o óbulo da passagem
caronte me transporta em sua barca
leva-me à terra dos pés juntos

*

des_espero

líria porto

minh'alma na beira do cais
no aguardo do nunca
jamais

*

domingo, 7 de junho de 2015

susto

líria porto

calquei os freios
não por coragem ou prudência
por medo

a correria dá-me nos nervos
sou capaz de ficar
catatônica

*

da carne

líria porto

o boi pode ser vaca
bife não tem sexo
:
bem passado
não menstrua

*

sábado, 6 de junho de 2015

xará

líria porto

um santo com nosso nome
precisa ser festejado
meu pai fazia questão
são joão no alto mastro

bandeirolas e foguetes
doces salgados canjica
quentão com pinga e gengibre
farofa de carne seca

os parentes os vizinhos
os amigos mais chegados
e em volta da fogueira
com que eu vou me casar?
:
alegria sem tamanho
até quando o sol raiasse

*

sexta-feira, 5 de junho de 2015

incansável

líria porto

semeio-as rego
afofo a terra
capino adubo
espero espero
e as pedras que planto
não brotam

*

fundamentalismo

líria porto

por amor se morre
por amor se mata
por amor e ódio

*

o dicionário

líria porto

todas as palavras dentro de um livro
o significado – todos os sentidos
da minha língua

*

quinta-feira, 4 de junho de 2015

conto de phodas

líria porto

tinha um namorado
papai berrava – não phode
tem que casar primeiro

(phodíamos
mas ninguém sabia)

*

quarta-feira, 3 de junho de 2015

sádica

líria porto

insana insônia
assim – sem sono – os sonhos somem
só sobram serpentes silvos
sombras

*

terça-feira, 2 de junho de 2015

toró

líria porto

manhã emburrada
chororô na certa

*

tromba d'água

líria porto

nuvem de chumbo
parece prenha
de tanta chuva
:
eu tenho medo
que o céu despenque
e afogue o mundo

preciso bote remos e boia

(com muita sorte escapo
incólume)

*

segunda-feira, 1 de junho de 2015

poluição

líria porto

cagou e andou
quem veio atrás
pisou na bosta

(a terra roda
leva nas costas
tua lambança

tu não te importas?)

*

o confessor

líria porto

o padre peca – e não é pouco
depois perdoa o menino
que faz malcriação

(não sem penitência)

*

sonolência

líria porto

rei midas ao inverso
tocava – virava merda

(acordei um caco
como o prato
que quebrei
na pia)

*

interna

líria porto

soo
suo
sou



*

seu biloca

líria porto

meu pai
um homem popular
tinha bons amigos
conhecidos
inimigos

cultivava todos

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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