tanto mar
–– a mão que governa o verso balança os muros –– (líria porto)
domingo, 18 de outubro de 2020
novela (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)
líria porto
quando vê o cão
a lua mia
quando vem o gato
a lua late
enquanto os dois brigam
a lua assobia
:
e assim o tempo passa
*
perene
líria porto
a cicatriz do amor
tatuada em nosso espírito
qual marca de nascença
*
escudos
líria porto
a convivência é difícil
a falta dela - mais ainda
é morte em vida
:
ninguém entra ninguém sai
vês tudo pela janela
ou nas telas
da tevê
(atrás da máscara
o possível)
*
trêmula
líria porto
a vida
gota presa na torneira
pinga não pinga
*
extinto
líria porto
não fora um poeta medíocre
de repente caiu na mesmice
e o que era pra ser um rochedo
derreteu-se qual pedra de gelo
alagou o seu verso
sua rima
(foi assim que morreu)
*
(peguei o sol no pulo) temporal
líria porto
aos trinta anos
o sangue fervia nas veias
eu tinha três filhas e havia
um longo caminho
à beira dos setenta e cinco
(quatro filhas quatro genros
dois netos)
a estrada ficou para trás
o sangue anda meio talhado
porém ainda resta
o atalho
(depois da foz
o mar aberto)
*
segunda-feira, 12 de outubro de 2020
mormaço
líria porto
o bafo fedido do diabo
saído do centro da terra
para as bocas de lobo
:
o inferno é aqui
*
boas vindas
líria porto
e venha a chuva
e chegue mansa
e seja farta
preencha os rios
salve a lavoura
viceje o pasto
renove o verde
compense o povo
a flora a fauna
*
proporção
líria porto
um besouro
que crescesse além da conta
e se tornasse mamífero
seria rinoceronte
(mais parecido
impossível)
*
adeus
líria porto
sou daquelas que abandonam o amor
antes da completa decadência
*
aqui e ali
líria porto
por onde olhe vejo rostos
na nuvem nas manchas do azulejo
no amarrotado do lençol
nos nós da madeira
por onde olhe vejo mortos
vozes ainda não ouço
não enlouqueci completamente
* líria porto
impactos
líria porto
quando fiz sessenta anos
falei em voz alta - tenho a idade
da minha avó
semana que vem
quando completar setenta e cinco
vou dizer o quê?
*
rebelião
líria porto
quando os poderosos
aceleram iniquidades
e postergam o essencial
tudo muda cega surda
e atiça o brio
*
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*
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