sábado, 31 de janeiro de 2015

ferrão

líria porto

pisei-a doeu
mas perdoei a abelha
(justiça seja feita)
foi legítima
                    defesa

*

pressa

líria porto

espero espero
enquanto espero não vivo
o tempo passa
envelheço
nenhum futuro à vista

felicidade é promessa
que não se cumpre

*

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

mormaço

líria porto

não o vento nem a brisa
só o chuvisqueiro o calor
o peso das horas
                         o bafo do inferno

*

flash

líria porto

é só um click
nem bem piscamos
cadê a vida?

*

gordos

líria porto

caldeirões sem fundo
corpos que perderam a noção
das margens

*

adolescências

líria porto

nossas silhuetas
o copo de iogurte
:
poucos veem
ninguém curte

*

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

cegueira

líria porto

óculos binóculos microscópios
lunetas lentes de contato fundos de garrafa
e a humanidade fecha os olhos

*

poetar

líria porto

viagem sem volta em torno de tudo
e de nada –– escalada de nuvens
garimpagem de palavras

*

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

o hóspede

líria porto

chegue a qualquer hora
chore mágoas
ninharias
enxurre-me com falas tolas
tome chá em minha xícara
enxugue-se em minha toalha
deixo até que ele cochile
em minha cama
entre as colchas
porém sem passar da margem
sem se achar o meu dono
sem beijar a minha boca
sem me chamar
de amor

*

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

aparas

líria porto

proibi as plantas dos pés
de caminharem na tua direção
vou florir pra lá de ti – além
das tuas arestas

*

estio

líria porto

evadiu-se
deixou para trás
um azul irritante

já não se faz
nuvem como antes

*

o catador

líria porto

não sei o que fazer com tantos versos
sou incapaz de organizar um livro
acumulo-os em inúmeros arquivos
morrem assim – poemas submersos

*

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

(peguei o sol no pulo) possibilidades

líria porto

a poesia me pega por trás
rodo na sola dos pés e me colo
à sua pele

daí por diante tudo pode
de nascimentos
a óbitos

*

boia

líria porto

a minha sombra fugiu
procurei-a não a vi
caía forte um pé-d'água

a minha sombra afogava
nunca aprendeu a nadar

*

frondosas

líria porto

as árvores
como as cidades
abrigavam ninhos pássaros
casinhas de joão-de-barro
e o burburinho
dos bairros

*

maledicência

líria porto

cafezinho – por favor
expresso e sem açúcar
que doces me bastam
a calma e a voz
da vizinha

(natural forçado)

*

boneca

líria porto

maricotinha é bonita
por onde passa ilumina
não há treva que resista
é tal como a luz do dia

maricotinha é formosa
gosta da vida e dos livros
e se soubessem o sorriso
viriam vê-la agorinha

quantas horas maria?
onze e vinte e cinco

*

domingo, 25 de janeiro de 2015

o fosso

líria porto

a desconfiança impede
que sejamos íntimos

*

inspiração

líria porto

ela não vem
procuro por ela
:
entre mim e a poesia
não existe espaço
para orgulho

*

feminino

líria porto

escolheram-me um modelo
mas não o vesti – não caibo na pele
dos outros
:
não sou tão certinha

*

sábado, 24 de janeiro de 2015

calúnias

líria porto

palavras dúbias
insinuações
dedos que acusam
que transformam em crime
sem nenhuma prova
o que está na mira
dos poderosos

*

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

fatura

líria porto

segundo quem acredita
as nossas noites
os dias
quaisquer que sejam os momentos
no balancete da vida
serão contabilizados
depois cobrados de todos
com juros e correção

(vou precisar um empréstimo)

*

segredos

líria porto

aquilo que disseste só a mim
que arrasto comigo para o túmulo
tantas as noites sem dormir
tantos os pecados que acumulo
e sequer tenho culpa

*

órfã

líria porto

chove
dentro fora
que os dias úmidos
como alfinetes
fincam as lembranças
de um outro tempo
quando as esperas
eram premiadas
por tua presença

(choro nuvens densas)

*

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

despeito

líria porto

ele tinha uma vizinha
eu morava longe

eu pensava – aquela zinha
eu aqui onde me escondo

ela o via todo dia
eu falava ao telefone

claro que o ganhou de mim
(a inveja ainda me come)

*

flecha

líria porto

quem viu o tempo passar
fechou os olhos mais cedo
morreu antes de morrer

*

diabético

líria porto

igual chocolate
doce nas palavras
amargo no conteúdo

*

princesinha

líria porto

hera varanda janela
o que está fora está dentro
brinca que é cinderela
fica na beira e no centro

*

pretextos

líria porto

inventava algum serviço
empurrava com o umbigo
a hora de ir pra cama
:
ou tinha dor de cabeça

*

tu

líria porto

dos fios do cabelo
à sola dos meus pés
:
mais que o arrepio
o gozo

*

usufruto

líria porto

dono e caseiro
não cuido bem do meu sítio

vem alguém – passa uma cerca
apodera-se de mim

o diabo no corpo

*

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

a geada

líria porto

o frio queimava
doíam-nos as mãos
os pés a terra a folhagem
as raízes
morriam as plantas a esperança
e a gente ainda agradecia
:
melhor a lavoura
que nós

*

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

sumiço

líria porto

inda agora
pensei
donde andas
em que fundão
qual teu endereço?

(saudades
não aleijam
:
matam)

*

invernal

líria porto

uma tenda em madagascar
uma prenda que me prenda lá
uma renda
:
aqui o frio
está russo

*

a moça

líria porto

igual flor que despetala
(mal-me-quer mal-me-quer)
na sala tira os sapatos
joga a bolsa no sofá
arranca a blusa a saia
a calcinha o sutiã
larga tudo no assoalho
depois vai até a cozinha
pega a faca
          e corta o pulso

*

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

descuido

líria porto

deixasse a vida correr
tal como um riacho
requebrasse suas curvas
descesse montanha abaixo
alisasse o chão
a pedra
morresse na praia

*

implicâncias

líria porto

irmãos brigam por ciúme
inveja picuinha –  disputa
de liderança

mas irmãos amam-se tanto
vira e mexe se procuram

*

. mineira

líria porto

o primeiro deu-lhe filhos
o segundo algum prazer
o terceiro com carinho
preenchia-lhe os vazios
os seus buracos
de queijo

*

domingo, 18 de janeiro de 2015

qui_romântico

líria porto

a cigana quer ler minhas mãos
roo as unhas e prossigo sem saber
meu destino

*

redemunho

líria porto

passou por mim
amarrotou-me inteira

fiquei um caco
nem pra mosaico servia

*

frações

líria porto

ele ela o amante
não tem mais cara-metade
só tem cara terça parte

(igualdade ainda que à tardinha)

*

pastoreio

líria porto

ora uma coisa ora outra
orações subordinadas
ao pagamento
                   do dízimo

(compra-se o paraíso –– o inferno
é de graça)

*

sábado, 17 de janeiro de 2015

pé de meia

líria porto

solteiro – feliz sem o par
desobrigado de andar
passos doutro pé

*

quando míngua

líria porto

dia sim dia não
depois às segundas
de quinzena em quinzena
no final do mês
uma vez por semestre
e ao fim
na passagem de ano

mandou-me um e-mail
iria me ver no reveillon

(mudei-me faz mais de um triênio)

*

das dores desmedidas

líria porto

a lesma arrasta a casa eu levo a minha dor
diz-me meu senhor – o que é pior?

*

responsabilidades

líria porto

a poeira sentou – tudo bem
mas a lama impregnou-nos
até os ossos

olhos agudos nos denunciam
tudo tem consequência
e ninguém é santo

quem acusa tem ponta
de culpa

*

tartaruga

líria porto

vou bordar minha mortalha
e a morte só terá licença
depois de tudo pronto

nem comprei a fazenda

*

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

do coração

líria porto

bons ventos te trouxeram
bons ventos me levem
contigo dentro

ver-nos-emos em breve

*

sem fronteiras

líria porto

essa é a nossa pátria
é só abrir as cancelas
derrubar as cercas

*

das despedidas

líria porto

não se sabe
se será esta ou outra
a derradeira vez
:
o que fazer da saudade
ela veio antes da lágrima

*

(peguei o sol no pulo) pique

líria porto

conto até trinta
ela se esconde
a poesia
está onde
:
aonde?

*

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

cofre

líria porto

não sei o que pensas
percebo a tensão

um olhar pode ser punhal
uma pétala –– luva de box

o que cabe num cérebro
qual a anatomia do amor?

e do ódio?

*

. corda

líria porto

no cais do corpo
tu me chamas de porto
e te afundas
:
belisco-te a bunda
e me rio do fio
das coisas que puxam
outras coisas

*

covardia

líria porto

sinto tanto
sinto dor
sinto o cinto
do algoz
que me doma
ao invés
de me educar

ninguém vai
bater em mim
quando eu for
grande

*

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

camuflagem

líria porto

nas profundezas
no mais oculto do ser
debaixo da pele
na carne no cerne
no osso
o que condeno no outro
e escondo de mim

*

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

anóxia

líria porto

na fumaça do teu fogo
entro no jogo sem ar

e ninguém controla
minha asfixia

*

quatro-olhos

líria porto

necessito
essas vidraças
para ver
a paisagem

*

sem dono

líria porto

ao cabo e ao fim
o rabo não abana
as orelhas

(a vida é osso)

*

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

(peguei o sol no pulo) francisquinho e maricota

líria porto

escalar o ar as nuvens
voar com a passarada
vencer monstros e zumbis
comer céu de brigadeiro
torrão nuvem de açúcar
habitar um cogumelo
brincar dentro dum casulo
com eles aprendi tudo
enfrentei até dilúvio
num barquinho
de papel

*

de brigadeiro

líria porto

no pasto azul
nenhum rebanho
só passarinho

*

domingo, 11 de janeiro de 2015

peixeira

líria porto

maria
cozinheira de grã-finos
abre a marmita e come 
peixe e farinha

(não a convidariam
para servir-se)

maria bebe cachaça
olha a mesa desfeita
os restos do banquete
e tem diante de si
um facão cego

(maria procura e acha
a pedra de amolar)

*

fosso

líria porto

o silêncio que se fez e faz
desde quando atravessaste
o portal de casa sem olhar
para trás

*

sábado, 10 de janeiro de 2015

recordações

líria porto

quieto
sem sair do lugar
sem ninguém suspeitar onde
com quem
ou o que fizemos

*

espera

líria porto

dias longos noites curtas
sonhos confusos cansaço
e a secura nos olhos

*

inalcançável

líria porto

futuro é miragem
ultrapassa o horizonte
:
caminhei à exaustão
no que havia e ainda há
de ilusão – de distância

*

espelho

líria porto

já fui mais tu
agora sou eu – sem mais
nem menos

*

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

órbita

líria porto

a lua
em volta
da terra

a terra
em torno
do sol

o giro
que nunca
termina

a lua
a terra
o sol

*

gravidade

líria porto

se a lua cair do céu
acertar minha cabeça
ninguém pense nos meus cacos
eu tenho cabeça dura
:
remendem-na
façam mosaicos
engarrafem o luar

*

extremidades

líria porto

nascer é quentura barulho
morrer é friagem
silêncio

(viver é tudo junto)

*

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

despacho

líria porto

pelo sim pelo não
uma calva sem tamanho
na palma da mão

e um pé na bunda

*

fiandeira

líria porto

uma aranha tece a teia
co'as linhas da minha mão

serei a viúva-negra
terei veneno fatal?

*

ciclos

líria porto

das vezes que morri nem lembro
e faz tempo que nasci –– a vida é esse intervalo
entre o berço e a lápide

*

silenciosa

líria porto

de pouca prosa
ando diverso
e de tanto pensamento
que a cabeça branca

*

do amanhã

líria porto

esta noite
a lua as estrelas
e quando vier o temporal
se vier
encharcar os ossos
as unhas
os fios de cabelo

*

ignorância

líria porto

não saber te salva
e te condena

*

aranha

líria porto

sou vaso ruim –– de todo modo
enquanto busco coragem
sigo pendurada por um fio

*

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

das fatalidades

líria porto

na palma da mão algo crespo
mudou de cor

o doutor falou - perigo
e meteu-lhe o bisturi

(será esta a sua chaga
ou somente a cicatriz?)

não acredita em milagres
paga o preço de estar vivo

(acontece a tantos outros
por que não consigo?)

*

do tamanho da pérola

líria porto

um padacinho de minas
flutua agora em formol
vão vasculhar cutucar
fazer cosquilla
na mão
:
nada é uma fortuna

*

da visão periférica

líria porto

olhar acima
abaixo
dos lados
perceber os perigos
as maravilhas
os fatos
que voejam
além

quem espeta borboleta
em alfinete não vê
voo

*

perplexo

líria porto

ando
em fila
indiana
ora à frente
ora com o pé
atrás

(eu sinto
o cinto
apertar
a cerca
o cerco)

sou
o primeiro
o último
sou muitos
e sou
nenhum

*

irmãos

líria porto

disputam cada milímetro
dos pais avós tios primos
de todo o espaço da casa
das grandes coisas
às mínimas

(cão gato e rato
até que se determine
quem entre os três
é o líder)

*

domingo, 4 de janeiro de 2015

esbanjamento

líria porto

a vida é uma caixa d'água
lavamos o corpo o carro as calçadas
não consertamos torneiras nem regulamos
descargas

então chega a seca
a sede

*

medo

líria porto

há dias em que nada sai
nenhum verso nenhuma palavra ou grito
e o que trava o coração e a garganta
sequer é silêncio

*

alçapão

líria porto

as linhas sobre as quais te equilibras
(da vida do destino do coração da mente)
todas esgarçadas pelo tempo

*

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

melanoma

líria porto

na palma da mão
na planta do pé
o grão pode ser
o da morte

*

o amigo

líria porto

não fala por trás não te julga
diz o que pensa de ti
a olhar-te no olho

a ternura é o conduto

*

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

veredicto

líria porto

não há de ser
mas se for
foice

a espera
é sempre
tensa

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

Arquivo do blog