quarta-feira, 28 de abril de 2010

mosquito

líria porto

levou-me a nocaute
blecaute – co(r)po dágua
rio inacabado

*

domingo, 25 de abril de 2010

perrengue

líria porto

há muitos dias não rio
e só faço reclamar

uma dor filha da puta
me come à frente
e por trás

*

sexta-feira, 23 de abril de 2010

carentes

líria porto

os que esmolam sentimentos
mais que pobres são paupérrimos

esmigalham-se – sem matar todas as fomes
sem saciar toda a sede

*

desmilagre

líria porto

acredito em doentes
aqueles que por um triste
um coração ou um rim
nada têm a ganhar
a perder

*

com_pressa

líria porto

a febre o tremor o corpo dolorido
e ninguém por perto pra lhe dar
um comprimido

*

liberta quae sera tamen

líria porto

igual borboleta a flor do ipê
solta-se do galho faz pirueta

*

quarta-feira, 21 de abril de 2010

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) cinema

líria porto

desistir de ti foi uma pena
poderia ter sido uma andorinha

voaríamos por aí e a nossa cena
seria mais bonita que a do filme

*

escolha

líria porto

bem-aventurados os pobres de espírito
porque deles é o reino dos céus
:
joguem-me por favor numa caldeira
entendo-me muito bem com o capeta

*

aos domingos

líria porto

macarrão frango maionese
o moleque chorava

comida mãe quero comida
arroz feijão e bife

*

pimenta

líria porto

eu sou alimento
para a tua fome

se faltar do molho
olho no teu olho

invento-me

*

astúcia

líria porto

a gata de botas deixou para trás
o marquês de cara braba

*

allegro apassionato para nina rizzi

líria porto

a moça
o violoncelo
qual tronco de homem
a roçar-lhe
o sexo

*

eternidade

líria porto

tinha um caminho no meio da pétala
tinha um caminho no meio da pétala
onde eu andava eu andava
eu andava

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) desperdício

líria porto

prima dirce vê a vida
pela fresta

ela adora futebol
e vai à missa

seu pecado foi cheirar
lança-perfume

prima dirce borda borda
mas não pinta

*

viuvez

líria porto

dois travesseiros e um corpo
sem companheiro

(de um lado o vazio e no criado 
um porta-retrato e a fotografia)

*

terça-feira, 20 de abril de 2010

coragem

líria porto

diante do caos peito aberto
salto (i)mortal

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) brasa

líria porto

tal como aqueles que atiçam o fogo
ele se embrenha pelas minhas lenhas
sopra de leve a minha chama tênue
faz crepitar o que eu julgara morno

*


segunda-feira, 19 de abril de 2010

sufoco

líria porto

não sei o que é pior
correr atrás de um verso
e numa rede de caçar borboletas
pegá-las uma por uma
cada letrinha
ou tê-lo ao calcanhar
como um cão faminto
a abocanhar-nos as palavras
as rimas

a respiração

*

civilização

líria porto

entre o chão e os pés
sapatos que nos tratam
com calo e tudo

*

brinco

líria porto

o sol andava entre as árvores
achei um brilhante maior que a estrela

não é meu não é teu
de quem seria?

*

alameda

líria porto

dum lado e doutro árvores perfiladas
e tudo emaranhado sobre as cabeças

*

maçarico

líria porto

vulcão
dragão
paixão
ferrão
ereção
penetração
ejaculação
aflição
conspiração
convicção
palavrão
agitação
decisão
ebulição
pressão
invasão
prisão
explosão
ser_tão
cão
:
até coração
tem rima aguda

*

domingo, 18 de abril de 2010

despudo(u)rada

líria porto

a lua perambula
rola pelo céu de qualquer jeito
sem compostura

(di_lua a vergonha do sol)

*

sábado, 17 de abril de 2010

à la_garta

líria porto

cinzas nunca mais
nem farda uniforme avental –– agora
só asas

*

cerimônia

líria porto

no velório da barata
formigas entram saem
falam baixo
cumprimentam-se
e transportam os seus restos
para o banquete

*

peso

líria porto

quereres vontades desejos
tudo sobre as costas

nós
:
quanto mais frustrados
mais corcundas

*

sexta-feira, 16 de abril de 2010

dirceu usa machado

líria porto

o mundo se aniquilou
foi quando meu namorado
casmurro e cabisbaixo
deu um murro no passado
falou-me  agora parto
não volto mais minha amor
capitu ficou-me grávida
e a filha que não terás
pu-la em barriga dela
(descuidos da meia noite)

adeus adeus minha bela
adeus adeus minha estrela

*

ana c. me supre

líria porto

"abri curiosa o céu"
"uma lâmpada queimada me contempla"

"muda feito uma coisa última"
"demito o verso como quem acena"

"é outra
a dor que dói"

*

(os versos acima são fragmentos de poemas de ana cristina cesar)

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - histeria

líria porto

nuvem suja de fuligem
noite a nos dar vertigem
lua a fingir-se virgem

e eu sem coragem
à margem da vida
a escrever páginas
e páginas

(mugidos de vagina)

*

desembaraço

líria porto

da boca de bebel quero sorrisos
e beijos e palavras e poemas
na boca de bebel ponham alegria
dos olhos de bebel tirem
o cisco

*

nana

líria porto

menina tu não me enganas
teu corpo de passarinho tem o espírito
das montanhas

*

luz

líria porto

ofuscas a lua
o sol as estrelas
e se rodopias
o mundo tonteia
eu fico encantada
o bispo o padre
o moço o velho
o gato o cachorro
o céu o inferno
o zangão
as abelhas
o azul
o amarelo
o verde
o vermelho
o rei
a rainha
o espelho
o planeta
o universo

*

mal-estar

líria porto

expansão digestiva
: um ovo de ema
dentro da barriga

*

quinta-feira, 15 de abril de 2010

coisa de poeta

líria porto

nada é mais concreto
que a abstração de niemeyer

(curvas tão corretas
retas ondulantes)

*

ponto

líria porto

planta-se um poste
o cão se encosta
a puta espera
o mendigo esmola
o sábado explode
a lua aparece
o bar prospera
o bêbado vomita
a amor some dos olhos
:
esquina é dobra_dura

*

chá de cadeira

líria porto

para quem espera as horas são pedras
para quem se atrasa são poeira

*

instinto

líria porto

tinha o brilho e o tino
das mães
:
é feinho vovó
mas é meu

*

quarta-feira, 14 de abril de 2010

na serra do rola-moça

líria porto

as curvas a indescritível beleza
transformaram seus caminhos
em perdição

*

clarão

líria porto

(di)lapidar o poema
deixá-lo nu e sem som

a poesia
é tão somente
um relâmpago

*

oito e oitenta

líria porto

quisera ter já não tem
destreza vivacidade
a idade impõe limites
o tempo é inexorável
então meu bem paciência
vovó demora mas chega
leva consigo seus
(s)ais

*

segunda-feira, 12 de abril de 2010

gata escaldada

líria porto

não cria bichos
não quer saber de bebês
aos seus amores avisa
quer mesmo é ser a outra
a dos momentos felizes
sem crises chateações
e sem prestação
de contas

*

domingo, 11 de abril de 2010

extrema

líria porto

a dor do mundo
a dor que dói e faz doer
não é a dor do amor
é a dor do ódio

*

sábado, 10 de abril de 2010

(para o livro sem pecado não tem salvação) entre cético e sádico

líria porto

talvez o céu dos cachorros
seja o inferno dos gatos

e o céu lá dos bichanos
o inferno dos passarinhos

e o céu dos passarinhos
o inferno dos insetos

e o céu dos mosquitinhos
talvez dos vermes também

seja o corpo putrefato
que acredita no céu

e purga céu e inferno
no mesmo fato

*

sexta-feira, 9 de abril de 2010

saudade

líria porto

queria chorar
num ombro qualquer
de homem ou mulher
um mar de águas roxas
e quando ficasse alegre
iria a seu casebre
trocar de cor(po)

*

escassez

líria porto

o verso definha
o poema some

como se o universo
conspirasse contra

e o mar secasse
virasse deserto

e a vida fosse
esse faz de conta

*

quarta-feira

líria porto

apelou a são longuinho os pulinhos foram três
precisava achar de novo a alegria  perdida –– sumida assim
de uma vez

encontrou-a na avenida
                                     grávida de tristeza

*

quinta-feira, 8 de abril de 2010

(peguei o sol no pulo) definitivo

líria porto

foi triste
quando partiste
levaste a estrada

*

lamentação

líria porto

corpos barrentos transbordam-se durante as enchentes
transformam em charcos olhos cansados
de sofrimento

*

direto

líria porto

santo - eu sinto
por retornar ao assunto
:
o cinto aperta
a miséria assenta
e a fome abunda

dá um jeito

*

quarta-feira, 7 de abril de 2010

cadente

líria porto

paro
espero horas e horas
pelo meteoro

ora oro
ora pisco

*

procura-se

líria porto

uma pedra que me queira
que tenha olho de gato
que me vele me proteja
que às vezes e sem rodeio
beije-me apaixonada
mas que seja pedra mesmo
pois não passo de uma
estátua

*

terça-feira, 6 de abril de 2010

cafuçu do brejo

líria porto

nem todo ouro do mundo
me tira desse buraco
nasci aqui sou no fundo
ouriço bicho do mato

o silêncio a quietude
protegem-me e me resguardam
passarinhos sapos grilos
orquestram a minha calma

*

segunda-feira, 5 de abril de 2010

quae sera tamen

líria porto

as pedras –– mesmo pedras –– rolam
não prendê-las nem casá-las com cimento

as pedras –– mesmo pedras –– voam
eu já fiz voar algumas e acertei cabeças

as pedras –– mesmo pedras –– pedro
precisamos ser livres

*

fiu fiu

líria porto

depois da chuva dos cinzas 
de chorar paixão de cristo
o céu se pinta de azul 
pendura o sol na lapela
reabre abril e caminha
rumo a maio - mês de maria
ritinha jandira luiza 
mulheres que assobiam

*

sábado, 3 de abril de 2010

a cor azul escura do cobalto

líria porto

pode ser bomba
pode ser míssil
pode ser íngua
(ou algo maligno)
debaixo da língua

se houver tempo
registre-se o fato
se não o houver
faça-se o possível
no verso na rima
no estribilho

pode ser bomba
pode ser míssil
pode ser íngua
(ou algo maligno)
debaixo da língua

engula-se a saliva
e o desatino

*

(publicado no livro garimpo - editora lê) - de cor e salteado

líria porto

teu nome escrevo no ar
na mão no muro no espelho
teu nome reviro do avesso
rabisco no travesseiro
teu nome recorto as vogais
misturo com outras letras
soletro de frente para trás
teu nome tatuo no peito
carimbo na pele nas pernas
teu nome eu grito cochicho
balbucio remedo repito
teu nome é meu
                     be-a-básico

*

azul azul

líria porto

manhã tão bonita
o manto dourado
a brisa o céu
o canto do pássaro

no chão no quintal
o mato o capim
a rosa o cravo
abril bem-te-vi

a chuva se foi
deixou muita coisa
a terra está linda
vestida de noiva

(em maio eu me caso)

*

sexta-feira, 2 de abril de 2010

banho dágua fria

líria porto

quem espero
não me alcança

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - vida boa

líria porto

bem cedo ao canto do galo
saltar da cama e no ato
pisar o chão sem sapatos
ouvir os bichos os pássaros
rever o sol

quando noite luar
sem recato e sem freio
igual água do regato
molhar-te a boca

*

mortiça

líria porto

os cabelos perderam a leveza
e noturnos macambúzios causam
pesadelos

os cílios
banhados em tristeza e visgo
atraem morcegos
e urubus

*

quinta-feira, 1 de abril de 2010

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - coleção

líria porto

quero – espero – flagrar o amanhecer
e num gesto súbito guardar o lusco-fusco
no bolso

(quem precisar de lilases de azuis prematuros
tenho infinidades)

*

bambo é que é bom

líria porto

as horas borbulham como a água
para o café

antecipo o aroma o sabor
a bebida estimulante

pensamentos se tornam roliços
como pães de queijo

domingo é dia

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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