sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

para afofar a terra

líria porto

minha casa era um canteiro
e as quatro flores formosas
perfumavam o ar

o tempo passou cresceram
quiseram ser borboletas
bateram asas

sou jardineiro fiquei
se antes plantava filhos
agora semeio versos

(e cá entre nós - cultivo netos)

*

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

(peguei o sol no pulo) id

líria porto

há dias que sou assim
a sombra da minha sombra
e meus pés pisam repisam
as minhas próprias pegadas
sei curvas sei obstáculos
não sei porém desviar-me

passeio sobre meus passos
caminho nos descaminhos
erro sempre os mesmos erros
repito as mesmas palavras
sou sombra da minha sombra
a soçobrar no passado

*

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

evidências

líria porto

ao peito ouviu-se um estalo
o amor quebrara as asas
confundira o nome as chaves
errara casa endereço

necessita o amor de tempo
de respirar novos ares
porque amor não é hábito
é qual um bulbo de flor
ao secar o cerne o caule
carece ser replantado

parte amor vai logo embora
e realiza teus sonhos
pois de cinzas não se vive
muito menos de migalhas
um amor precisa saltos
sem culpas chagas
remorso

*

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

possibilidades

líria porto

se o coração batucar
rondar melhor o amor
ficarem juntos bem juntos
jogará todas as fichas
e fará muitas loucuras

*

terça-feira, 27 de novembro de 2007

miolo

líria porto

antes do sol e vistas do alto
as luzes da cidade são flores sem pétalas
fincadas no asfalto

*

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

a amante

líria porto

tem o dom de dissipar-lhe as cinzas
atiçar-lhe as brasas avivar seu fogo
e depois fá-lo dormir

*

terça-feira, 20 de novembro de 2007

haicai

líria porto

entre o céu e o mar
algodão doce ou espuma
paz absoluta

*

sábado, 17 de novembro de 2007

tudo é festa

líria porto

clarita rouba doces 
não pra si para o titio
e seu passinho macio 
é delicioso

(um suspiro 
um brigadeiro
pode levar 
ninguém liga)

os olhinhos da menina 
são tão lindos
mais bonitos que a manhã 
de outubro

*

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

ssssssssssssssssssssss

líria porto

se eu soubesse sibilar esses esses estridentes
eu seria simplesmente a serpente

*

passarinho

líria porto

acordei pitanga e tão madurinha
não o bastante – um minuto antes
ele fora embora

levava amora no bico

*

o semáforo

líria porto

num de repente o destino
metido a guarda de trânsito
(verde amarelo vermelho)

assim caminho
prossigo
velocidade tranquila
sem ilusão e sem pressa
a licença é provisória
obrigatória 
                      a parada
:
e a terra me seja leve

*

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

o cara e a coroa

líria porto

não me calarei
ao calaboca do rei

sou o outro lado
da moenda

*

terça-feira, 13 de novembro de 2007

miscelânia

líria porto

a bela dormiu com a fera
teve uma filha
que usava presilha no cabelo
e queria ser estrela

de caso em caso
e não por acaso
saiu do casulo
cresceram-lhe asas
virou borboleta

(poeta é bicho besta)

*

domingo, 11 de novembro de 2007

separação

líria porto

ergueram muralhas cavaram abismos
e as flores que havia dos dois lados
tornaram-se invisíveis

*

nesgas

líria porto

aos sete de idade
morava no paraíso
paissandu quarenta e quatro
araguari  interior
de minas

*

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

impenitentes

líria porto

por teus pecadinhos alvos
ou pelo breu dos pecados
poderás ser condenado
porém os pecados rubros
encarnados de sem lei
de lascívia de desejo
elevam-te aos céus
que eu sei que eu sinto
que eu vejo

*

trôpegas

líria porto

bêbado de vinho e vida
estas pernas nem parecem minhas

*

seleção

líria porto

acostumei-me aos sabores delicados
finos temperos boas essências

recuso vida insossa palavras azedas
e atitudes ásperas

*

achados e perdidos

líria porto

um verso azul
suas rimas celestes
daquelas inundadas
quando o mar se encrespa

um verso vermelho
ponta de punhal
caldo borbulhante
notícia de jornal

um verso verde
jogado no deserto
a morrer de sede
entre galhos secos

um verso amarelo
pena de canário
largado na gaiola
por um gato incauto

um verso branco
caído de uma asa
em tempos distantes
éramos crianças

um verso preto
belo deslumbrante
sem qualquer resquício
de intolerância

*

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

precoce

líria porto

aprendeu sozinha
costurava letras sílabas sentenças 
parágrafos inteiros
:
teria parte com o demo?

*

sábado, 3 de novembro de 2007

apresentação

líria porto

constrange-me falar de mim
avaliar-me não vale
outros é que o farão
autoanálise é um perigo
somos sempre complacentes
vemo-nos tão diferentes
do que nos vê um amigo
ele sim já nos conhece
e às vezes haja prece
pela nossa salvação

não sou boa não sou má
insegura muitas vezes
um ser pra lá de mutante
porém leal sei que sou
por um amigo eu vou
ao inferno e aos abismos
mesmo que ao fim de tudo
diga a ele um palavrão
porque amigo
é amigo

sou delicada e não sou
sou debochada e não sou
sou complicada e não sou
sou pra frente e sou careta
às vezes brava outras não
há quem me goste não goste
mas se não julgo ninguém
ninguém será meu juiz

para o público uma senhora
aos íntimos não predetermino
e também vai depender
de quem estiver comigo
:
achas-me doida gosto disso
sou doida muito assumida
sou doidinha pela vida

*

parientes

líria porto

o corpo por quem choram e recebem pêsames
não necessita lágrimas e nem companhia
chegaram tarde

*

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

terça-feira, 30 de outubro de 2007

ipê

líria porto

do alto da serra ele berra
amarelo amarelo amarelo
meus olhos não piscam
são milhares de pétalas
de ouro de entrega
de prece

*

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

vocação

líria porto

meninos jogavam futebol
meninas brincávamos com panelas
:
eu fazia a sopa de letrinhas

*

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

triângulo

líria porto

ideal é sermos três
o muso o amante e eu

(a felicidade é ímpar)

*

febre

líria porto

deliriar
manuelar bandeiras barros quintanas
drummondiar adélias hildas coralinas
leminskiar vinícius
catular bilacs augustos casimiros
clariciar marinas affonsos
cecílias
:
mas não consigo

*

haicai

líria porto

a lua escondida
atrás da nuvem de tule
a chuva de outubro

*

retratos

líria porto

pedro
este jeito teu
de parecer comigo
entra-me pelos poros

olho a tua foto
tenho nove anos
sou um bom menino
e sou tão bonito

voador o tempo
pousa nos meus ombros
fala em meu ouvido
isso não existe

fico quase triste
mas aguento o tranco

*

domingo, 21 de outubro de 2007

imprudência

líria porto

ao me conhecer trouxeste flores
esse gesto teu nunca esqueci

impressionar mulher sensível
não temias?

(quem não quer laços
carece ser rude)

*

que (i)mundo é esse?

líria porto

não joga fora a galinha o porco o novilho
mas põe o filho no lixo - o bichumano

*

sábado, 20 de outubro de 2007

asas

líria porto

gaiolas abertas
com água fresca e alpiste
deixarão entrar os pássaros
poderão ficar partir
sentir-se-ão à vontade
terão sempre bom abrigo
lugar de descanso e paz

amor não é cárcere

*

lili cata ventos

líria porto

quintaninha feiticeiro
passarinho em tuas asas
passarão outros poetas
sem bicar a minha alma

*

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

os girassóis de van gogh

líria porto

insolúveis em lágrimas
as flores de vincent
:
olhos amargos
pálpebras desfolhadas
cílios de dor

*

dilúvio

líria porto

quis ver a chuva chover
lavar a alma do mundo
daqui levar toda lama
pecados culpas infâmias
e brotar um novo
                           homem

*

pios da coruja

líria porto

a vida 
chama de vela
ao leve sopro
jaz o corpo

*

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

regina

líria porto

não chores meu bem 
não chores
mamãe está aqui 
és linda
vou contar-te uma história
teu nome tão bonito 
quer dizer
rainha
:
não quero ser rainha
só quero ser princesa

*

balelas

líria porto

felicidade
ao alcance dos dedos
ou nas estrelas?

*

terça-feira, 16 de outubro de 2007

segunda chance

líria porto

gozo regozijo euforia 
emoção
um corpo noutro corpo
a reviver prazeres 
que julgara 
extintos

*

terça-feira, 9 de outubro de 2007

pensando alto

líria porto

o amor não é vendido no mercado
em feiras-livres nem é distribuído
como amostra grátis

não se acha amor em qualquer parte

*

nojentas

líria porto

baratas resistem ao tempo aos inseticidas
mas o velho chinelo não lhes dá trégua
:
plaaaft!

*

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

alma penada

líria porto

desfaz-se
nem a reconheço
tal qual jornal molhado
sem letras e sem
notícias

*

reencontro

líria porto

quisera te rever
olhar-te nos olhos
quieta demoradamente
depois te abraçar
sem uma palavra
deixar que soubesses
o quanto te prezo
e nada espero
além deste momento

*

domingo, 7 de outubro de 2007

indigesto

líria porto

o homem de cara azeda
garanto que destempera
a moça dos gestos doces
que um dia será amarga
a pisar terra salgada
a engolir dissabores

*

claudel

líria porto

disseram-lhe – pedras não amam
as pedras são insensíveis
o fato é que um dia
uma artista amou a pedra
e não foi correspondida

injetou amor à pedra
imprimiu-lhe o seu espírito
a pedra transfigurou-se
transmudou-se e suplicante
submeteu-se à agonia

(camille enlouqueceu)

*

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

phoenix

líria porto

ácida cáustica caótica
corrosiva
descamo-me descarno-me
desagrego-me para me redimir
e ressurgir das cinzas

*

purificação

líria porto

há dias de não ir
de não voltar
de se estar no limbo
reconhecer as falhas
consertar os erros
dormir na salmoura

*

receios

líria porto

passarinho não espies
para as bandas do meu leito
acostumei-me sozinha
e se demonstras desejo
pões bico doce em meu ninho
teu corpo quente juntinho
desperta minhas querências

depois te arribas
como fico?

*

bon-vivant

líria porto

o smoking da festa
a gaudia alegria
com ela o enterrem
ao chegar o dia

são pedro abre a porta
ele entra elegante
esquece no ato
deslizes orgias

pecado não tem
não sabe o que seja
viveu plenamente
em uísque e cerveja

*

terça-feira, 2 de outubro de 2007

lagarta

líria porto

ao sair do casulo tortura-se
não se dá conta da cores que carrega

esbarro em palavras na rima na métrica
impõe-se-me a poesia como tatuagem

*

reconstituição

líria porto

quando passo ida e volta
e penso sobre meus hábitos
teus pensamentos escassos
não compreendem minha sorte
não sabem que reaprendo
pois ao rever velhos atos
amorteço novos erros

*

término

líria porto

como arrancar da pele
o suor de outro corpo
dentro dos nossos poros
a circular-nos nas veias
a encharcar-nos a alma
a infiltrar-se nos ossos?
:
com água e sabão
não se apagam
lembranças

*

haicai

líria porto

o canto dos grilos
nas folhas do limoeiro
gotas de sereno

*

haicai

líria porto

madrugada fria
os caquis amadurecem
nas pontas das galhas

*

haicai

líria porto

grinaldas de pérolas
nas galhas da laranjeira
gotas de sereno

*

haicai

liria porto

cascas na lixeira
em caixas de papelão
caquis e cerejas

*

haicai

líria porto

madrugada fria
gotículas de sereno
no dorso da pétala

*

haicai

líria porto

final de estação
as mangas amadurecem
em pequenas caixas

*

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

passageiro

líria porto

dentro em pouco o vento
leva-e-traz do tempo
vai e volta embola
vem outro momento

nada é eterno

*

buracos

líria porto

na cama
a chocar ideias
calculava coisas
do arco-da-velha

pensamentos doidos
emoções homéricas
desrazões desdouros
e cartões de crédito

*

dique

líria porto

esse teu jeito de dizer as coisas
esconde um rio de lamentações
:
e não sobra pedra
                            sobre pedra

*

domingo, 30 de setembro de 2007

nota de falecimento

líria porto

o limoeiro morreu
e com ele as floradas
as limonadas os chás
as noites perfumadas

*

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

contatos

líria porto

surgimos d'outras galáxias
ficamos nus nas estrelas
nos anéis de luz

se não vieres vieste
onde eu não for estarei
assim foi assim será

sempre

*

voragem

líria porto

no avesso das vísceras
vinho vertigem vagidos vômito
vácuos

*

terça-feira, 25 de setembro de 2007

refúgio

líria porto

onde se possa ouvir os grilos
o vento brinque com as folhas
verdes farfalhem cochichem
haja chuva lua sol 
brisa
água fresca

um lugar 
um labirinto
com passarinhos 
travesseiros de penas
lençóis e braços macios

*

jeito

líria porto

sem pontos nem reticências
d_estilo letras minúsculas

*

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

relâmpagos de uma noite atormentada

líria porto

ao ver a barata
a ponta do sapato
cometeu assassinato
isto é o pé direito
pois que o esquerdo
saiu para enterrá-la

terremoto
maremoto
motosserra
motoboy
mato contínuo
enxada
machado

não importa o que pensem
somos donos da nossa loucura
e da nossa lucidez

faladeiras e serpentes 
dão no mesmo

freiras mudam de hábito

*

galáxias

líria porto

tantas janelas
a minha é uma fresta
uma greta um furo
a mostrar-me o mundo
a ensinar-me que todos
formamos conjuntos
e embora pequenos
nós somos imensos
tais como a floresta
o mar
o deserto
o planeta

o i.n.f.i.n.i.t.o

*

versos para lavínia

líria porto

vou aquecer teus pezinhos
calçá-los com minhas mãos
tricotar tanto carinho
em cada ponto da meia
vou tecer uma estrelinha
com varinha de condão

pés quentes dão sorte
princesinha

*

libertação

líria porto

bom-dia seu chico
bom-dia seu chico
canta o pássaro cativo
na varanda de eliana
:
abro a porta da gaiola

*

sortilégio

líria porto

o caminho aos dias findos
quando o inverno nos chega
alva neve nossos pelos
nuvem solta o pensamento
galhos frágeis nossos braços
folhas soltas nosso tempo
haja sopa uma coberta
muito amor
              nenhum espelho

*

domingo, 23 de setembro de 2007

(para o livro sem pecado não tem salvação) dilemas

líria porto

entre a cruz e a espada
inda que mal comparando
um violão atuava
tangia a batina do padre
e a farda do soldado

maria é nome de santa
e rosa é nome de flor
maria rosa mundana
seguia assim sua sina
dois amores na surdina

gostava o padre do acorde
o soldado do compasso
e entre um altar e um catre
as cordas daquele corpo
emitiam belos sons

os bemóis na sacristia
sustenidos no quartel
dois fortes a moça invadia
o céu queria de um
ao outro impunha a guerra

o padre deixou a igreja
o soldado desertou
rosa perdeu o interesse
foi fincar os seus espinhos
no evangelho do pastor

*

índole

líria porto

as línguas lambem é certo
porém se tantas alisam
outras degradam e ferem
proferem sentenças perversas
malignas indignas ferinas
malévolas línguas de víboras
de venenosas serpentes

*

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

artista é aquele que cria belezas
como se respirasse

*

terça-feira, 18 de setembro de 2007

prenúncio

líria porto

foi um sonho de paz
meu amor te curava
teu amor me fazia bem
caminhávamos
a terra era fértil
a água limpa
havia pássaros
gente feliz

*

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

aurora

líria porto



a janela – esta tela mágica
o pintor dá asas a pincéis errantes
azul roxo lilás amarelo
branco
a cada novo olhar
mesclam-se as nuances

*

vazio

líria porto

não quero a mim
não quero a ti
não quero ninguém

direi não ao sol
não quero a morte
não quero a vida
não quero

não há silêncio
não há barulho
não ouço
não falo
não canto
não respiro

hoje
comigo
só a solidão

*

condenação

líria porto

se um aventureiro
um desinfeliz
transbordar teus olhos
olhos de turca
reza por ele

se um desalmado
um zé ninguém
ferir teu coração
olhos de turca
pede por ele

se um homem qualquer
nobre ou plebeu
exterminar teus sonhos
ah olhos de turca
não haverá reza
não haverá súplica
não haverá milagre
que o salve da minha
maldição

*

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

alívio

líria porto

quando fico triste visto o casaco
aquele que abrigou em hora ingrata
o corpo sofredor de minha mãe

então eu me abraço e me consolo
e choro tal qual fosse
uma criança

*

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

fumo de rolo

líria porto

quantas vezes
enquanto fumavas
eu virei fumaça
entre teus dedos

*

sábado, 8 de setembro de 2007

monturo

líria porto

procuro palavras entre as pedras
vasculho o entulho
a rima intromete-se
nada de extraordinário
apenas encontros vocálicos
sem valor poético

(o canário no alto da árvore
esse é mestre)

*

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

dissimulada

líria porto

sem sal açúcar tempero
preparava com esmero
a sua vidinha insossa

queria ser como
as hóstias
:
água farinha
e bênçãos

*

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

retorno

líria porto

o caminho de volta
por mais difícil que seja
é trajeto conhecido
conduz-nos de alguma forma
às nossas raízes

*

sábado, 1 de setembro de 2007

incondicional

líria porto

precisou doer-lhe cru
sentir-se em carne viva
para entender sentimentos
:
bom mesmo é amor ameno
amor fraterno materno
amor de avó e de avô

*

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - friagem

líria porto

tão longas as noites de inverno
e a terra
envolta em luar e em saudade
leva-me a pensar que a vida
embora bela
cantada e decantada pelos poetas
não vale o quanto pesa-me

*

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

na despedida

líria porto

num ímpeto
deitei sobre teu corpo
meu agasalho

faz frio
veste-me com teus braços
dá-me conforto

*

sabedoria

líria porto

envelhecer como um bom vinho
sem avinagrar

*

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

passarela

líria porto

tão leves quais borboletas
a pele da cor da palha
parecem-se às folhas secas
que o vento espalha

voam perto dos meus olhos
conseguem m'impressionar
mulheres estas mulheres
sexo forte
                sexo (fr)ágil?

*

calúnia

líria porto

maledicentes são víboras
movidas por seus resíduos

têm sempre dentro boca
nossa honra nossa estirpe

disseminam a discórdia
o ódio a ira a insídia

sua língua bipartida
age solta impiedosa

como o veneno das cobras
e o fedor das latrinas

*

domingo, 19 de agosto de 2007

mortalha

líria porto

coração e pulmões paralisados
dedos amarrados sobre o peito
basta-me o lençol

(cheiro de flor velha me incomoda)

*

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

suave

líria porto

a pétala
c
a
i

o chão apara-a
s i l ê n c i o

*

a árvore

líria porto

reclama do vento que vem lá do sul
as folhas têm medo agarram-se às galhas
e tremem

*

domingo, 12 de agosto de 2007

doces

líria porto

quem gosta
quem se habilita
pode provar
aprovar
jabuticabas bonitas
como os olhos de anita
colhidos pela manhã

*

modéstia

líria porto

terra areia pedra
há todavia no (en)canto
o insondável
minério

*

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

desastre

líria porto

pelos caminhos curvos acidentados perigosos
corações confusos olhares turvos
gestos descuidados

*

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

para o bem e para o mal

líria porto

não fora a loucura de alguns
o mundo seria como no dia
da criação

*

re_banho

líria porto

de anágua
deixava-o perplexo e nem percebia
que ele a comparava
co'as cabritas

a moça n'água

*

adolescência

líria porto

rosa tinha cravo
eu tinha espinha

*

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

(in)compatíveis

líria porto

de todos os defeitos
o que mais combato
é esse teu hábito
de apontar defeitos

de todas as virtudes
a que mais aprovas
é minha vontade
de te perdoar

postos na balança
tantos prós e contras
seguimos tecendo
nosso faz de conta

até quando?

*

domingo, 5 de agosto de 2007

caracol

líria porto

fisgada na língua 
igual um anzol

um susto uma cisma 
como um semancol

quem fala com rima 
tal qual girassol

caminha num círculo 
não vê o arrebol

*

milenar

líria porto

a pedra é dura
a pedra é jura
a pedra é fé

a chuva é leve
a chuva é breve
a chuva é reza

a vida é densa
a vida é bênção
a vida é

*

sábado, 4 de agosto de 2007

flores

líria porto

ao subir a minha serra
pergunto ao ipê amarelo
por que sóis?

*

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

orgulho

líria porto

eu mesma me curo desobstruo os canais
renovo os caminhos

se acaso há fissuras as talas do brio
seguram a estrutura

estou quase

*

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

prosa de canteiro

líria porto

a borboleta amarela
parece ter duas pétalas
no lugar das suas asinhas

voa ali perto das rosas
tão bonitas tão cheirosas
e todo dia as visita

as rosas têm o perfume
a borboleta o costume
de levar boas notícias
:
caras rosas ainda ontem
ao voar com os colibris
encontrei as margaridas

estão bem borboletinha?
sim estão  mas perfumosas
só conheço as senhoritas

*

quarta-feira, 25 de julho de 2007

trêmula

líria porto

chuva
tarde cinzenta
calafrio
:
igual girassol
vivo à cata
de luz

de calor

*

assad abrahão porto

líria porto

um nome assim tão bonito
um homem assim tão bonito
um afeto assim tão bonito
partiu um dia do líbano
veio morar no brasil
e foi meu padrinho/avô

*

orfandade

líria porto

peito murcho
desmame precoce
olhos caídos
braços imensos
vácuo no estômago
fome
abandono

*

quinta-feira, 19 de julho de 2007

almofariz

líria porto

o rei – um leão
tinha filhos sem estirpe
:
cobranças comparações
e os moços perdem
a excelência

*

terça-feira, 17 de julho de 2007

houve um olhar

líria porto

o crepúsculo cobre-me os ombros
corro para casa

a tarde cerra as pálpebras
as noites prolongam-se

então estendo os braços
tento alcançar o amanhã

*

segunda-feira, 16 de julho de 2007

bem-te-vi

líria porto

o sol acorda de pantufas
pisa manso no chão da manhã

o galo estica o canto
meu amor pula da cama
:
tem café tem pão
tem queijo minas

*

sábado, 14 de julho de 2007

purificação

líria porto

aquele momento mágico
seguinte ao ápice do gozo
eleva-nos aos altares
ficamos anjos de novo

quem inventou a maldade
sentiu inveja em dobro
não há culpas nem pecados
nesses milagres de alcova

fomos amados
amamo-nos

xô satanás xô

*

sexta-feira, 13 de julho de 2007

preocupação

líria porto

tragédias catástrofes desastres hecatombes
para de me procurar entre os escombros

*

quinta-feira, 12 de julho de 2007

egoísta

líria porto

não te aprumam minhas rimas
não te arrimam minhas brumas

*

flagrante

líria porto

a lua vem de_vagar
quer pegar o sol no pulo

*

apetite

líria porto

à mesa
embaraçam-se as pernas
e emoções vêm à tona

sem pudor nem pejo
olhares gulosos

*

triste

líria porto

chove fino
choro grosso

molho o rosto
perco a rima

dói-me o corpo
e por cima

o amor
              foi-se

*

dama-da-noite

líria porto

sol posto
ela perfuma o corpo e floresce
uma vez por ano

*

terça-feira, 10 de julho de 2007

convite

líria porto

o passado não se faz presente
o futuro é lá na frente
pode ser agora?

*

domingo, 8 de julho de 2007

fome

líria porto

garras a escavar-nos
a puxar-nos dentro
pelo avesso do ser
e do sentir

*

aproveitadores

líria porto

amáveis no início
mostram-se até amorosos
enquanto nos sugam

depois mandam-nos embora
já não temos serventia

*

aquela casa

líria porto

quintal árvores córrego
panelinhas de argila asas
sol céu luar cruzeiro do sul
vizinhos livros amigos
irmãos recém-nascidos
amores brincadeiras
enxurrada
barquinhos de papel
paz alegria infância
mocidade

rua paissandu
44

*

sexta-feira, 6 de julho de 2007

inusitado

líria porto

viver é bom mas cansa
então a gente se senta
e aguenta uns tempos

de repente o genro diz
(nunca foi tão delicado)
minha sogra era uma santa
e encomenda as flores

*

absurdo

líria porto

dormir sob o viaduto
ou no banco do jardim
sem cobrir o corpo
sem forrar a barriga
com um prato de sopa
é inadmissível

*

quinta-feira, 5 de julho de 2007

chefete

líria porto

ele é ele
e azar daquele
que ousar ousar
que quiser querer
que pedir aumento
que se ausentar
que se estrebuchar
que usar cocar
que olhar além

quem empinar o nariz
não for puxa-saco
não rastejar
a ordem é
: cortem-lhe a cabeça

*

inconsciente

líria porto

eu de ti já não sou qualquer fumaça
e pensava que também te esquecera
vieste-me nos sonhos desta noite
rugas no rosto corpo cansado
cabelos gris

tu me sussurravas tão de perto
falavas que morrias de saudade
:
jamais me amaste assim
nos velhos tempos

*

terça-feira, 3 de julho de 2007

vinha

líria porto

poeira vento secura
nada de novo no bronze

os olhos ardem-me e as uvas
são mais promessas
que sonhos

*

segunda-feira, 2 de julho de 2007

a lava ver_de amar_ela

líria porto

trinta e nove graus
pus no nariz e na goela
lenços de papel

*

sábado, 30 de junho de 2007

minério

líria porto

vou te contar quem é
meu querido amigo zé

zé é homem de grandezas
é forte mais do que touro
odeia como o diabo
age igual fazem os deuses

zé sabe de "a" a "z"
pode incluir "k" "w" e "y"
enfrentou já nesta vida
a montanha o precipício

zé quando quer e decide
sai da frente não o impeças
passa qual locomotiva
a arrastar sua espécie

zé é daqueles seres
tu o louvas ou maldizes
às vezes as duas coisas
jamais o desinteresse

zé é minério de minas
não se verga não se entrega
e carrega dentro dentro
um coração de ambrosia

ah
por pouco eu não falava
o zé despreza os poetas
a poesia ele exalta

*

louramanhã

líria porto

nórdica tristonha
aquela que sonha
com mares do sul

o frio desperta
aperta-se o inverno
no último de julho
de um ano
qual_quer-me

*

quinta-feira, 28 de junho de 2007

incômodo

líria porto

nem sai nem fica  permanece
sem documento ou registro
igual um cisco no olho

*

sábado, 23 de junho de 2007

vômitos

líria porto

o susto o ronco o estrondo
o monstro de mil tentáculos

o cheiro forte de enxofre
o rio de lava e gases

o fogo a (es)tragar os montes
o etna o vesúvio

o stromboli

*

haicai

líria porto

a lua crescente
meia taça de sorvete
de creme holandês

*

sexta-feira, 22 de junho de 2007

perpétua

líria porto

pior que a morte
é passar a vida
numa gaiola

*

recomeço

líria porto

o luar é tão bonito
um colírio verdadeiro
a curar os olhos velhos

*

quinta-feira, 21 de junho de 2007

rica

líria porto

meteu-se um raio de sol
entre o orvalho e a folha

pela fração de um segundo
fui a dona do tesouro

*

por trás da nuvem

líria porto

o sol não me olha nos olhos
sua luz é fugidia  parece esconder segredos
ocultar o que fazia

*

serão?

líria porto

quero entender não pergunto
só fico aqui matutava –– saiu ao entardecer
retornou na madrugada entrou sem fazer barulho
co'a cara toda amassada e dois milhões de desculpas

*

sertaneja

líria porto

fui formosa desejada
vesti as flores da chita
o coronel me queria
muito luxo pouca estima

arriei o meu cavalo
gostava de liberdade
fugi em noite de chuva
procurei o meu destino

eu ouvi o berro d'água
puxei baldes da cisterna
conduzi carro de boi
tive amores entre as pernas

capinei muita tristeza
plantei lavoura de filho
fiz farinha fiz polvilho
namorei cabo e soldado

fiquei velha antes do tempo
matei cobra cascavel
defendi a vida a tapa
paguei conta de aluguel

a vida passou corrida
sol quente acabou comigo
tenho pele encarquilhada
e uma pobreza infinita

duma coisa sinto orgulho
o que tive nesta vida
meu casebre minhas asas
não foram favor de rico

*

buraco negro

líria porto

até onde podemos nos aventurar
pressentir nossas crateras e abismos
:
qual a dimensão das nossas
profundezas?

*

canudo

líria porto

sopa mingau atenção
cuidados carinho tudo

queria pedia sugava
regurgitava engolia

buraco-sem-fundo

*

terça-feira, 19 de junho de 2007

escape

líria porto

porque hoje é sábado
dia sem pretexto
toma banho cedo
vai ao bar da esquina
bebe água ardente
petisca tolices

porque hoje é sábado
ronda as cercanias
assobia canta
rebate um sambinha
senta-se à sarjeta
espera as estrelas

porque hoje é sábado
esquece da lida
da carga dos fardos
pedras e espinhos
depois na segunda
retorna à dureza

*

lixo / luxo

líria porto

cambitos fincados em largas botinas
olhos cravados no nada
unhas sujas feridas andrajos
cães porcos mosquitos
plásticos garrafas seringas
restos                          
/
nas igrejas - ouro em demasia

*

domingo, 17 de junho de 2007

amor

líria porto

sinto saudades de ti
do que não fomos
do que não vivemos

eu morro de saudades
do que não seremos

*

ignorância

líria porto

tudo cabe no escuro
inferno paraíso limbo

*

sexta-feira, 15 de junho de 2007

tesouro

líria porto

tão pobres tão ricos
nas piores horas o teu ombro
amigo

*

ma(n)chete

líria porto

à noite não vem
e o dia é morto

*

quinta-feira, 14 de junho de 2007

mensagem

líria porto

eu disse a meu verso triste
que tu percebeste a tristeza que ele tem
o meu verso triste deu-me um breve riso
pediu-me que eu te desse o riso
pois verso pode ser triste
tu não

*

cidade

líria porto

a fumaça ameaça-nos
e as dúvidas - tais quais cataratas
anunciam o acúmulo

postes fios desvios avenidas ruas e curvas
rios de gente de segunda a segunda

*

delícia

líria porto

eu tenho cada desejo
cada ideia tão louca
quero ser batata frita
pra crocar na tua boca

*

favo

líria porto

de tudo que vi
escolhi os teus seios
retirei do entremeio
dentre as pontas em cor
um cadinho de mel
lambuzei minha boca
tinha gosto de uva
depois da chuva

*

quarta-feira, 13 de junho de 2007

haicai

líria porto

no parque do carmo
cerejeiras de okinawa
mulheres de xale

*

haicai

líria porto

fogos de artifício
as estrelas cintilantes
das noites de junho

*

terça-feira, 12 de junho de 2007

uai(s)

líria porto

eu não sabia o sentido
da palavra acepipe

espiei no dicionário
e refinei a saliva

*

tarântula

líria porto

tentam-me os teus tentáculos
entesto-me nestes teréns
transformo-os em tatibitates
em tereterês

*

segunda-feira, 11 de junho de 2007

conquistador

líria porto

a desejar tudo e todos
sem ao menos pensar
que ninguém é dono
de nada

*

percepção

líria porto

para se obter bons versos
lapidá-los a contento
não bastam belas palavras
ou o domínio da pena

além do que os olhos veem
do que o corpo perceba
a alma tem que atuar
como se fora uma antena

*

irracional

líria porto

sentei-me em seu colo
vi na gola polo
marcas de batom

fiquei uma fera
mas também pudera
era a dona da bola

quebrei a raquete
num milhão e sete
ninguém me deteve

foi depois da janta
que o sacripanta
fez-me o que me fez

(virei o capeta)

*

terremotos

líria porto

o leite – o gatinho lambe-o
o pratinho treme

o creme – a menina come-o
a tigela geme

a língua – ela me alisa
o meu corpo freme

(pequenos abalos
sismicos)

*

domingo, 10 de junho de 2007

como vê-las

líria porto

a vida é fogo
a morte - um sopro

*

sexta-feira, 8 de junho de 2007

compaixão

líria porto

quem tem pena de passarinho
é passarinho

*

(paguei o sol no pulo) persistência

líria porto

todo dia
a morte ia
ao cemitério

*

domingo, 3 de junho de 2007

bala pedida

líria porto

quem não morre de amor
morre de câncer

*

descrença

líria porto

democracia é invenção
do demo

*

ensaio

líria porto

os ipês rosa brancos e roxos floriram
os amarelos esperam olhos preparados
para o espetáculo da luz

*

quinta-feira, 31 de maio de 2007

(publicado no livro garimpo - editora lê) - era uma vez

líria porto

as plantas têm sentimentos
se não crês ouve esse causo
num dia de bruma densa
de contrição e de reza
uma flor de miosótis
esbarrou-se no urtigão

ele tímido tão quieto
meio rude meio áspero
ficou todo arrepiado
a flor se emocionou
e o amor improvável
espalhou-se pela terra

a brisa soprou mais fresca
na serra houve uma festa
o mar encrespou-se inteiro
e os dois enamorados
esqueceram as cicatrizes
e foram muito felizes

*

quarta-feira, 30 de maio de 2007

entretantos

líria porto

amar alguém à distância
é como não ter gasolina
o carro é bom é perfeito
porém não sobe a ladeira
fica largado na esquina

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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