líria porto
abriu e fechou o portão
varreu a porta da casa
pôs água na geladeira
deixou a louça lavada
: o moço nada
deu voltas no quarteirão
contou as folhas das árvores
os ninhos dos passarinhos
os buracos na calçada
: o moço nada
gastou sola de sapato
furou as meias que tinha
sentiu fome dor cansaço
quebrou pratos na cozinha
: o moço nada
bateu papo com carteiro
comeu feijão com farinha
tomou banho passou cheiro
vestiu roupa de domingo
: o moço nada
( a sua espera era rasa
larga e funda é a piscina )
*
domingo, 28 de fevereiro de 2010
esquece-me
líria porto
desata minhas palavras
desatarraxa-as dos versos
tira delas o sotaque
os ranços todos da terra
deixa-as como nasceram
gravadas em dicionário
e jamais fales com elas
não passam do que disseste
um amontoados de letras
sem coerência
sem nexo
*
desata minhas palavras
desatarraxa-as dos versos
tira delas o sotaque
os ranços todos da terra
deixa-as como nasceram
gravadas em dicionário
e jamais fales com elas
não passam do que disseste
um amontoados de letras
sem coerência
sem nexo
*
beata
líria porto
acho que nem te lembras
para anelar os cabelos
a moça daqueles tempos
tinha lá os seus fricotes
amarrava papelotes
enrolados com o dedo
depois soltava as madeixas
e bonita como são joão
ia rezar na igreja
(fazia sucesso com os santos)
*
acho que nem te lembras
para anelar os cabelos
a moça daqueles tempos
tinha lá os seus fricotes
amarrava papelotes
enrolados com o dedo
depois soltava as madeixas
e bonita como são joão
ia rezar na igreja
(fazia sucesso com os santos)
*
sábado, 27 de fevereiro de 2010
malu pordioli
líria porto
uma flor pequena
um botão de rosa
uma boniteza
uma formosura
a encher os olhos
da vovó coruja
cuja garatuja
cuja rima suja
é amor em bloco
é amor em floco
é amor insólito
é amor
e só
*
uma flor pequena
um botão de rosa
uma boniteza
uma formosura
a encher os olhos
da vovó coruja
cuja garatuja
cuja rima suja
é amor em bloco
é amor em floco
é amor insólito
é amor
e só
*
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - inocente
líria porto
o prego sem ponta fincado no muro
segura a gaiola do pobre canário
que canta coitado assim solitário
as asas que nunca feriram o azul
*
o prego sem ponta fincado no muro
segura a gaiola do pobre canário
que canta coitado assim solitário
as asas que nunca feriram o azul
*
(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - delírio
líria porto
a minha alma gêmea ela mora em marte
e vagueia solta por entre as estrelas
se há tempestade ou um pé de vento
vem ela dormir em meu travesseiro
a minha alma gêmea dança tão bonito
quando é lua cheia sou eu quem vai lá
rodopiamos doidos pela via láctea
às vezes perdemo-nos pelo infinito
nas noites escuras deixo a porta aberta
a minha alma gêmea vem aqui me ver
leva-me consigo voo em sua nave
só a minha casca fica presa à terra
a minha alma gêmea fez-me prometer
quando ela puder quando eu precisar
vai me transportar carregar meu corpo
vou morar em marte de uma vez por todas
acaso ouças risos ou vozes alegres
barulho de guizo ou de cachoeira
é minha alma gêmea a brincar comigo
a contar-me histórias sobre a lua cheia
então eu te peço –– não chores
abre a janela
*
a minha alma gêmea ela mora em marte
e vagueia solta por entre as estrelas
se há tempestade ou um pé de vento
vem ela dormir em meu travesseiro
a minha alma gêmea dança tão bonito
quando é lua cheia sou eu quem vai lá
rodopiamos doidos pela via láctea
às vezes perdemo-nos pelo infinito
nas noites escuras deixo a porta aberta
a minha alma gêmea vem aqui me ver
leva-me consigo voo em sua nave
só a minha casca fica presa à terra
a minha alma gêmea fez-me prometer
quando ela puder quando eu precisar
vai me transportar carregar meu corpo
vou morar em marte de uma vez por todas
acaso ouças risos ou vozes alegres
barulho de guizo ou de cachoeira
é minha alma gêmea a brincar comigo
a contar-me histórias sobre a lua cheia
então eu te peço –– não chores
abre a janela
*
das rugas e cabelos gris
líria porto
viver é um jogo de esconde-esconde
e depende do valor que se atribui
às coisas desimportantes
*
viver é um jogo de esconde-esconde
e depende do valor que se atribui
às coisas desimportantes
*
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
simplesmente
líria porto
ando do meu modo vivo do meu jeito
e não me incomodo com o olhar alheio
:
feio é ser infeliz
*
ando do meu modo vivo do meu jeito
e não me incomodo com o olhar alheio
:
feio é ser infeliz
*
perdida
líria porto
por aí os sapatos os brincos
os anéis a pulseira a saia a blusa a calcinha a cabeça
o cabaço o útero
(consigo
a nudez)
*
por aí os sapatos os brincos
os anéis a pulseira a saia a blusa a calcinha a cabeça
o cabaço o útero
(consigo
a nudez)
*
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
ao molho pardo
líria porto
cozidas em sangue
temperadas com cebola e alho
mastigo-as pelo menos trinta vezes
mais espessas que a saliva
bem melhores que os sermões do padre
ficam mais palatáveis
(houve um tempo de palavras indigestas)
*
temperadas com cebola e alho
mastigo-as pelo menos trinta vezes
mais espessas que a saliva
bem melhores que os sermões do padre
ficam mais palatáveis
(houve um tempo de palavras indigestas)
*
sofismas
líria porto
a tua verdade
diferente da minha
é mentira deslavada
para a gente da rua
a minha verdade
diferente das outras
é mesmo falsidade
em boca de lobo
a verdade da mídia
diferente da nossa
é sensacionalista
é insidiosa
enfim e em resumo
presumo – a verdade
se é que ela existe
não tem propriedade
ou é hipócrita
*
a tua verdade
diferente da minha
é mentira deslavada
para a gente da rua
a minha verdade
diferente das outras
é mesmo falsidade
em boca de lobo
a verdade da mídia
diferente da nossa
é sensacionalista
é insidiosa
enfim e em resumo
presumo – a verdade
se é que ela existe
não tem propriedade
ou é hipócrita
*
banho
líria porto
o morno a espuma o cheiro
circundaram-me o corpo
tais como as conchas resguardam
as pérolas
a água entre as pernas
estava alegre
*
o morno a espuma o cheiro
circundaram-me o corpo
tais como as conchas resguardam
as pérolas
a água entre as pernas
estava alegre
*
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
acres e ocres
líria porto
emoções ficam guardadas
rancores ódios e mágoas
a raiva insiste persiste
represada inesgotável
*
emoções ficam guardadas
rancores ódios e mágoas
a raiva insiste persiste
represada inesgotável
*
o segundo filho
líria porto
fora do foco dos olhares
embora necessitado de cuidados
faz o que se lhe dá na telha
voa além dos muros
*
fora do foco dos olhares
embora necessitado de cuidados
faz o que se lhe dá na telha
voa além dos muros
*
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
dos dois lados da avenida
líria porto
mariposas e borboletas
para voos horizontais
a preços convidativos
lobos solitários - predadores
ou cobaias?
*
mariposas e borboletas
para voos horizontais
a preços convidativos
lobos solitários - predadores
ou cobaias?
*
domingo, 21 de fevereiro de 2010
lucubrações
líria porto
ser apenas pensamento
a vencer distâncias obstáculos
zanzar pelo mundo
sem arredar
o pé
*
ser apenas pensamento
a vencer distâncias obstáculos
zanzar pelo mundo
sem arredar
o pé
*
sábado, 20 de fevereiro de 2010
lapidação
líria porto
retirar dos versos letras palavras
vírgulas reticências
quando só lhes restar a linha do horizonte
amarrar o poema como arraia e deixá-lo
ao vento
*
retirar dos versos letras palavras
vírgulas reticências
quando só lhes restar a linha do horizonte
amarrar o poema como arraia e deixá-lo
ao vento
*
entrega
líria porto
mil línguas lambiam-me as pernas
o mar ia e vinha entrava saía
sugava-me
eu branca molhada
bebia-lhe a espuma
*
mil línguas lambiam-me as pernas
o mar ia e vinha entrava saía
sugava-me
eu branca molhada
bebia-lhe a espuma
*
o mar
líria porto
o corpo não para
vai e volta vai e volta vai e volta
guarda a história das viagens dos naufrágios
das fragatas dos piratas das sereias
joga-se sobre a areia sobre os rochedos
sem se enraizar
*
o corpo não para
vai e volta vai e volta vai e volta
guarda a história das viagens dos naufrágios
das fragatas dos piratas das sereias
joga-se sobre a areia sobre os rochedos
sem se enraizar
*
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
asas
líria porto
poeta não morre - finge
fica vivinho da silva
veste-se de passarinho
e põe-se a cantar
*
poeta não morre - finge
fica vivinho da silva
veste-se de passarinho
e põe-se a cantar
*
trâmites
líria porto
com quantos desvios
se faz uma curva
com quantas mentiras
se formam as dúvidas
com quantas verdades
sobrevivemos?
*
com quantos desvios
se faz uma curva
com quantas mentiras
se formam as dúvidas
com quantas verdades
sobrevivemos?
*
em silêncio
líria porto
não sumi - sou a sombra que te segue
forra os buracos retira os espinhos as pedras
sou quem alisa teu chão
*
não sumi - sou a sombra que te segue
forra os buracos retira os espinhos as pedras
sou quem alisa teu chão
*
não chores meu bem
líria porto
dói-me a tua dor - me dilacera
segura minha mão
quisera ter o bálsamo algum remédio
deita-te em meu colo aquieta-te
espera o sol
as noites são breves
*
dói-me a tua dor - me dilacera
segura minha mão
quisera ter o bálsamo algum remédio
deita-te em meu colo aquieta-te
espera o sol
as noites são breves
*
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
passas
líria porto
o coração quando seca
deixa vestígios no entorno
a pele se empalidece
perde-se o viço o vigor
nossas palavras encrespam-se
os olhos se desvanecem
o destino se esfarela
o amor vive de ontens
*
o coração quando seca
deixa vestígios no entorno
a pele se empalidece
perde-se o viço o vigor
nossas palavras encrespam-se
os olhos se desvanecem
o destino se esfarela
o amor vive de ontens
*
as botinas
líria porto
mamãe não admitia
menino descalço
mandava fazer botinas
com seis botões laterais
e casas apertadíssimas
num sapateiro
o seu di
(des)usá-las todo dia
demandava ferramenta
um metal de ponta curva
qual agulha de crochê
(tortura que ainda carrego
até hoje piso prego)
*
mamãe não admitia
menino descalço
mandava fazer botinas
com seis botões laterais
e casas apertadíssimas
num sapateiro
o seu di
(des)usá-las todo dia
demandava ferramenta
um metal de ponta curva
qual agulha de crochê
(tortura que ainda carrego
até hoje piso prego)
*
relâmpagos (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)
líria porto
para espantar o medo
mamãe queimava fragmentos de folhas de coqueiro
bentos na missa de ramos
sobreviventes do dilúvio
en_cantos da cozinha
dávamos gargalhadas
*
para espantar o medo
mamãe queimava fragmentos de folhas de coqueiro
bentos na missa de ramos
sobreviventes do dilúvio
en_cantos da cozinha
dávamos gargalhadas
*
(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - contabilidade
líria porto
vovó viu mais de mil luas
meu pai umas novecentas
minha irmã só a metade
mamãe já não conta as suas
eu passo de setecentas
mas não tenho previsão
e as luas que eu não vir
os meus netos cantarão
vovó viu mais de mil luas
meu pai umas novecentas
minha irmã só a metade
mamãe já não conta as suas
eu passo de setecentas
mas não tenho previsão
e as luas que eu não vir
os meus netos cantarão
*
animação
líria porto
é maraca ou castanhola o que toca a persiana
quando o vento venta e bole
em suas lâminas?
*
é maraca ou castanhola o que toca a persiana
quando o vento venta e bole
em suas lâminas?
*
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
sem-vergonha
líria porto
pensa-se planeja-se
calcula-se
põe o coração tudo a perder
:
procura por quem não deve
ama quem não lhe convém
padece o desgraçado
e nem bem se cura
repete todas as loucuras
todas as excrescências
*
pensa-se planeja-se
calcula-se
põe o coração tudo a perder
:
procura por quem não deve
ama quem não lhe convém
padece o desgraçado
e nem bem se cura
repete todas as loucuras
todas as excrescências
*
(publicado no livro olho nu - ed. patuá) rebanho
líria porto
há almas
que marcam nosso corpo
com ferro e fogo
há corpos
que fincam em nossa alma
a eternidade
*
há almas
que marcam nosso corpo
com ferro e fogo
há corpos
que fincam em nossa alma
a eternidade
*
as_salto
líria porto
meu estro virou farinha
sou caçador de arma em punho
no sequestro da palavra que definha
*
sou caçador de arma em punho
no sequestro da palavra que definha
*
inesquecível
líria porto
dure-me o tempo da memória
o saber dos fatos recordar quem fomos
quero relembrar cada detalhe
cada pedacinho à nossa sombra
*
dure-me o tempo da memória
o saber dos fatos recordar quem fomos
quero relembrar cada detalhe
cada pedacinho à nossa sombra
*
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
arruma a rima
líria porto
eu era muito pequena
sofri sentença de morte
escapei de mim ilesa
assim começa a história
o sangue tinto da uva
nestas noites de seresta
traz a lua diamantina
às horas nossas de tédio
as pedras da vida estreitam
os caminhos do destino
saudades furam-me os olhos
tempos duros – de ostracismo
as folhas todas da árvore
ficaram da cor da palha
onde foi parar o verde
está em greve ou de férias?
a caixa d'água do céu
derramou noite inteirinha
respingou no meu ouvido
um batuque repetido
no chão rolou minha rima
quebrou verso na calçada
ô bicho besta é poeta
faz poesia do nada
*
eu era muito pequena
sofri sentença de morte
escapei de mim ilesa
assim começa a história
o sangue tinto da uva
nestas noites de seresta
traz a lua diamantina
às horas nossas de tédio
as pedras da vida estreitam
os caminhos do destino
saudades furam-me os olhos
tempos duros – de ostracismo
as folhas todas da árvore
ficaram da cor da palha
onde foi parar o verde
está em greve ou de férias?
a caixa d'água do céu
derramou noite inteirinha
respingou no meu ouvido
um batuque repetido
no chão rolou minha rima
quebrou verso na calçada
ô bicho besta é poeta
faz poesia do nada
*
(publicado no livro garimpo - editora lê) - raso
líria porto
poeta de letras minúsculas
sem rama remo rima rumo
roma londres paris
louvre lavra
livro
(sábio é o sabiá
que canta e voa
sem mensurar as asas
a voz
a imensidão)
*
poeta de letras minúsculas
sem rama remo rima rumo
roma londres paris
louvre lavra
livro
(sábio é o sabiá
que canta e voa
sem mensurar as asas
a voz
a imensidão)
*
projeções
líria porto
nunca é o tempo definitivo
põe-se ferro cimento pedra sobre as possibilidades
as brechas se fecham inexoráveis
sempre é o tempo infinito repleto de certezas
haja sol vento chuva frio calor sereno
mantém-se intocável o compromisso
talvez é o tempo maleável
a medida do possível –– pode ser pode não ser
quem sabe?
*
nunca é o tempo definitivo
põe-se ferro cimento pedra sobre as possibilidades
as brechas se fecham inexoráveis
sempre é o tempo infinito repleto de certezas
haja sol vento chuva frio calor sereno
mantém-se intocável o compromisso
talvez é o tempo maleável
a medida do possível –– pode ser pode não ser
quem sabe?
*
gatunos
líria porto
alguns agem no escuro
roubam caixas eletrônicos
outros à luz do dia assaltam
o erário público
*
alguns agem no escuro
roubam caixas eletrônicos
outros à luz do dia assaltam
o erário público
*
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
no carnaval
líria porto
transito de arlequim –– triste / sorridente
a máscara do amor tem a cor
da véspera
*
transito de arlequim –– triste / sorridente
a máscara do amor tem a cor
da véspera
*
divagar
líria porto
entrego-me por certo
unhas azuis cabelos furta-cor
ofereço-me reclamo-te
dir-me-ás
o carnaval já passou
desfilas versos lerdos
sequer engatinhas boas rimas
dir-te-ei
mesmo em cinzas
engatilho amor
*
entrego-me por certo
unhas azuis cabelos furta-cor
ofereço-me reclamo-te
dir-me-ás
o carnaval já passou
desfilas versos lerdos
sequer engatinhas boas rimas
dir-te-ei
mesmo em cinzas
engatilho amor
*
para inglês ler
líria porto
no começo
ao menos trinta vezes por mês
depois rareamos
chegamos a uma por ano
e temos amantes
dormimos na mesma cama
mantemos sérios diálogos
não nos falta assunto
vamos a teatros restaurantes
amigos nos admiram
e assim prosseguimos
até que a morte nos junte
*
no começo
ao menos trinta vezes por mês
depois rareamos
chegamos a uma por ano
e temos amantes
dormimos na mesma cama
mantemos sérios diálogos
não nos falta assunto
vamos a teatros restaurantes
amigos nos admiram
e assim prosseguimos
até que a morte nos junte
*
domingo, 14 de fevereiro de 2010
em tinta acrílica
líria porto
(escorrer do peito
brotar das entranhas
um riacho um leito
todas as montanhas)
caminhar a estrada
percorrer o trilho
com os pés em sangue
misturar nas pedras
luar e martírio
(ter o dom das flores
pelas suas cores
e sugar da terra
o que ela encerra)
tocar as estrelas
extrair o brilho
e com ferro e fogo
produzir minério
areia do rio
(desse parto a fórceps
beber poesia
e num gesto breve
dar-se à luz)
*
(escorrer do peito
brotar das entranhas
um riacho um leito
todas as montanhas)
caminhar a estrada
percorrer o trilho
com os pés em sangue
misturar nas pedras
luar e martírio
(ter o dom das flores
pelas suas cores
e sugar da terra
o que ela encerra)
tocar as estrelas
extrair o brilho
e com ferro e fogo
produzir minério
areia do rio
(desse parto a fórceps
beber poesia
e num gesto breve
dar-se à luz)
*
frenagem
líria porto
com o tempo
encurtamos
os passos
:
pressa para quê
se no fim da estrada
a terra nos espera
com sua bocarra
*
com o tempo
encurtamos
os passos
:
pressa para quê
se no fim da estrada
a terra nos espera
com sua bocarra
*
sábado, 13 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
ao homem do coração de pedra
líria porto
ser_tão arenoso – resisti ao desamor
sou mandacaru capaz de florir
de forrar a sede e a fome
*
ser_tão arenoso – resisti ao desamor
sou mandacaru capaz de florir
de forrar a sede e a fome
*
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
para embalar o sono
líria porto
a chuva fininha caiu noite inteira
molhou o telhado desceu pelas calhas
cantava a toada das águas bem-vindas
uma vez eu ouvia outra vez cochilava
e a chuva chovia chovia
enxurrava-me
*
a chuva fininha caiu noite inteira
molhou o telhado desceu pelas calhas
cantava a toada das águas bem-vindas
uma vez eu ouvia outra vez cochilava
e a chuva chovia chovia
enxurrava-me
*
lar doce largo
líria porto
casa boa é aquela que espera teu corpo
com braços abertos macios e cômodos
*
casa boa é aquela que espera teu corpo
com braços abertos macios e cômodos
*
de (não) saber
líria porto
nem tudo que reluz sou eu
dizia o sol con_vencido
a lua ria no céu
conhece bem as estrelas
*
nem tudo que reluz sou eu
dizia o sol con_vencido
a lua ria no céu
conhece bem as estrelas
*
simplesmente
líria porto
devagar ia seu corpo
de vagar a sua alma
vovó não fazia esforço
de existir se (a)bastava
*
devagar ia seu corpo
de vagar a sua alma
vovó não fazia esforço
de existir se (a)bastava
*
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
ousadia
líria porto
já outono quase inverno
cravo-te olhares fixos
:
rosas-te ensimesmado
ante a petulância
*
já outono quase inverno
cravo-te olhares fixos
:
rosas-te ensimesmado
ante a petulância
*
versos periféricos
líria porto
quem tinha cama quentinha
devia ter me chamado
eu levava u'a marmita
uma colher e um garfo
fazia-lhe cafuné
e também gato
e sapato
o céu é perto
é lua nua qualquer
a dormir do nosso lado
um sorriso de moleque
um barraco uma coberta
um aperto nas costelas
um meu amor venha cá
não me deixe nesse inverno
um vou embora
não vá
*
quem tinha cama quentinha
devia ter me chamado
eu levava u'a marmita
uma colher e um garfo
fazia-lhe cafuné
e também gato
e sapato
o céu é perto
é lua nua qualquer
a dormir do nosso lado
um sorriso de moleque
um barraco uma coberta
um aperto nas costelas
um meu amor venha cá
não me deixe nesse inverno
um vou embora
não vá
*
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
overdose
líria porto
acharam balas perdidas
no corpo do diabético
de morango bem se diga
ele morreu por excesso
*
acharam balas perdidas
no corpo do diabético
de morango bem se diga
ele morreu por excesso
*
imãs
líria porto
a lua o sol
um contra-senso
tolos nós dois
nós nos perdemos
a hera verde
lá no telhado
parece abraço
de namorado
chega de manso
recobre o topo
agora é tudo
o tempo todo
a vida passa
as horas voam
és tu o rio
sou a canoa
(nem cá embaixo
nem lá em cima
fica no peito
a nossa rima)
*
a lua o sol
um contra-senso
tolos nós dois
nós nos perdemos
a hera verde
lá no telhado
parece abraço
de namorado
chega de manso
recobre o topo
agora é tudo
o tempo todo
a vida passa
as horas voam
és tu o rio
sou a canoa
(nem cá embaixo
nem lá em cima
fica no peito
a nossa rima)
*
registro - um poema pra roberto lima
líria porto
rodei qual barata tonta
para achar o tal destino
porém ao entrar no ninho
tinha tanto passarinho
canto lindo interessante
pé-de-porco recheado
cachaça de pedra azul
papo bom prosa afiada
que a ida no dona clara
um lugar de luz e estrelas
na verdade um céu aberto
era mesmo o paraíso
amigos são anjos
(de chifre e rabo não importa)
(re)conhecem as nossas trilhas
nossas janelas e portas
*
rodei qual barata tonta
para achar o tal destino
porém ao entrar no ninho
tinha tanto passarinho
canto lindo interessante
pé-de-porco recheado
cachaça de pedra azul
papo bom prosa afiada
que a ida no dona clara
um lugar de luz e estrelas
na verdade um céu aberto
era mesmo o paraíso
amigos são anjos
(de chifre e rabo não importa)
(re)conhecem as nossas trilhas
nossas janelas e portas
*
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
necessidades
líria porto
as carências obtusas
inconscientes extremadas
produzem estragos fissuras
atos invertebrados
transformam-nos em moluscos
minúsculos cabisbaixos
a contentar-nos com tudo
esmolas ciscos migalhas
fingimentos olhares dúbios
desprezos lixo
andrajos
*
as carências obtusas
inconscientes extremadas
produzem estragos fissuras
atos invertebrados
transformam-nos em moluscos
minúsculos cabisbaixos
a contentar-nos com tudo
esmolas ciscos migalhas
fingimentos olhares dúbios
desprezos lixo
andrajos
*
domingo, 7 de fevereiro de 2010
a comadre de minha mãe
líria porto
a lua decretou – é minha
e virou madrinha
eu sorria
ela me aluava
eu chorava
ela me aluía
eu sentia
ela me alava
enluarar
é destino
*
a lua decretou – é minha
e virou madrinha
eu sorria
ela me aluava
eu chorava
ela me aluía
eu sentia
ela me alava
enluarar
é destino
*
dos poetas - esses seres dúbios
líria porto
tão imensos
tão sem cabimento
amores (im)possíveis
passíveis de (uni)versos
*
tão imensos
tão sem cabimento
amores (im)possíveis
passíveis de (uni)versos
*
sábado, 6 de fevereiro de 2010
(publicado no livro garimpo - editora lê) - indiferença
líria porto
eu contei ao vento
o quanto sofria
ele prosseguiu
não voltou atrás
não soprou ameno
nem olhou ao menos
a minha ferida
o erro foi meu
escolhi o vento
para meu amigo
ele corre sempre
ele passa rápido
nunca fala nada
nem sabe que existo
*
eu contei ao vento
o quanto sofria
ele prosseguiu
não voltou atrás
não soprou ameno
nem olhou ao menos
a minha ferida
o erro foi meu
escolhi o vento
para meu amigo
ele corre sempre
ele passa rápido
nunca fala nada
nem sabe que existo
*
restaurador de ossos
líria porto
o corredor quem dá conta
de quase todos os passos
refaz-nos o inventário
anota-nos ano a ano
:
já nos viu de todo jeito
sonhadores esperançosos
tristonhos ou solitários
conheceu-nos bem mais jovens
saindo para o trabalho
no retorno de um passeio
de volta ao nosso íntimo
ao frio do nosso eu
(o seu olhar
agasalha-nos)
*
o corredor quem dá conta
de quase todos os passos
refaz-nos o inventário
anota-nos ano a ano
:
já nos viu de todo jeito
sonhadores esperançosos
tristonhos ou solitários
conheceu-nos bem mais jovens
saindo para o trabalho
no retorno de um passeio
de volta ao nosso íntimo
ao frio do nosso eu
(o seu olhar
agasalha-nos)
*
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
pedregulho
líria porto
deito-me em teu leito
afundo-me nos teus braços
rio-me
(transbordam-me
os lençóis d'água)
*
deito-me em teu leito
afundo-me nos teus braços
rio-me
(transbordam-me
os lençóis d'água)
*
distanciameno
líria porto
meu amor jamais se solta
do cinto de segurança
seu abraço não dá voltas
e nem me fitam
meu amor jamais se solta
do cinto de segurança
seu abraço não dá voltas
e nem me fitam
os seus olhos
*
*
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
longe é perto
líria porto
estradas sinuosas curvas
reservam-nos supresas
umas perigosas
outras de beleza absoluta
*
estradas sinuosas curvas
reservam-nos supresas
umas perigosas
outras de beleza absoluta
*
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
porre
líria porto
tropeçou na vida cedo
entornou a sua taça
então bebeu no gargalo
a cachaça de primeira
de segunda de terceira
sorveu álcool gasolina
bagaceira calibrina
e por um triz não tomava
tropeçou na vida cedo
entornou a sua taça
então bebeu no gargalo
a cachaça de primeira
de segunda de terceira
sorveu álcool gasolina
bagaceira calibrina
e por um triz não tomava
a dose de estricnina
*
flora de angola
líria porto
amou alguém
que só amava a si mesmo
vagava qual folha seca
perdeu o viço de árvore
o vento
alcoviteiro de praxe
levou-a pra outros braços
floriu buquês de acácias
*
amou alguém
que só amava a si mesmo
vagava qual folha seca
perdeu o viço de árvore
o vento
alcoviteiro de praxe
levou-a pra outros braços
floriu buquês de acácias
*
pendurados por um frio
líria porto
ficamos velhos
e isso não é sorte
nem azar
como pêndulos
nossos corpos é que marcam
nosso tempo
c'est la vie
*
ficamos velhos
e isso não é sorte
nem azar
como pêndulos
nossos corpos é que marcam
nosso tempo
c'est la vie
*
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
o amante
líria porto
saía da concha
áspera por fora
por dentro uma seda
lembrava-se dele
daquele sem-vergonha
ele vinha
brincava com ela
de frente de costas
deixava nas fronhas
a pressa o riso
a promessa
retornava
para onde lhe lavavam
as cuecas
*
saía da concha
áspera por fora
por dentro uma seda
lembrava-se dele
daquele sem-vergonha
ele vinha
brincava com ela
de frente de costas
deixava nas fronhas
a pressa o riso
a promessa
retornava
para onde lhe lavavam
as cuecas
*
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
o perfeccionista
líria porto
caminha atrás de si mesmo
para ver se anda direito
se não entorta a coluna
se está despenteado
bem aparada sua nuca
se lhe resta algum cisco
alguma caspa no ombro
alguma cisma
depois se olha de frente
ajeita ou troca a gravata
lustra os óculos outra vez
verifica o que há na pasta
nos bolsos do paletó
passa um pano nos sapatos
volta ao espelho penteia-se
e sai desconfiado
*
caminha atrás de si mesmo
para ver se anda direito
se não entorta a coluna
se está despenteado
bem aparada sua nuca
se lhe resta algum cisco
alguma caspa no ombro
alguma cisma
depois se olha de frente
ajeita ou troca a gravata
lustra os óculos outra vez
verifica o que há na pasta
nos bolsos do paletó
passa um pano nos sapatos
volta ao espelho penteia-se
e sai desconfiado
*
meu templo
líria porto
no sopé todos os homens no topo todos os sonhos
em ti –– montanha –– o amor e o ódio a coragem e o medo
o tempo a sabedoria
entregas-te ao brilho das estrelas
ao beijo da lua ao canto dos pássaros à súplica do pecador
resistes ao vento às tempestades ao sol escaldante
no sopé todos os homens no topo todos os sonhos
em ti –– montanha –– o amor e o ódio a coragem e o medo
o tempo a sabedoria
entregas-te ao brilho das estrelas
ao beijo da lua ao canto dos pássaros à súplica do pecador
resistes ao vento às tempestades ao sol escaldante
fascinam-me o teu manto verde as tuas rochas
a tua pétrea paciência
caminho de um lado a outro
e busco a força que me falta
a tua pétrea paciência
caminho de um lado a outro
e busco a força que me falta
prostro-me a teus pés penitencio-me rezo
choro de saudade
*
choro de saudade
*
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