segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

aprendiz

líria porto

olha a lagartixa
ela pula rebola espia
espicha-se

oh
que coisa horrorosa
vovó

florinha
beleza não é tudo

*

domingo, 28 de dezembro de 2008

(para o livro sem pecado não tem salvação) ilhados

líria porto

cercados de poesia
por todos os lábios

*

trottoir

líria porto

tanto tato
nem tocavam no assunto
enquanto eu torcia
por um tête-à-tête
entre a puta
e o santo

*

travessura

líria porto

amarrar numa vara uma lata ou um balde
cutucar a mangueira no quintal do vizinho
e de alma amarela pescar o caldo

*

plebeu

líria porto

deu-se mal
ao parecer
diferente
du_que
era

: quebrou a cláusula

*

sábado, 27 de dezembro de 2008

lucius

líria porto

peixe d'água doce
olhos grandes
carnívoro quieto
fartos bigodes
dentes afiados
predador

(onde amarrei meu berro?)

*

noiva

líria porto

a chuva estende
sobre o leito do rio
um lençol d'água

*

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

rabanadas

líria porto

sonhos fritos
causam pesadelo

*

unguento

líria porto

vivi muito aprendi a curar feridas
devo e quero lamber as crias

(seja minha a dor de existir)

*

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

catirina

líria porto

desta fenestra
fresta funesta
a vida não presta

bom é o meio
o seio o recheio
o veio o pomo
o povo

bumba-meu-boi

*

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

na bacia das almas

líria porto

precisa toque retoque
uma demão de vermelho
uns afetos no recheio
:
aproveitem a pechincha
liquido meu coração

(a circunstância é propícia
e também o objetivo)

*

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

a nuvem balofa

líria porto

vivia aluada
não tinha juízo
qualquer vento fraco
jogava-a de um lado
a outro

um dia essa fofa
tão triste tão triste
chorou um bocado
e de lágrima em lágrima
chuviscou

*

fome

líria porto

gostemos ou não
somos cães à procura
de osso

*

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

batalhas

líria porto

cada qual com suas tralhas
bagulhos silêncios barulhos
não me deixes tua cruz

já arrasto meus pedaços
minhas penas minhas plumas
meus fracassos

*

ajuste

líria porto

o silêncio tece o verso
então eu te peço
não fales
deixa o galo acordar
a aurora guardar as pantufas
o sol clarear e o relógio 
acertar o meu tempo

*

domingo, 21 de dezembro de 2008

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) teatral

líria porto

vestida de renda
tirana me ronda
eu não me rendo

finjo-me estátua
ela passa e desatenta
carrega outro

fim do primeiro ato

*

sábado, 20 de dezembro de 2008

consumo

líria porto

gosta gasta e o gesto
custa-lhe o pasto de um ano
:
doze pancadas mensais

*

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

chega de chuva

líria porto

o sol chega
tímido
a pedir licença
santa paciência puxa-o
:
entra senta-te
queres pouso?

*

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

solitária

líria porto

as ruas seduzem-na
a cidade a devora

lombriga dentro das tripas
à noite tem função

*

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

caótico

líria porto

caos caso ocaso acaso descaso
avesso inverso inverno inferno
céu

e no meio da pedra
o caminho

*

insânia

líria porto

a nuvem despenca produz cada estrago
não tem quem segure essa doida
ela passa entre os dedos dos santos dos anjos
até do capeta –– nem parece a chuva pacata
que tecla os telhados no mês de novembro

*

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - reforma

líria porto

quando a lüa tinha trema
e camões lindamente a descrevia
quisera ter nascido no fonema
da extremada lüa que o estremecia

*

dúbia

líria porto

a poesia me salva me serve me situa me solta me supre
mas porém me sacaneia segrega sitia solapa
subjuga

*

deboche

líria porto

já fui moço
corpo firme
pele lisa
nunca tão tolo
ou com firulas
:
velho sim
jamais pacóvio

*

sol d'inverno

líria porto

chega sem aviso entra sem bater
deita sobre o corpo e como um posseiro
finca bandeira

esvai-se na hora
do gozo

*

escorrega_dor

líria porto

o poeta
senta no arco-íris
e desliza

*

obtuso

líria porto

vasculha
interpreta à sua maneira
fala sobre tudo que sequer entende

*

virada pra lua

líria porto

toda vez que preciso
um anjo me acode
tanta sorte faz-me
rica

*

estampa

líria porto

a chuva lambe a terra
arrepia-a e põe flor
nos seus cabelos verdes

: que moça moderna

*

domingo, 14 de dezembro de 2008

vadia

líria porto

de segunda a sábado veste-se de seda
no domingo fica nua

inspiro expiro suspiro transpiro espero
e – palavra – a poesia se me nega

*

às claras

líria porto

o que arde  faz alarde
(embora eu me acovarde)
é a vontade de dizer-te
vem

(não tenho coragem)

*

cosméticos

líria porto

os dias se sucedem
e nesta toada
só a velha lua
fica nova

*

sábado, 13 de dezembro de 2008

necessidade

líria porto

poeta é passarinho
aterrissa quando tem sede fome
ou asas partidas

*

arrulhos

líria porto

o vento pede a persiana fala  para para
não podes não podes não me faças cócegas
tem cuidado com as minhas lâminas

*

(para o livro sem pecado não tem salvação) a trepadeira

líria porto

cresceu
espalhou-se
pulou o muro

foi mostrar a flor
pra deus e o mundo

*

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

pé de vento

líria porto

eu nem bem piscava era sexta-feira
esta que me olha eu não sei quem sou
pois criança brinco com espelho velho
:
vida apressadinha –– tu me desesperas
puxas meu tapete no melhor
da festa

*

desejo

líria porto

tu pensas morreu –– ei-lo
fagulha em mato seco metido
no teu leito

*

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

vento

líria porto

não vou te esquecer
só se eu tiver alzheimer

caso aconteça
ao tocares-me
sopra as cinzas

*

nu achar das amigas

líria porto

brincadeiras
cirandas
amarelinhas
lembranças
ficamos velhas

desmanchá-las
tecê-las
manchá-las
sê-las
achá-las belas

bebê-las
(as nuances)

*

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

carências

líria porto

reclama exige lamenta-se
quer atenção redobrada

então fica só
e sem nada

*

disparo

líria porto

não tiro de letra
tiro de palavra

de sentença

*

perda de tempo

líria porto

quem quiser ganhar no grito vai ficar rouco
tenho ouvidos moucos para apito

*

conquista

líria porto

alisa do lado de lá
alisa do lado de cá
arruma as penas
sacode o corpo a cabeça
abre o bico pisca
me olha

: oh

sabiá sabe de mim?

*

cachaça

líria porto

posso?
:
impossível - dessa boi não bebe
e nem passarinho

*

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

teatro

líria porto

um no palco um na plateia
ele rei ela plebeia

(pode ser que haja vaia)

*

sábado, 6 de dezembro de 2008

búuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu

líria porto
rola pro outro lado
cobre a cabeça com lençol
medo medo medo
encolhe o tronco as pernas
pesadelo pesadelo pesadelo
mais parece um feto

(defuntos
puxam-lhe
o pé)
acorda sem fôlego
ufa

*

resplendor

líria porto

a floresta de estrelas que vejo do mato
em nada se compara ao deserto
da cidade

(na roça
as noites são bordadas)

*

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

meio pedra meio tijolo

líria porto

mundo estúpido
vida sem sentido
olho o espelho
vejo um velho
jeito trôpego
riso cético
busco um copo
encho a cara
:
hoje tem espetáculo?

*

fim

líria porto

dentro em pouco
um pé juntinho do outro
e com a roupa do corpo

*

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

pasta

líria porto

perdeu amá-la
e sem roupa sozinho
fechou-se no armário
da cozinha

abriu o gás

*

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

trilhos

líria porto

a
cobra
de
ferro
vai
rente
na
estrada
carrega
no
dorso
os
rolos
de
aço
a
bosta
das
vacas
o
fardo
e
o
fado
dos
o
p
e
r
á
r
i
o
s

*

assim ou assim

líria porto

devagar
a perceber
cada
detalhe

ou rápido
a desfazer-se
dos entraves

*

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

impossíveis

líria porto

palavras não cabem em mim
despetalo-as letra a letra
incinero-as - livro-me das cinzas
não das vermelhas
e das roxas

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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