quarta-feira, 30 de junho de 2010

os ipês florem no frio

líria porto

trocar o cinza do inverno
por amarelos brancos rosa roxos
mesclar os tons da alegria
às tristezas

*

verde amarelo

líria porto



mato no peito
sofro da bola



:
jogo no ataque
e na retranca

*

terça-feira, 29 de junho de 2010

melancólico

líria porto

enrolava a saudade
umas quatro ou sete voltas
quase fazia um novelo

enrolava-a mais um pouco
cansava do sofrimento
dava outras tantas voltas

e enrolava a saudade
enrolava-a enrolava-a enrolava-a
para atirá-la ao vento

eis que então ficava preso
a saudade se agarrava
às pontas do seu cabelo

*

olhos cor de ameixa

líria porto

gueixa não se queixa
deixa

*

puta velha

líria porto

aprendeu com sua mãe
(vovozinha já sabia)
ensinou as suas filhas
vai dizer pra sua neta
quem não fez amor
                     faz merda

*

segunda-feira, 28 de junho de 2010

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) cataratas

líria porto

aos cinco aprendeu a ler
aos sete fazia tricô
a escrita veio com anita
a bonita professora
laçava pontos com oneida
a moça feia

para romper o absurdo
passou a ouvir os surdos
foi porta-voz

já velha
na foz do iguaçu
saltou na espuma

e só

*

até poste tem raiz

líria porto

lâmpada é fruta
:
verde de dia
à noite
            madura

*

esmeril

líria porto

nem sob tortura
conseguiu arrancar os segredos
do cofre

*

mão de pilão

líria porto

vou mas fico
:
letras maiúsculas
mortificam-me
                         almofariz

*

larápios todos somos

líria porto

roubamos asa pena lágrima pétala
pensamento poema palavra
gota d'água

(escapam-nos versos
pelo ladrão)

*

domingo, 27 de junho de 2010

previsão

líria porto

entre o céu e a terra
uma nuvem densa
e o sol insiste
em pedir licença

(meteorologia
:
o sol aparece
mas custa)

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - enquanto a lua flutua

líria porto

o luar penetra entre persianas
listra a cama o lençol as fronhas
mescla as paredes

estrelas mordem-me o pescoço
carimbam em meu corpo as digitais
da noite

*

sábado, 26 de junho de 2010

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) expropriados

líria porto

minha terra tem pobreza
tem soldado na favela
tem menino na lixeira
tem esgoto a céu aberto

minha terra tem grileiro
tem piolho gente astuta
tem varejeira tem verme
explorador de viúva

minha terra tem cadeia
para preto pobre puta
para rico tem dinheiro
tem mansão vantagem
tudo

minha terra?

*

sexta-feira, 25 de junho de 2010

o escritor

líria porto

no barro
da palavra
a criação

(alguma
espécie
de deus)

*

de linguagem

líria porto

escreve como quem bebe
                           ) compulsivamente (

e sem licença poética
cambaleia e tropeça 
na ponta do lapso

*

a ninhada

líria porto

:
nossos filhos
os que não têm filhos
quem olhará por eles
quando estiverem velhos
e já tivermos partido
ido embora desse mundo?

*

quinta-feira, 24 de junho de 2010

tia faustinha

líria porto

a irmã caçula de meu pai
(foi depois da missa)
recostou-se na parede
pendeu a cabeça
cerrou os olhos
:
num repente abriu as asas
atravessou o quintal o muro a cidade
e sumiu

*

circun_scrito

líria porto

entro contigo madrugada adentro
voo ao epicentro de um furacão
(de um abalo sísmico)
até como coentro pra tornar-me o centro
da tua atenção

apresento-me - adoro salsa
e olhos castanhos

*

quarta-feira, 23 de junho de 2010

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - romance

líria porto

há que haver algum frisson
susto arrepio
pois ficar só por costume
igual o poste da esquina
é muito triste

vai amor
melhor assim
procura um olho d'água
uma fagulha um rastilho
algo que te arrebate

devolve-te à vertigem

*

esses meus olhos embaciados

líria porto

a cara refletida no espelho
é muito mais branca do que eu era
e sinceramente - muito mais velha

*

bum

líria porto

coração bate apanha
coração para dispara
coração é bomba

*

terça-feira, 22 de junho de 2010

baía

líria porto

tirava a saia sentava
sentia o mar entre as pernas
como uma taça de espumante

*

(in)fiel

líria porto

um pé lá
           outro aqui

um o lugar onde nasci
o outro me adotou e me acolheu
:
meu coração
quieto como um pêndulo

*

segunda-feira, 21 de junho de 2010

ultraje

líria porto

fome
sensação de vácuo
fico a pensar
como somos fracos

fome de fato
fome de biafra
esta mais que mata
:
envergonha-nos

*

binóculos

líria porto

amar alguém à distância
tem lá algumas vantagens

compensa-se a falta de beijos
pela ausência de defeitos

de longe – só qualidades

*

eutanásia

líria porto

diante do impasse
injetem-me à veia
cloreto de potássio

ao fim do sofrimento
não chorem
acendam velas
:
amém
assim seja

*

domingo, 20 de junho de 2010

sem ponteiros

líria porto

o relógio de presente
pendurado num im_pulso
esqueceu naquela hora
do passado
               do futuro

*

sábado, 19 de junho de 2010

incurável

líria porto

foice o tempo
e a qualquer momento
pá_vida

(deve-se segar o mal
pela radícula)

*

sexta-feira, 18 de junho de 2010

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - arremate

líria porto

com ele fui muitas
vaguei pelo mundo
fui puta fui santa
cantei chorei ri
mas não me arrependo
:
enterrei-o vivo

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) esmero

líria porto

as dificuldades
(paralelepípedos)

temos que empurrá-las
com braços e pernas

nós ganhamos força
elas perdem quinas

rolam como bolas
depois viram bolhas

ploft ploft
                 ploft

*

quinta-feira, 17 de junho de 2010

tropa trupe turma patota retaguarda

líria porto



quem quiser nos abater
pense
:
temos mais
de cento e cinquenta
dentes

(com as ninas rizzi e bebetas silva
somos um exército)

*

(foto de 2002)

ao poeta fábio rocha

líria porto

tu – que és tão eu
nem ao menos miras-me
contudo me acertas

*

águas marinhas

líria porto

tu te ilhas
oceano-me à tua volta
pois quem ama tem a manha
de abrir (com)portas

*

quatro queijos

líria porto

fecho os olhos espero-o
vislumbro quando chega pelo faro
o entregador do pizza

*

quarta-feira, 16 de junho de 2010

fotografar

líria porto

alfinetar borboletas – im_posição
de senti-las

*

terça-feira, 15 de junho de 2010

(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - rodopios

líria porto

andorinha me tonteia
quando cravo os olhos nela
eu debruço na janela
ela voa voluteia
vai ao alto vem mergulha
quem me dera ir num pulo
bater asas junto dela

*

das fibras

líria porto

enquanto eu roía as unhas
vovó fazia doces e pirulitos
:
um luxo ser filha
da sua filha

*

de matar o tempo

líria porto

as horas que joguei fora
agora me fazem falta

eu cato os cacos d'aurora
nem assim tapo
                      os  buracos

*

segunda-feira, 14 de junho de 2010

sol_ar

líria porto

de olhar no olho
sol d'inverno
e_terno

*

à conterrânea eliane accioly

líria porto

somos tal e qual
tu lapidada - eu pedra bruta

seria a boa água da terrinha?

*

domingo, 13 de junho de 2010

emoções

líria porto

alegria e tristeza andam juntas
caminham pelas ruas de mãos dadas
tristeza se alegra com a amiga
alegria se entristece
                     chega às lágrimas

*

sábado, 12 de junho de 2010

lindo

líria porto

bem me viste bem te ouvi
e o teu canto passarinho
traz-me gana desejo ímpeto
de bicar aquele beijo
que se dá nos namorados
nos amores nos amantes
nos seres imprescindíveis

*

sexta-feira, 11 de junho de 2010

antiguidade (para roberta silva)

líria porto

inventei ser avó
tão real que a cabeça
ficou branda

coragem não me falta
vou morar no museu do oratório
da in_confidência

(as almas são ruivas)

*

filhas da mãe

líria porto

dentre as palavras mais lindas
aurora e orvalho  gêmeas
univitelinas

*

gema e clara

líria porto

essa mania de fazer poema
algema a alma à tua vontade
até parece um estratagema
o lema agora é seguir extremos
em piracema nada-se
ao contrário

é tudo ou quase

*

das duas uma

líria porto

vives ou morres
:
morto-vivo ou vício in_verso
não tem cabimento

*

quinta-feira, 10 de junho de 2010

bronca

líria porto

as palavras de censura
causavam efeito moral
a alma ficava murcha
a brincadeira acabava
a culpa quebrava
os ossos

*

ideia fixa

líria porto

avalio a obra
avalio a dobra
avalio a sobra
e nessa manobra
soçobra-me
            o desvario

*

quarta-feira, 9 de junho de 2010

(r)evolução

líria porto


gatinhava
agora cambaleia
como a caminhar n'areia
a escorrer
            para nossos
            (a)braços

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) clausura

líria porto

estar entre muros
ser própria a sepultura
a prematura morte
o silêncio
              o adeus

*

terça-feira, 8 de junho de 2010

fogo-fátuo

líria porto

em torno do sol
apagou-se

acendeu uma vela
procurou a prima_vera
outra fonte de calor

*

a palavra

líria porto

está na boca do povo
e é mais falada que a mulher
do vizinho

*

segunda-feira, 7 de junho de 2010

calhamaço

líria porto

a escrever eu me livro
organizo em capítulos
dores impublicáveis

*

(des)culpa

líria porto

corro atrás
e não me alcanço
:
sento-me sobre o rabo
e faço cara
             de espanto

*

solidariedade

líria porto

o bando gira mil vezes
segue a voar em círculos
um dos pássaros se cansa
(o mais velho)
o bando pousa inteiro
quero crer
            ordem do líder

*

a poesia

líria porto

entra pelos poros
e jamais te deixa

mesmo quando morres
paira sobre a lápide
:
ali jaz(z)
          uma borboleta

*

quem avisa amigo herda

líria porto

nem que eu passe peça implore
não me dês ouvidos não me ouças
tens muito mais a perder
minhas promessas são bolhas
sou avulsa
                 tu não és

*

domingo, 6 de junho de 2010

cerrado

líria porto

lá onde nascemos
o vento pesa tem força

levamo-lo às costas
ele nos verga entorta-nos

só não nos destrói
pela solidez do espírito

*

índio

líria porto

terra minha mãe
cor da minha pele
coração agreste
ventre generoso
sangue do meu povo
terra minha irmã

*

sexta-feira, 4 de junho de 2010

a derrubar barreiras

líria porto

o homem ia a galope
corria mais que o vento
alcançava o horizonte
penetrava sol adentro
no fogo que alumiava
sua fome de liberdade
sua sede de aforramento

*

dos pesos e desmedidas

líria porto

talentosa
bonita
rica
e a outra
dio santo
desamada
desprovida

) vário
é o desígnio
do adeus (

*

à beira do absinto

líria porto

misto de cascalho e vínculo
palavras rombudas 
atritos

vinagre na ponta de língua
sal na saliva
cuspe

(deus nos livre
não nascemos 
pra ser infelizes)

*

quinta-feira, 3 de junho de 2010

amalá

líria porto

para o meu santo
eu comprei quiabos
fiz angu com frango
toquei atabaque
preparei farofa
pimenta açafrão
arranjei cachaça
um colar de contas
sacos de pipoca
frascos de perfume
um ramo de rosas
mingau e pamonha
carne de paçoca
um rolo de fumo
um cachimbo aceso
velas e incenso
:
diabos
ele foi baixar
num outro
terreiro

*

pós-sessão

líria porto

não me pertenço
sol da escriba
que me incrimina
recrimina cria
mina

         el'assou eu

(cozeu-me
fritou-me 
comeu-me
cuspiu-me
cagou-me)

         mal
diz
         são

*

quarta-feira, 2 de junho de 2010

tato

líria porto

mãos frias
necessitadas de luvas
aninham-se entre as minhas

pedem cuidado conforto
afundam-se em minhas roupas
tomam conta
                 do meu corpo

*

neguinho

líria porto

quando tu te adernas entre minhas pernas
quer nas tardes findas quer nas madrugadas
acendes-me o corpo com tantas faíscas
que eu gero filhos de todas
as raças

*

penosa

líria porto

com uma corda fina
o pai piava-lhe as pernas
como se faz co'as galinhas
:
não fiava
          nas suas
                  intenções

*

das flores do parto

líria porto

as avós desconhecidas
uma outra e outra e outra
até chegarmos à símia
a nossa avó mais antiga
mãe de outras mães
e de eva

(até chegarmos à ameba)

*

bate estaca

líria porto

palavras de qualquer jeito
todas com o mesmo pleito
queriam virar poema

depois de tanto apelo
acordei do pesadelo
decifrei o teorema

as palavras têm vontade
eu dormia na verdade
sobre um imenso dilema

ser ou não ser uma rima
estar por baixo ou por cima
ter ou não ter o problema

(que noite)

*

des_enlace

líria porto

a vida
é a chama
da vela
a morte
é o sopro
da boca
banguela

*

terça-feira, 1 de junho de 2010

inês no inferno

líria porto

inês branca
inês má
inês sempre de péssimo humor

imagino inês entrando no inferno
: arredem seus pestes
e o capeta furioso
: espera inês –– precisas limpar os pés

*

Irene no Céu
Manuel Bandeira

Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.


Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.


*

(para o livro sem pecado não tem salvação) ali abdullah

líria porto

o homem
que rompeu meu hímen
veio do iêmen

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) quixote

líria porto

donde andarás acho dormes
ou terás saído à toa
caminhante em meio a bruma
à busca de dulcineia

não sei de ti penso em ti
pudesse iria onde estejas
mandava pombo-correio
levar-te carta ou bilhete

aqui é triste é monótono
a vida esvai-se evapora-se
parece – a vida se esgota
em cada ponta de estrela

*

santa engrácia

líria porto

má reforma
é reforma incompleta
a furar o nosso bolso
a fazer-nos patetas

pobre rima - arrimo
estranho

*

armistício

líria porto

ela vem chuvinha fina
tira a aspereza do chão
e dá um lustro no verde

parece quando brigamos
um terno abraço e por terra
tristeza mágoas carranca

existem quatro elementos
água ar fogo e terra –– o quinto
é o amor que temos

*

em paz

líria porto

dormiu
não acordou
voou
       com os sonhos

*

súmula

líria porto

entre o que sou e o que sinto
um cinto muito apertado a juntar
duas em uma

*

(des)idílio

líria porto

) casas comigo?
não
por quê?
pode não dar certo
e se der?
terei que engolir pratos indigestos (

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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