sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

perdas e enganos

líria porto

uma palavra por dia
e nessa toada
qualquer hora dessas
vou ter que entender
de silêncio

*

desconjugados

líria porto

eu trabalho tu treinas ele tributa
nós tropeçamos vós trucidais
eles continuam alienados

*

meia-noite

líria porto

a porta range
passos na escada
e nem viv'alma

tremo
embora não creia
noutro mundo

*

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

dos vícios

líria porto

fumo versos
bebo poemas
injeto palavras
uso poesia
consumo livros

*

exaustão

líria porto

outro chip bateria
pilha nova combustível
qualquer coisa que anme
o meu corpo a alma antiga
que lhe dê alguma força
a energia que precisa
pra romper o dia a dia
pra vencer o imprevisto

*

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

seu jonas

líria porto

nem bêbado nem sóbrio
talvez um tanto tonto

trouxe alfaces couves cheiro-verde
como fossem flores
:
os buquês

*

joguete

líria porto

eu ria ainda rio
oceano tanto choro
emoção aqui é mato

o fato é que a vida é fogo
o fato é que a vida
afago

*

sobrevivente

líria porto

precisava ancorar
firmar-me em algo forçar um pouso
perdera as duas asas em pleno voo
o corpo espatifou-se num rochedo
o mar lambeu salgou meu sofrimento
escapei por pouco

*

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

ciranda

líria porto

o mar avança
depois recua
balança o sol
balança a lua

o rio chega
traz água doce
o mar tem sede
da sua boca

a onda anda
depois se espraia
veste a areia
co'a sua saia

*

diamante

líria porto

tão singular
que plural
e único
:
um solitário

*

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

a presença

líria porto

ignoram que um passarinho
traz-me os teus recados
que me banho em água morna
como a tua pele
que vez por outra o vento sopra
e sinto o teu hálito

*

domingo, 22 de fevereiro de 2015

contemplação

líria porto

o beco a rua a avenida
melhor parar na esquina
onde tem um bar

água cachaça cerveja
café pastel pão de queijo
vitamina?

não  só ver a vida passar
o beco a rua a avenida

*

venda

líria porto

consciência branca não dói nem pesa
apenas fere e oprime com o ferro
dos grilhões

*

negociação

líria porto

têm as armas
têm a pólvora
usam porém
a palavra
:
para o pacto
para o entendimento

*

sábado, 21 de fevereiro de 2015

recuperação

líria porto

nesse dia de mais uma hora
nessa hora extra – tão igual as outras
bem que poderíamos fazer algo novo
ousar alguma coisa tirar o atraso
repetir aquilo que ficou perdido
e seria mágico poder reviver

*

casulo

líria porto

espírito alma chama fogo
vida
seja o que for
um dia abandona o corpo
morada provisória

*

disperso

líria porto

aqui ali
não há um acervo
e tudo é incerto

igual escravo
verdadeiro servo
escrevo

como fossem palha
o vento espalha os versos
tenho tanta pena

*

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

o coronel

líria porto

camisa de seda calça de linho
sapatos e meias combinados
e para completar
nem charuto nem cachimbo
só fumo de rolo e pito
de palha

*

desvirar

líria porto

o que há de ruído numa casa em ruína
o que viram as paredes que palavras ouviram
quanta gente abrigou quanto riso
tristeza?
:
o que há de silêncio?

*

divórcio

líria porto

entre a cruz e a estrada
pego a minha mala
e pico a mula

*

ética

líria porto

podemos tudo
mas não devemos
e o limite
é a linha tênue
entre o que quero
e o que desejas

não pisarei tua risca
é o primeiro mandamento

*

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

chinelos

líria porto

por mais bonitos que sejam
não dão um passo sequer
sem os pés do dono

*

proteção

líria porto

ora deus ora o diabo
para quem senão aos anjos
aos santos que são crianças

*

aviãozinho

líria porto

corro corro
abro os braços
voo
ultrapasso a nuvem
solto o corpo
e caio
no teu colo

*

escala

líria porto

sem dó remir
faz sol lá sim

*

ferrinho

líria porto

cavoucou a gengiva
arrancou tártaro sangue lágrima
e impropério

*

cabra-cega

líria porto

fechar os olhos para ver melhor
perceber além do que se nos mostra a vista
esta que nem mais enxerga
a ponta do nariz

*

(peguei o sol no pulo) murcho

líria porto

não há pau que sempre duro
e nem bem que não se acabe

*

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

escorregadio

líria porto

saí de mim e nunca mais voltei
nem quando me armei arapuca

*

megalomania

líria porto

sou girassol
flor gigante
o sol me segue
sabe da minha
importância

*

antônimos

líria porto

no cômodo dos fundos
sem luz e sem janela
o medo

coragem é morador
de rua

*

sonhos

líria porto

abro o olho puxo o fio
e o que estava submerso
vem à tona

códigos símbolos
nada é óbvio

(do escuro eu retiro
o que estava atrás
do muro)

*

haicai

líria porto

fora do casulo
o voo as cores as asas
a metamorfose

*

ana júlia

líria porto

passos trôpegos
anda corre
cai levanta
chora e ri
:
quinze meses
tudo é novo
tudo é susto
tudo é voo

*

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

flagrante

líria porto

o gato pula e no ato
assusta o passarinho

um voo ao ramo mais alto
um passarinho a salvo
e um bichano faminto

*

serpentina

líria porto

água procura caminho
vai como cobra na várzea
curva requebra dá saltos
encontra o mar
seu destino

(rios
têm rota
traçada)

*

sábado, 14 de fevereiro de 2015

ilusionista

líria porto

vai fazer de tudo para convencer-nos
parece miúdo mas na hora agá
dobra de tamanho
:
mordemos a isca

(pílulas azuis)

*

tresnoitar

líria porto

de lá a festa de momo
de cá eu morto de sono
e sem qualquer fantasia

a lua ri

*

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

ancião

líria porto

eu fiquei velho
exposto a riscos
chega de saltos

ossos de vidro
os freios gastos
pulmões sensíveis

dias de glória
por tais conquistas
quero medalhas

(ótimos livros
bons espetáculos
força no espírito)

*

clã

líria porto

sob meus cabelos brancos
vagueiam tantas lembranças
do tempo em que nós meninos
ao redor de nossa mãe
éramos belos e unidos
quais sementes de romã

*

rosa

líria porto

espreguiça-se
estende os braços as pernas
depois desabrocha e livre
exala as cores
as pétalas

*

plenos

líria porto

sentimentos palavras e gestos
quem amou assim pode virar a página
amor eterno é pra quem tem culpa

*

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

mágica

líria porto

sobre o papel
lápis é varinha de condão e palavra
pó de pirlim pimpim

*

atentos

líria porto

longe das vistas
meninas dos olhos
correm perigo

*

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

aquele um

líria porto

o sujeito
tinha ele um jeito
de me pôr à margem
do seu desejo
ainda mais
quando me olhava
com o olhar de lava
da malandragem

*

descida

líria porto

no último degrau
sentimo-nos seguros
e é ele que nos derruba

*

frustração

líria porto

a chuva corta o voo
as penas se encharcam de alguma coisa
que nenhuma asa consegue transportar

(o coito interrompido)

*

predestinado

líria porto

no nome a obrigação do verso
a sensação de ter nascido
para o espinhoso ofício
dos poetas

*

perplexidade

líria porto

não tenho deus como amparo
reparo e sinto o infinito como única
possibilidade

astros pendurados por fios invisíveis
numa harmonia que me coage

é difícil ser ateu

*

sonho

líria porto

toda noite a morte me acontece
e a vida só reaparece como
um vaga-lume

*

desandar

líria porto

havia teto faltava chão
tão incompleto quanto
pão sem manteiga
café amargo e frio
fruta verde
amor sem sexo

(na contramão
a vida é só um vulto)

*

domingo, 8 de fevereiro de 2015

infração

líria porto

arrepende-se desculpa-se
porém na primeira curva
de novo na contramão

(tem gente que não aprende
nem com multa)

*

pessoas

líria porto

antes de usar-nos
leiam a bula
sigam as orientações
evitem efeitos colaterais
e dores de cabeça
irreversíveis

*

sábado, 7 de fevereiro de 2015

definitiva

líria porto

a carne soçobra
ficam-nos os ossos
os cabelos as unhas
os dentes
             e as cáries

*

relembranças e esquecimentos

líria porto

raro o ano que mamãe não tinha filho
quatro meninas dois meninos duas meninas um menino
uma fileira de nove e o corpo acostumado
com criança dentro

velhinha mamãe tinha
criança dentro

*

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

e essa falta dágua

líria porto

enquanto poça enlamear teus pés
só para outra vez lavá-los
perfumá-los
deslizar as mãos entre tuas pernas
como um pretexto
um texto ainda não escrito
a umedecer a página

*

massacre

líria porto

não necessito dessa precisão
pega leve
sou um ser sensível que percebe
a pata de elefante
da pena que me descreve

*

preferências

líria porto

a ponta do pão
do dedo
da língua
beirada de bolo
o pico do morro
o bico da pena
o primogênito
o caçula
o começo
o término
:
tudo
concentra
sabor

*

efêmeros

líria porto

a vida quando deixa o corpo
talvez seja como a borboleta
que sai do casulo

*

a borboleta

líria porto

ousa
voa
alça
valsa
pousa
pausa
causa
cada
alardo
com
o
tremor
das
asas

*

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

polígamo

líria porto

algodão
nem sei quantos fios
os lençóis macios
levam-me ao capítulo
como a preferida
do faraó

as sedas o ouro
porém o desgosto
saber-me cercada
por outras mulheres
esposas e escravas
do semideus

*

liquefeito

líria porto

meu coração de gelo
exposto aos olhos do sol
e do deserto

*

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

aspiração

líria porto

não quero que seja
a cereja
o bolo de rolo
o rocambole que bole
com tudo

é mole é dura
é de morte
:
a vida

*

com sequência

líria porto

sou minha própria ancestral
já me pari tantas vezes  avó mãe filha neta
sou meu elo na corrente

*

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

descuido

líria porto

parafuso prego palito
pedra espinho arame
vidro
tudo que pode ferir o pé
nos descaminhos

*

bIpOlAr

líria porto

ViViA aLtOs E bAiXoS
aLeGrIaS e TrIsTeZaS
o ChOrO eRa TeRrÍvEl
FiCaVa AsSiM aOs PeDaÇoS
dEpOiS sUaS gArGaLhAdAs
ErAm UmA gUeRrA
dE nErVos

*

em nome do pai

líria porto

não sei se por hábito
talvez de propósito
ao chegar em casa
raspava a garganta
então nós meninos
por medo da fera
do seu cinturão
(que nem era usado)
corríamos pro quarto
ou para o quintal
sem briga nenhuma
e sem palavrões

(anjinhos não brincam
com fogo)

*

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

armação

líria porto

vi uns clarões
uns barulhos
havia nuvens cinzentas
mas chuva mesmo que é bom
cadê?

*

cômoda

líria porto

na primeira gaveta os papéis
na segunda sutiãs calcinhas meias
na terceira pijamas e camisolas
na quarta guardo os grilos
a única com tranca

*

domingo, 1 de fevereiro de 2015

concepção

líria porto

cada detalhe minúcia
cada incompreensão
cada nota que me assusta
faz-me retornar ao útero
ouvir vibrarem os acordes
do corpo da minha mãe

*

des_encontros

líria porto

da primeira vez que o vi
no saguão do aeroporto
compreendi que meu porto
ancorava em seus navios

da segunda vez que o vi
no outro lado da rua
nossas vidas se cruzaram
como as do sol e da lua

da última vez que o vi
já no seu leito de morte
eu tive pena de mim
da minha falta de sorte

*

abarrotados

líria porto

há tanta coisa em desuso
acumulada em armários
mais da metade de tudo
jamais serviu para nada

já deve haver muito estudo
que explique a necessidade
de preencher os vazios
guardados dentro da alma

*

o quê?

líria porto

não sou quem pareço
não sou quem eu penso
será que estou que fui
que existi?

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

Arquivo do blog