segunda-feira, 30 de março de 2015

a inominável

líria porto

pouca lógica
e nenhuma cerimônia

entra pela porta da frente
ou pela porta dos fundos

(leva príncipes e plebeus)

*

desacordo

líria porto

onde vou colocar meu hífen
onde vou colocar meu trema
eu sou antiga demais pra fazer
striptease

*

bola de neve

líria porto

sou avó de mim
e minha neta
e sou mãe e filha
e a mim faço armadilha
e não me dou trégua

sou todas
e sou nenhuma
pelos séculos dos séculos

*

último ato

líria porto

corpo é o palco
onde a alma se apresenta

findo o espetáculo
cerram-se as pálpebras


*

domingo, 29 de março de 2015

contraste

líria porto

a alegria é uma lebre
apressada veloz
fugidia

a tristeza é tartaruga
duradoura quieta
casmurra

*

quinta-feira, 26 de março de 2015

temperamento

líria porto

quando chove
a vidraça chora copiosamente
e sabemos a tristeza da janela
que não se conforma
em fechar-se

já a porta
não tem essa natureza
e nem se importa

*

incomparável

líria porto

mais bonita que a mãe mais bonita que a avó
mais bonita que as tias mais bonita que ela mesma
que a sua beleza está aquém e além

*

saudade

líria porto

tem gente que vem e que fica
enquanto vai embora
que quando menos se espera
ronda nosso pensamento
que parte
mas não tranca a porta

*

quarta-feira, 25 de março de 2015

da rotina

líria porto

às quatro e trinta
o galo ensaia
o sol se cobre

lá pelas cinco
um agudo do galo
o sol se incomoda

meia hora depois
cocócoricocooooó
o sol abre o olho

às seis da manhã
o sol sai da cama
o galo cisca

*

aurora

líria porto

o dia vinha vindo
com rajadas de lavanda
e era lindo

íamos
de uma janela a outra
para ver todos os ângulos

a lua
sobre o azul
era de renda

tu te lembras?

*

terça-feira, 24 de março de 2015

repetição

líria porto

eu falo as mesmas palavras
caminho nos descaminhos
piso nas próprias pegadas
e nem assim eu me acho
preparada para a vida

*

comparação

líria porto

de olho no que outros fazem ou pensam
nossos afazeres ficam a desejar

*

das antigas

líria porto

a aguda a crônica
a que arde a que queima a que mói
(dói aqui dói ali dói acolá)
e não há analgésico ou milagre
que acabe com a dor
da vovó

*

segunda-feira, 23 de março de 2015

inigualável

líria porto

desde há muito
desde sempre
o mundo
esse mundo
sem precedente

*

(para o livro sem pecado não tem salvação) mato seco

líria porto

ando morta de saudade
de beijar a tua boca

de deixar que venha à tona
o que está a sete chaves

de fazer com que esse fogo
que incendeia a meia-noite

também queime o velho corpo
de dizer sem ter vergonha

que anseio o amor
da carne

*

domingo, 22 de março de 2015

rigor

liria porto

de quantas palavras prescinde o poeta
de quantas metáforas?

de quanto silêncio precisa o poeta
de quanta poesia?

*

manequins

líria porto

pernas finas muito altas
corpos magros belas penas
o bando de seriemas

*

quintal

líria porto

a chuva o sol
o verde muito mais verde
a passarada revoa
e eu
mais à toa que a nuvem
flutuo qual aleluia
entre um pensamento
e as couves

*

sexta-feira, 20 de março de 2015

vaca atolada

líria porto

e por não achar saída
voltou-se contra si mesma
engordou duzentos quilos
violou corpo e espírito
numa espécie de suicídio
sem usar bala
ou veneno

*

quinta-feira, 19 de março de 2015

limite

líria porto

um tronco tem que suportar
galhas folhas flores frutos
passarada
muita vez até machado
mas ronco de motosserra
aí já é demais

*

quem nunca?

líria porto

prometeu fidelidade
mas porém a carne fraca
sucumbiu à tentação
:
o diabo já foi anjo

*

quarta-feira, 18 de março de 2015

militante

líria porto

com a força que lhe resta
preservar suas escolhas

não ficar dentro da bolha
que aprisiona os omissos

se provocar desafetos
não se importar - ir adiante

(não precisa ser bonito
quer apenas ser correto

a defender
seus princípios)

*

terça-feira, 17 de março de 2015

colapso

líria porto

compromissos pensamentos lembranças
todos os senões interrogações respostas
tudo que não cabe numa só cabeça
vaza pelos nervos
                                 e conexões

*

distração

líria porto

desprendo-me da matéria
vago pelo azul pairo como a pluma
a nuvem
:
ao sabor do vento

*

segunda-feira, 16 de março de 2015

nudez

líria porto

nem brinques
desse jeito
ele te come
viva

*

ao vento

líria porto

sabão água amaciante
a roupa limpa torcida
eu assim penduro a vida
dia a dia ano a ano
pés no chão

*

ambição

líria porto

um verso que me atravesse
tal como um raio ou punhal
que me rasgue as entranhas
e eu sangre

*

sábado, 14 de março de 2015

comodismo

líria porto

o amor esfria
e a gente insiste
no amor requentado
que não surpreende
que não é do agrado
que se come sem apetite
e a_penas mata
a fome

*

sexta-feira, 13 de março de 2015

dó remido

líria porto

em teu canto podes desafinar
sem te sentires constrangido

*

a postos

líria porto

basta – eu não sou besta
e nenhuma bisca nenhum bostinha
vai besuntar sujeira na minha
vida


*

segunda-feira, 9 de março de 2015

quites

líria porto

eu quis não quiseste
quiseste eu não quis
e sem apetite
melhor seja assim

na fome a comida
no enfaro o jejum
e ficam mantidos
os dois

cada um

*

sábado, 7 de março de 2015

haicai

líria porto

picos de suspiro
um voo dentro da nuvem
com água na boca

*

par

líria porto

sou poeta de uma asa
a outra tem-na quem lê
e assim – varamos juntos
o céu das palavras

*

sardas

líria porto

mamãe passou ferrugem
em mim

*

boca de lobo

líria porto

anoiteceu chuva amanheceu sol
e quem bebeu tanta água?

*

vestígios

líria porto

o tempo é capaz de apagar
pegadas da pele?

*

boas vindas

líria porto

bem-te-vi bem-te-vi
passarim já percebeu
que cheguei na praça?

*

orvalho

líria porto

quem secou o céu de ontem
não tinha pano nem rodo

*

quinta-feira, 5 de março de 2015

alto lá

líria porto

tira a mão do meu quadril
e não comas do meu queijo

(nenhuma lasquinha)

chega de tirar proveito
de quem não respeitas

*

infecção

líria porto

esse rio arde e tem águas turvas
desce aos tropeços entre minhas pedras
e só há um filtro para a limpeza
um único rim

*

quarta-feira, 4 de março de 2015

tabu

líria porto

sem vexame sem vergonha
a cegonha não te engane
os bebês de toda mãe
só nascem depois do encontro
do pinto com a perereca

*

dos voos

líria porto

borboleta amarelinha
voa e pousa em toda flor
francisquinho e maricota
do seu jeito do seu modo
voam pulam depois dormem
pousam em cada sonho

*

bolo de vela

líria porto

apaixonei-me por ele
ainda no ultrassom
reconheci-o de longe
sabia que me sabia
meu sabiá cantador
e quando cheiro seu cheiro
e quando ouço sua voz
ah francisquinho
eu sinto
um riso frouxo
um alegre
assim mesmo
trem de avó

*

terça-feira, 3 de março de 2015

das tensões

líria porto

o violão é tranquilo - o violino eu temo
que venha a sofrer dos nervos

*

castigo

líria porto

tirou-lhe os brincos
os anéis o colar a pulseira
descalçou seus pés
desvestiu-lhe o corpo
viu nua a poesia
e ficou cego

*

puffff

líria porto

o computador
o micro-ondas
e nessa toada
qualquer dias desses
a luz me apaga

*

independência

líria porto

há quem goste de mandar
quem consiga obedecer
escolho pra meu convívio
que se governe  erre acerte
por sua própria conta
e risco

*

entra sem bater

líria porto

os braços as pernas a boca a porta
fico aberta vinte e quatro horas

*

segunda-feira, 2 de março de 2015

repique

líria porto

tomar banho café rumo
o carnaval já passou
o samba não

*

domingo, 1 de março de 2015

zoeira

líria porto

no forró da folha seca
o vento toca sanfona
a poeira arrasta pé

*

das condições

líria porto

no fundo da casa o córrego
um furinho – a água brotava
havia tanta fartura
de irmão cuidado espaço
que cresceu bem-humorada

*

desejo

líria porto

acho que há um imã
pois quando te vejo
quando te aproximas
apenas te deixo
quando a própria vida
com um grande esforço
me empurra do leito

*


dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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