líria porto
curva após curva
o corpo se recompõe
não por coragem
por necessidade
a vi(d)a é sem retorno
*
quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
extravio
líria porto
ter um amor e não sê-lo
qual envelope sem selo
conduz a lugar nenhum
a vida cobra com juro
por isso sei desconjuro
o desamor
*
ter um amor e não sê-lo
qual envelope sem selo
conduz a lugar nenhum
a vida cobra com juro
por isso sei desconjuro
o desamor
*
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
(des)entendimentos
líria porto
a chuva encharca o brejo
sapos coaxam por cima
corações germinam faz séculos
desfaço-me entre os seixos
espaço há o das mágoas
bem no âmago das pedras
palavras não têm chave
silêncio é sinal de término
e o tempo se acelera
em dias que nos amassam
:
estou a sentir-me velha
*
a chuva encharca o brejo
sapos coaxam por cima
corações germinam faz séculos
desfaço-me entre os seixos
espaço há o das mágoas
bem no âmago das pedras
palavras não têm chave
silêncio é sinal de término
e o tempo se acelera
em dias que nos amassam
:
estou a sentir-me velha
*
consumição
líria porto
descuidados os sonhos os projetos
enveredamo-nos pelas trevas
reviramo-nos para o lado avesso
sequer ensaiamos nova dança
*
descuidados os sonhos os projetos
enveredamo-nos pelas trevas
reviramo-nos para o lado avesso
olhos vermelhos
nós nos entornamos fora
esgota-se-nos a vida pelos poros
nós nos entornamos fora
esgota-se-nos a vida pelos poros
sequer ensaiamos nova dança
*
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
infinitivo
líria porto
navegar
flutuar sobre as ondas
balouçar
ancorar no profundo dos teus olhos
submergir
expirar
ter paz
*
navegar
flutuar sobre as ondas
balouçar
ancorar no profundo dos teus olhos
submergir
expirar
ter paz
*
menino do sino
líria porto
joão vai chegar
os nossos braços vazios
serão o colchão macio
joão vai reinar
na rima no estribilho
em minha filha e teu filho
joão vai chegar
aporta na tua aorta
escapa pra minha horta
joão vai reinar
*
joão vai chegar
os nossos braços vazios
serão o colchão macio
joão vai reinar
na rima no estribilho
em minha filha e teu filho
joão vai chegar
aporta na tua aorta
escapa pra minha horta
joão vai reinar
*
sábado, 26 de dezembro de 2009
(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - a ira do pai
líria porto
como o mar
severo porém previsível
sabíamos do movimento das ondas
mas quando lhe subiam as marés
a nossa barca afundava
(quase afogávamos)
*
como o mar
severo porém previsível
sabíamos do movimento das ondas
mas quando lhe subiam as marés
a nossa barca afundava
(quase afogávamos)
*
peão
líria porto
é de telha de amianto
o quarto do tal caboclo
lá dentro um calor louco
cá fora o desencanto
as paredes sem reboco
a baixa cerca de arame
no almoço pão com salame
na janta sopa com osso
essa tristeza arrastada
essa vontade enrustida
são calos na sua alma
no espinheiro de vida
sonhar não pode não sabe
dorme no fundo do copo
assim se esquece da mágoa
e dos flagelos do corpo
*
é de telha de amianto
o quarto do tal caboclo
lá dentro um calor louco
cá fora o desencanto
as paredes sem reboco
a baixa cerca de arame
no almoço pão com salame
na janta sopa com osso
essa tristeza arrastada
essa vontade enrustida
são calos na sua alma
no espinheiro de vida
sonhar não pode não sabe
dorme no fundo do copo
assim se esquece da mágoa
e dos flagelos do corpo
*
sem noção
líria porto
a fúria desenfreada
faz o rio derramar
eu não rio da desgraça
rio é rio mar é mar
*
a fúria desenfreada
faz o rio derramar
eu não rio da desgraça
rio é rio mar é mar
*
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
sacos de linhagem
líria porto
no avesso da seda –– nós
da idade média
(aparências enganam
a nobreza)
) chita é infeliz
no shopping (
*
no avesso da seda –– nós
da idade média
(aparências enganam
a nobreza)
) chita é infeliz
no shopping (
*
vaudeville
líria porto
o vulto envolto em voile
vagava em volta do vinho
vício vertigem veleidade
ou vovó em vias
de voar?
*
o vulto envolto em voile
vagava em volta do vinho
vício vertigem veleidade
ou vovó em vias
de voar?
*
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
disposição
líria porto
acordar de madrugada
para ver o céu mudar
de escuro a azulão
arroxeado lilás
e chegar pé ante pé
aos tons da manhã
de lambuja ouvir os galos
os passarinhos os cães
as crianças buliçosas
de camisolas pijamas
ainda tontas de sono
(o amor
no outro lado
da cama)
tomar um banho um café
e já ter o dia ganho
pouco importa o que houver
no tempo no trânsito no trampo
no azedume do chefe
(ao final do expediente
retornar à casa)
*
(publicado no livro garimpo - editora lê) - namoro
líria porto
de encontro ao vento
ando lento pra sentir seus dedos finos
e seu corpo sem matéria
eleva-me do chão alguns centímetros
*
de encontro ao vento
ando lento pra sentir seus dedos finos
e seu corpo sem matéria
eleva-me do chão alguns centímetros
*
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
(publicado no livro garimpo - editora lê) - âncora
líria porto
mãe era sereia
cheiro de flor e manhã
tinha manto verdejante
nove filhotes
mãe era sereia
cheiro de flor e manhã
tinha manto verdejante
nove filhotes
no canto
pai era mar
ia e vinha
supria a casa de sal
e peixes
eu
grão de areia
existia
*
pai era mar
ia e vinha
supria a casa de sal
e peixes
eu
grão de areia
existia
*
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
poema antigo para nina rizzi
líria porto
o ipê secou
mas numa das galhas
há flores
(deus não abandona as árvores
que deus?
:
um que ria das dores e chore
de alegria)
*
o ipê secou
mas numa das galhas
há flores
(deus não abandona as árvores
que deus?
:
um que ria das dores e chore
de alegria)
*
proteção
líria porto
poderoso –– um penhasco
o pai olha o filho e ordena
passa aqui menino
o garoto
veloz como o vento
esconde-se atrás da avó
*
poderoso –– um penhasco
o pai olha o filho e ordena
passa aqui menino
o garoto
veloz como o vento
esconde-se atrás da avó
*
caim caim
líria porto
um grande um pequeno
coragem em pé de igualdade
no entanto
tamanho é documento
*
um grande um pequeno
coragem em pé de igualdade
no entanto
tamanho é documento
*
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
domingo, 20 de dezembro de 2009
mãe
líria porto
se todos me pudessem ver
do jeito que ela me via
filhos não têm defeitos
são bons bonitos perfeitos
que pena - nem o espelho
tem seus olhos de magia
*
se todos me pudessem ver
do jeito que ela me via
filhos não têm defeitos
são bons bonitos perfeitos
que pena - nem o espelho
tem seus olhos de magia
*
conchas (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)
líria porto
é a coisa mais linda
carregar água na folha
d’inhame
imagina u'a mãe
a levar no colo
o recém-nascido
ou um ninho pequeno
com três filhotes
abrindo os bicos
é tão lindo quanto
*
é a coisa mais linda
carregar água na folha
d’inhame
imagina u'a mãe
a levar no colo
o recém-nascido
ou um ninho pequeno
com três filhotes
abrindo os bicos
é tão lindo quanto
*
(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - derrama
líria porto
de dentro pra fora
de fora pra dentro
atravessa a fresta
pula a janela
passa debaixo da porta
:
a luz não cabe
onde mora
*
de dentro pra fora
de fora pra dentro
atravessa a fresta
pula a janela
passa debaixo da porta
:
a luz não cabe
onde mora
*
sábado, 19 de dezembro de 2009
. quarto minguante
líria porto
se eu ficar quieta a olhar o teto
não me atrapalhes
pode ser que esteja a pensar nas vezes
que me dispensavas
*
se eu ficar quieta a olhar o teto
não me atrapalhes
pode ser que esteja a pensar nas vezes
que me dispensavas
*
desnutrido
líria porto
o amor morreu
sinto pena
há muito agonizava
melhor sepultá-lo hoje
rezar pela sua alma
enterrá-lo a sete palmos
regá-lo com nossas lágrimas
quem sabe nasce uma flor
amor-perfeito
saudade
*
o amor morreu
sinto pena
há muito agonizava
melhor sepultá-lo hoje
rezar pela sua alma
enterrá-lo a sete palmos
regá-lo com nossas lágrimas
quem sabe nasce uma flor
amor-perfeito
saudade
*
bipolar
líria porto
o céu despenca
quando não é sol é chuva
:
nascem como pés de avenca
ora dádivas ora dúvidas
*
o céu despenca
quando não é sol é chuva
:
nascem como pés de avenca
ora dádivas ora dúvidas
*
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
(para o livro sem pecado não tem salvação) moita
líria porto
queres mesmo vir –– pois chega inteiro
não tragas do teu mundo tantos vínculos
nem me trates por judith ou por marília
há coisas que emputecem as mulheres
causam-lhes queimaduras e feridas
são piores bem piores
que águas-vivas
*
queres mesmo vir –– pois chega inteiro
não tragas do teu mundo tantos vínculos
nem me trates por judith ou por marília
há coisas que emputecem as mulheres
causam-lhes queimaduras e feridas
são piores bem piores
que águas-vivas
*
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
passageiros
líria porto
embarcamos sem saber
para rumo ignorado
o trem segue pelos trilhos
sequer trouxemos bagagem
da infância à velhice
tão pequenino o atalho
num de repente o apito
já se faz tarde – neblino
é hora do desembarque
*
embarcamos sem saber
para rumo ignorado
o trem segue pelos trilhos
sequer trouxemos bagagem
da infância à velhice
tão pequenino o atalho
num de repente o apito
já se faz tarde – neblino
é hora do desembarque
*
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
. o diabo já foi anjo
líria porto
pelos pecadinhos alvos
ou pelo breu dos pecados
podemos ser condenados
ao furor do inferno
porém os pecados rubros
encarnados de sem lei
de luxúria de desejo
elevam-nos ao céu
:
eu sei tu sabes
queremos
*
pelos pecadinhos alvos
ou pelo breu dos pecados
podemos ser condenados
ao furor do inferno
porém os pecados rubros
encarnados de sem lei
de luxúria de desejo
elevam-nos ao céu
:
eu sei tu sabes
queremos
*
(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - tocaia
líria porto
o gato pula
o passarinho escapa
azar de gato é passarinho
ter asas
*
o gato pula
o passarinho escapa
azar de gato é passarinho
ter asas
*
língua de trapo
líria porto
no (o)culto daquela santa
abriga-se um ser infame
a vasculhar nossas vidas
infiltrar-se em cada canto
assuntar com falso tampo
as nossas falhas
deslizes
acaso nada consiga
engendra casos intrigas
espalha-os à vizinhança
*
no (o)culto daquela santa
abriga-se um ser infame
a vasculhar nossas vidas
infiltrar-se em cada canto
assuntar com falso tampo
as nossas falhas
deslizes
acaso nada consiga
engendra casos intrigas
espalha-os à vizinhança
*
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
cuspiu no prato
líria porto
o cílio nasceu errado
virado furava o olho
o filho nasceu errado
ingrato feria a mãe
o mundo – esse quadrado
coalhado de desenganos
*
o cílio nasceu errado
virado furava o olho
o filho nasceu errado
ingrato feria a mãe
o mundo – esse quadrado
coalhado de desenganos
*
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
domingo, 13 de dezembro de 2009
sábado, 12 de dezembro de 2009
desisto
líria porto
tento tanto tanto tento
e sem nenhum talento
insisto no assunto
:
sinto ter chegado a esse ponto
*
tento tanto tanto tento
e sem nenhum talento
insisto no assunto
:
sinto ter chegado a esse ponto
*
pesadelo
líria porto
vinha como curupira
em passos contrários
diluídos em lágrimas
os sonhos molhavam-lhe
os nervos
*
vinha como curupira
em passos contrários
diluídos em lágrimas
os sonhos molhavam-lhe
os nervos
*
professora ellena
líria porto
sabia pôr as palavras
uma por uma
com ou sem acento
em cem assentos macios
até que elas
sábias como os sabiás
alçassem voo
*
sabia pôr as palavras
uma por uma
com ou sem acento
em cem assentos macios
até que elas
sábias como os sabiás
alçassem voo
*
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
castigo
líria porto
cada qual tem uma cruz e a carrega
conforme a sua culpa e os motivos
muita vez junto da cruz há o remorso
ponta de espinho na garganta
dos omissos
*
cada qual tem uma cruz e a carrega
conforme a sua culpa e os motivos
muita vez junto da cruz há o remorso
ponta de espinho na garganta
dos omissos
*
neuras
líria porto
o que fizemos da vida
o que a vida fez de nós
desatamos desatamos nós
e ficamos amarrados
*
o que fizemos da vida
o que a vida fez de nós
desatamos desatamos nós
e ficamos amarrados
*
(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - insones
líria porto
a noite roía as unhas
um vento forte zunia
imenso o leito vazio
até a lua minguava
e não havia estrelas
eu tive pena da noite
negro manto de graúna
os piados da coruja
nuvem densa carrancuda
intranquilo céu de piche
uma sirene tocava
os mendigos sem abrigo
os bêbados a madrugada
a rouquidão os gemidos
a noite toda tremia
nem ela nem eu dormimos
*
a noite roía as unhas
um vento forte zunia
imenso o leito vazio
até a lua minguava
e não havia estrelas
eu tive pena da noite
negro manto de graúna
os piados da coruja
nuvem densa carrancuda
intranquilo céu de piche
uma sirene tocava
os mendigos sem abrigo
os bêbados a madrugada
a rouquidão os gemidos
a noite toda tremia
nem ela nem eu dormimos
*
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
soledad
líria porto
mansa como uma criança
a reparar na nuvem na pedra na lua na montanha
e a sensação estranha de ser tão sozinha
pássara
homens são um caso à parte
(parecem-lhe de marte)
*
mansa como uma criança
a reparar na nuvem na pedra na lua na montanha
e a sensação estranha de ser tão sozinha
pássara
homens são um caso à parte
(parecem-lhe de marte)
*
(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - o canário
líria porto
aguarda a mudança das penas
depois abre o bico e fala o que pensa
*
aguarda a mudança das penas
depois abre o bico e fala o que pensa
*
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
apelação
líria porto
não tem papas na língua
não reza salve a rainha
nunca foi ao catecismo
com santos se desentende
é livre qual passarinho
porém na hora do aperto
sinal da cruz credo em cruz
e missa e terço
e novena
*
não tem papas na língua
não reza salve a rainha
nunca foi ao catecismo
com santos se desentende
é livre qual passarinho
porém na hora do aperto
sinal da cruz credo em cruz
e missa e terço
e novena
*
sereia (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)
liria porto
tecia as franjas do mar
picotava-as em bicos
estendia-as na praia
pr'areia ficar bonita
*
tecia as franjas do mar
picotava-as em bicos
estendia-as na praia
pr'areia ficar bonita
*
papo de aranha
líria porto
a palavra puxa o verso
desconverso
faço que não vejo
ela volta
rasga o verbo
faz-me cócegas
dá-me beijo
:
resistir
quem pode?
*
a palavra puxa o verso
desconverso
faço que não vejo
ela volta
rasga o verbo
faz-me cócegas
dá-me beijo
:
resistir
quem pode?
*
vacance
líria porto
nesse (i)mundo de teu deus
ateia à toa incrédula – leva o corpo
ao refestelo e faz castelo na areia
*
nesse (i)mundo de teu deus
ateia à toa incrédula – leva o corpo
ao refestelo e faz castelo na areia
*
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
conclusão
líria porto
quem sabe das tramas
das dobras da vida
aprendeu que as feridas
curam-se com o tempo
usemos mercúrio
ou unguento
no amor é assim
se alguém vai embora
choramos na hora
depois percebemos
damos graças
a_deuses
insubstituíveis
nem nós nem
laços
*
quem sabe das tramas
das dobras da vida
aprendeu que as feridas
curam-se com o tempo
usemos mercúrio
ou unguento
no amor é assim
se alguém vai embora
choramos na hora
depois percebemos
damos graças
a_deuses
insubstituíveis
nem nós nem
laços
*
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
. flores desabrocham
líria porto
insinuas compreendo
e sem nada explícito
fico nua tu te despes
em dias de delicadeza
o grotesco é belo
:
o sexo dos velhos
*
insinuas compreendo
e sem nada explícito
fico nua tu te despes
em dias de delicadeza
o grotesco é belo
:
o sexo dos velhos
*
domingo, 6 de dezembro de 2009
fu(tu)ro
líria porto
do amanhã saberei amanhã
e se eu estiver presente
(de repente algo acontece
e eu desaconteço)
*
do amanhã saberei amanhã
e se eu estiver presente
(de repente algo acontece
e eu desaconteço)
*
chacina
líria porto
a chuva que chia
encharca os baixios
*
a chuva que chia
encharca os baixios
abre chagas no chão
chicoteia os bichos
:
há queixas nas choças
e peixes no lixo
chicoteia os bichos
:
há queixas nas choças
e peixes no lixo
*
sábado, 5 de dezembro de 2009
fome
líria porto
fileiras de pobres percorrem as ruas
parecem formigas e catam migalhas
:
a vida é morte
quando o pão nos falta
parecem formigas e catam migalhas
:
a vida é morte
quando o pão nos falta
*
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
zinha
líria porto
depois que um moreno
invadiu-lhe o peito
entrou e saiu
levou o que havia
ficou-lhe um sem jeito
um oco oriundo
um tal cataclismo
que ela preenche
igual indigente
com amores de um dia
*
depois que um moreno
invadiu-lhe o peito
entrou e saiu
levou o que havia
ficou-lhe um sem jeito
um oco oriundo
um tal cataclismo
que ela preenche
igual indigente
com amores de um dia
*
(publicado no livro olho nu - ed. patuá) palavras desnecessárias
líria porto
nosso encontro durou
o tempo de uma despedida
se eu pudesse voltar àquele ponto
eu te puxava para um canto
beijava eu te beijava tanto
e pronto
*
nosso encontro durou
o tempo de uma despedida
se eu pudesse voltar àquele ponto
eu te puxava para um canto
beijava eu te beijava tanto
e pronto
*
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
(publicado no livro garimpo - editora lê) - desobediência
líria porto
as margens conduzem os rios
com mãos de ferro
(nem sempre conseguem contê-los)
a sede de liberdade
causa transbordamentos
*
as margens conduzem os rios
com mãos de ferro
(nem sempre conseguem contê-los)
a sede de liberdade
causa transbordamentos
*
entretantos
líria porto
de encontro à chuva
(trombo)
numa gota d'água
(lágrima)
eu me inundo
(lástima)
dói-me a dor do mundo
(cáustica)
*
de encontro à chuva
(trombo)
numa gota d'água
(lágrima)
eu me inundo
(lástima)
dói-me a dor do mundo
(cáustica)
*
à distância
líria porto
numa qualquer parte do teu coração
(se eu a tivesse - a ponta que fosse)
eu plantava um canteiro de saudades
:
flores roxas
*
numa qualquer parte do teu coração
(se eu a tivesse - a ponta que fosse)
eu plantava um canteiro de saudades
:
flores roxas
*
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
.safados
líria porto
a soma do quadrado dos capetas
elevada à milionésima potência
corresponde exatamente à metade
do sexo dos anjos
(eu manjo esses inocentes)
*
a soma do quadrado dos capetas
elevada à milionésima potência
corresponde exatamente à metade
do sexo dos anjos
(eu manjo esses inocentes)
*
cocó
líria porto
tantas jornadas me exaurem
(botar / chocar / cuidar dos pintos)
e no final virar canja
*
tantas jornadas me exaurem
(botar / chocar / cuidar dos pintos)
e no final virar canja
*
zero
líria porto
poeminha mínimo
ínfimas estrofes
tão pequenininho
quanto bala toffee
quando eu o espicho
vira puxa-puxa
jogo-o no lixo
nove noves fora
*
poeminha mínimo
ínfimas estrofes
tão pequenininho
quanto bala toffee
quando eu o espicho
vira puxa-puxa
jogo-o no lixo
nove noves fora
*
limitações
líria porto
a dor escadeira
as pernas as partes
a morte não chega
a vida não basta
não quero não queiras
ser ave sem asas
ser corpo sem alma
sem combustão
*
a dor escadeira
as pernas as partes
a morte não chega
a vida não basta
não quero não queiras
ser ave sem asas
ser corpo sem alma
sem combustão
*
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
apanha coração
líria porto
esquerda canhota
direita toda torta
: quem gosta de centro
é cu
(quase impossível
ter rumo)
*
esquerda canhota
direita toda torta
: quem gosta de centro
é cu
(quase impossível
ter rumo)
*
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
maria luiza
líria porto
foi-se
mas deixou seu sabonete
não partiu completamente
(a)largou seu cheiro
e me fez acreditar
que em breve voltará
cheia de sono
e sonho
*
foi-se
mas deixou seu sabonete
não partiu completamente
(a)largou seu cheiro
e me fez acreditar
que em breve voltará
cheia de sono
e sonho
*
(des)empate
líria porto
farinha do mesmo saco
pedaços do mesmo naco
bichos da mesma procedência
gente
mulher e homem
cachorro e gato
*
farinha do mesmo saco
pedaços do mesmo naco
bichos da mesma procedência
gente
mulher e homem
cachorro e gato
*
domingo, 29 de novembro de 2009
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
bem mal
líria porto
escreve
atreve-se a fazer versos
vira do avesso o aperreio
apara as arestas
tapa as frestas por onde entram
as tristezas
:
coração ao cesto
*
escreve
atreve-se a fazer versos
vira do avesso o aperreio
apara as arestas
tapa as frestas por onde entram
as tristezas
:
coração ao cesto
*
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
maledicência
líria porto
atravessam-se-lhe à garganta
palavras pontudas como espinhos de peixe
e o que fala soa brusco agressivo
desarticulado
:
peçonha de víbora
*
atravessam-se-lhe à garganta
palavras pontudas como espinhos de peixe
e o que fala soa brusco agressivo
desarticulado
:
peçonha de víbora
*
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
terça-feira, 24 de novembro de 2009
psssssssssiu
líria porto
fecha o bico passarinho
nenhum pio - malu dorme
abelhas não zunam
gatinhos não miem
cãezinhos silêncio
e tu vento não assobies
e nem a chuva cochiche
malu dorme - aprende
a sonhar
*
fecha o bico passarinho
nenhum pio - malu dorme
abelhas não zunam
gatinhos não miem
cãezinhos silêncio
e tu vento não assobies
e nem a chuva cochiche
malu dorme - aprende
a sonhar
*
domingo, 22 de novembro de 2009
sábado, 21 de novembro de 2009
estampada
líria porto
roupa velha larga confortável
como um bom amigo um amor antigo
nossa própria casa
*
roupa velha larga confortável
como um bom amigo um amor antigo
nossa própria casa
*
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
arapuca
líria porto
um ponto duas laçadas
dois pontos três laçadas
três pontos quatro laçadas
assim se tece a carreira
(no cargo tudo são vagos
exceto contas-correntes)
um dia vem um pirralho
quer passar pelo atalho
cai mosquitinho na rede
*
um ponto duas laçadas
dois pontos três laçadas
três pontos quatro laçadas
assim se tece a carreira
(no cargo tudo são vagos
exceto contas-correntes)
um dia vem um pirralho
quer passar pelo atalho
cai mosquitinho na rede
*
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
limpo com jornal
liria porto
as vogais
as consoantes
brotam do papel
e proclamam
:
depois da tempestade
ao invés de bonança
vem mais desgraça
*
as vogais
as consoantes
brotam do papel
e proclamam
:
depois da tempestade
ao invés de bonança
vem mais desgraça
*
terça-feira, 17 de novembro de 2009
(publicado no livro garimpo - editora lê) - aos pés da letra
líria porto
a palavra usa e abusa do escritor
fá-lo cavalo cachorro capacho escravo
dá-lhe com a chibata até que ele se curve
:
subverta-se
a palavra usa e abusa do escritor
fá-lo cavalo cachorro capacho escravo
dá-lhe com a chibata até que ele se curve
:
subverta-se
*
ciúmes
líria porto
posseiro do seu corpo
controla sua boca seus olhos
finca-lhe estaca entre as pernas
) pensamentos pulam
cerca (
*
posseiro do seu corpo
controla sua boca seus olhos
finca-lhe estaca entre as pernas
) pensamentos pulam
cerca (
*
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
(publicado no livro garimpo - editora lê) - granizo
líria porto
a chuva desce doida inconsequente
o vento - seu comparsa - faz estragos
um raio chicoteia o céu cinzento
parece que os deuses estão bravos
atiram pedras em culpados
e inocentes
*
a chuva desce doida inconsequente
o vento - seu comparsa - faz estragos
um raio chicoteia o céu cinzento
parece que os deuses estão bravos
atiram pedras em culpados
e inocentes
*
película
líria porto
fosse beijo técnico
não houvesse amasso pra valer
ainda assim iria pelos ares
virava poeira cósmica
estrela de cinema
ou de tevê
*
fosse beijo técnico
não houvesse amasso pra valer
ainda assim iria pelos ares
virava poeira cósmica
estrela de cinema
ou de tevê
*
domingo, 15 de novembro de 2009
sábado, 14 de novembro de 2009
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
à la alice ruiz
líria porto
apaixonada
apaixovoa
apaixoanda
apaixorrasteja
*
"apaixonada
apaixotudo
apaixoquase"
(alice ruiz)
*
apaixonada
apaixovoa
apaixoanda
apaixorrasteja
*
"apaixonada
apaixotudo
apaixoquase"
(alice ruiz)
*
ancião
líria porto
botou as barbas de molho
quando viu eram grisalhas
e não houve uma navalha
capaz de raspar-lhe
o tempo
*
botou as barbas de molho
quando viu eram grisalhas
e não houve uma navalha
capaz de raspar-lhe
o tempo
*
) sofrer é soda (
líria porto
não tem medo de defunto
de assombração de escuro
porém foge da paixão
como o diabo da cruz
(já provou desse veneno
não vai repetir a dose)
*
não tem medo de defunto
de assombração de escuro
porém foge da paixão
como o diabo da cruz
(já provou desse veneno
não vai repetir a dose)
*
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
(des)casal
líria porto
acostumou-se à mesa para dois
e depois que ele se foi
o mesmo ritual
:
falar sozinha
*
acostumou-se à mesa para dois
e depois que ele se foi
o mesmo ritual
:
falar sozinha
*
fútil
líria porto
narciso não suporta sua calva
e cansado de bonés perucas chapéus
implanta um topete
(suplanta-se)
*
narciso não suporta sua calva
e cansado de bonés perucas chapéus
implanta um topete
(suplanta-se)
*
desastrada
líria porto
por desconhecer as bordas do corpo
esbarrões hematomas feridas
(nem a alma tem limite)
*
por desconhecer as bordas do corpo
esbarrões hematomas feridas
(nem a alma tem limite)
*
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
montanhesa (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)
líria porto
dissera-lhe a professora
dissera-lhe a professora
tens olhos de folha seca
herança dos ancestrais
castanho esverdeados
ou verdes com algum barro
a parda cor dos pardais
*
herança dos ancestrais
castanho esverdeados
ou verdes com algum barro
a parda cor dos pardais
*
terça-feira, 10 de novembro de 2009
infelizes
líria porto
o que foi feito de amália
a bela de olhos lânguidos
e de tristeza entranhada
cujos passos a levaram
para a sombra de antônio
um homem de gestos rentes
e sorriso ácido?
o que foi feito de amélia
mera mulher desverdade
que passava suas tardes
sem dizer uma palavra
e que durante o trabalho
deixava as marcas o rastro
da sua poeira amarga?
o que foi feito de emília
da sua pele amarela
quando foi abandonada
tão quieta tão sem ânimo
até que veio um pássaro
e levou-a para o céu
para a suíte dos santos?
o que foi feito de ordália
adélia odília odete
:
o que foi feito de ângela?
*
o que foi feito de amália
a bela de olhos lânguidos
e de tristeza entranhada
cujos passos a levaram
para a sombra de antônio
um homem de gestos rentes
e sorriso ácido?
o que foi feito de amélia
mera mulher desverdade
que passava suas tardes
sem dizer uma palavra
e que durante o trabalho
deixava as marcas o rastro
da sua poeira amarga?
o que foi feito de emília
da sua pele amarela
quando foi abandonada
tão quieta tão sem ânimo
até que veio um pássaro
e levou-a para o céu
para a suíte dos santos?
o que foi feito de ordália
adélia odília odete
:
o que foi feito de ângela?
*
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
comunicado
líria porto
escrevo para te dizer
morri daqui a um mês
morte natural
misto de saudade e tédio
não houve remédio
:
dorme sossegado
nada de missa
arranja outra namorada
mas cuidado –– tem muita mente insana
em corpo são
(muita canoa furada)
morri daqui a um mês
morte natural
misto de saudade e tédio
não houve remédio
:
dorme sossegado
nada de missa
arranja outra namorada
mas cuidado –– tem muita mente insana
em corpo são
(muita canoa furada)
*
(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - para compensar a força bruta
líria porto
por trás
homens e mulheres
quase iguais
frente a frente
elas têm peito
eles pendências
*
por trás
homens e mulheres
quase iguais
frente a frente
elas têm peito
eles pendências
*
domingo, 8 de novembro de 2009
desesperador
líria porto
nas ruas procuro teu rosto
nos rostos procuro teus traços
nos traços procuro teus gestos
nos gestos procuro teus atos
nos atos procuro teu amor
nos amores procuro por ti
e não te acho
*
nas ruas procuro teu rosto
nos rostos procuro teus traços
nos traços procuro teus gestos
nos gestos procuro teus atos
nos atos procuro teu amor
nos amores procuro por ti
e não te acho
*
príncipe (des)encantado
líria porto
o amor dos outros é perfeito
o nosso amor ronca queixa-se
fala inconveniências emite sons e odores
agarra-se a mesquinharias é carente
mas no final das contas ele
tão somente ele
aguenta-nos
leva-nos a sentir (des)prazeres
por tempo indeterminado
) amores-perfeitos também murcham (
*
o amor dos outros é perfeito
o nosso amor ronca queixa-se
fala inconveniências emite sons e odores
agarra-se a mesquinharias é carente
mas no final das contas ele
tão somente ele
aguenta-nos
leva-nos a sentir (des)prazeres
por tempo indeterminado
) amores-perfeitos também murcham (
*
sábado, 7 de novembro de 2009
brincos colares e acessórios
líria porto
o céu azul que beleza
com nuvens que maravilha
quebram a rotina dos mares
ondas ilhas e navios
nu deserto sem oásis
na floresta tem
orquídeas
*
o céu azul que beleza
com nuvens que maravilha
quebram a rotina dos mares
ondas ilhas e navios
nu deserto sem oásis
na floresta tem
orquídeas
*
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
olhos de cais
líria porto
raquel mora
na rua jogo da bola
cento e dezenove
o orvalho ancora em seus cílios
quando a lua diamantina
*
raquel mora
na rua jogo da bola
cento e dezenove
o orvalho ancora em seus cílios
quando a lua diamantina
*
dor de cotovelo
tem um sol no fim da rua
uma lua no começo –– o preço
é ficar na janela
*
*
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
abraço
líria porto
o mundo fica leve tão pequeno
cabe na grandeza dos teus braços
no afago dos teus dedos
*
o mundo fica leve tão pequeno
cabe na grandeza dos teus braços
no afago dos teus dedos
*
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
descompasso
líria porto
a alma vai veloz em disparada
o corpo passo a passo não a alcança
felizes caminhávamos de mãos dadas
naqueles velhos tempos da infância
*
a alma vai veloz em disparada
o corpo passo a passo não a alcança
felizes caminhávamos de mãos dadas
naqueles velhos tempos da infância
*
terça-feira, 3 de novembro de 2009
la nave va
líria porto
caminhei alguns calvários
tive tristeza alegria
desafios desenganos
porém nada permanente
quando a vida vira a página
quando amanhece de novo
o que deve ser será
vive-se
um olhar
um outro canto
o choro outras palavras
eu deixo a porta sem trava
se um amor quiser partir
outro por certo virá
é a vida seu compasso
a medida do possível
eu sorvo cada momento
eu bebo cada gotinha
eu choro rio padeço
repenso minhas fraquezas
aliso as marcas do tempo
deixo a vida dar os passos
voe ou rasteje
prossigo
sofres eu sofro junto
alegro-me quando te alegras
sou aquela caravela
que em plena calmaria
encontrou um outro rumo
se a bonança acabar
voltarem o vento a chuva
um dia chega o estio
haverá amanhãs
*
caminhei alguns calvários
tive tristeza alegria
desafios desenganos
porém nada permanente
quando a vida vira a página
quando amanhece de novo
o que deve ser será
vive-se
um olhar
um outro canto
o choro outras palavras
eu deixo a porta sem trava
se um amor quiser partir
outro por certo virá
é a vida seu compasso
a medida do possível
eu sorvo cada momento
eu bebo cada gotinha
eu choro rio padeço
repenso minhas fraquezas
aliso as marcas do tempo
deixo a vida dar os passos
voe ou rasteje
prossigo
sofres eu sofro junto
alegro-me quando te alegras
sou aquela caravela
que em plena calmaria
encontrou um outro rumo
se a bonança acabar
voltarem o vento a chuva
um dia chega o estio
haverá amanhãs
*
domingo, 1 de novembro de 2009
na zona da lua
líria porto
ipê tão pequeno
tão pleno de flor
dormiu ao relento
a noite beijou-o
beijou-o beijou-o
acordou respingado
de sereno
*
ipê tão pequeno
tão pleno de flor
dormiu ao relento
a noite beijou-o
beijou-o beijou-o
acordou respingado
de sereno
*
sábado, 31 de outubro de 2009
colar
líria porto
costuro meu canto
com outras medidas
sou eu das palavras
limadas antigas
pois tais como as pedras
se ficam pontudas
se têm muita aresta
eu digo não prestam
estão mal cosidas
as letras redondas
quais seixos no rio
são um desafio
um cordão de pérolas
meus dedos já gastos
às vezes coletam-nas
com as pontas das unhas
que tenho esmaltadas
na cor das petúnias
*
costuro meu canto
com outras medidas
sou eu das palavras
limadas antigas
pois tais como as pedras
se ficam pontudas
se têm muita aresta
eu digo não prestam
estão mal cosidas
as letras redondas
quais seixos no rio
são um desafio
um cordão de pérolas
meus dedos já gastos
às vezes coletam-nas
com as pontas das unhas
que tenho esmaltadas
na cor das petúnias
*
minas
líria porto
cheiros sabores aromas
queijos doces
suspiros
pães bolos biscoitos
amores pecados prazeres
(sodoma gomorra
e fogão de rabo
quente)
*
cheiros sabores aromas
queijos doces
suspiros
pães bolos biscoitos
amores pecados prazeres
(sodoma gomorra
e fogão de rabo
quente)
*
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
zelo
líria porto
sobe numa galha noutra – olha as ramas curioso
parece que o passarinho quer um canto para o ninho
e todo cuidado é pouco
*
sobe numa galha noutra – olha as ramas curioso
parece que o passarinho quer um canto para o ninho
e todo cuidado é pouco
*
freguês
líria porto
abre-lhe os colchetes
puxa-lhe os elásticos
depois se comporta
como se estivesse
à mesa
:
saboreia-lhe a carne
repete a sobremesa
e adormece
antes de partir
bebe café e deixa
a gorjeta
*
abre-lhe os colchetes
puxa-lhe os elásticos
depois se comporta
como se estivesse
à mesa
:
saboreia-lhe a carne
repete a sobremesa
e adormece
antes de partir
bebe café e deixa
a gorjeta
*
terça-feira, 27 de outubro de 2009
fragilidade
líria porto
eu não sei que mágoa é essa
eu não tenho olhos d'água
isso é coisa de mulher
homem que é homem não chora
não se queixa não se dobra
homem que é homem aguenta
(não posso mais suportar)
sou um dique um aguaçal
o meu amor foi embora
não devo dar um gemido
há um mar de sofrimento
estampado no meu riso
pobre de mim ai de mim
(sou o cinismo em pessoa)
eu não sei que dor é essa
escorrega pela cara
atravessa fura o peito
sou um cabra de respeito
sou um homem muito macho
não me agacho não me curvo
(deus do céu quero é morrer)
*
eu não sei que mágoa é essa
eu não tenho olhos d'água
isso é coisa de mulher
homem que é homem não chora
não se queixa não se dobra
homem que é homem aguenta
(não posso mais suportar)
sou um dique um aguaçal
o meu amor foi embora
não devo dar um gemido
há um mar de sofrimento
estampado no meu riso
pobre de mim ai de mim
(sou o cinismo em pessoa)
eu não sei que dor é essa
escorrega pela cara
atravessa fura o peito
sou um cabra de respeito
sou um homem muito macho
não me agacho não me curvo
(deus do céu quero é morrer)
*
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
rigidez
líria porto
algumas palavras secas
iguais bagaço de cana
tão somente são disfarce
de quem repete eu não amo
porém sofre chora sente
e tem todas as fraquezas
desta tola raça humana
*
algumas palavras secas
iguais bagaço de cana
tão somente são disfarce
de quem repete eu não amo
porém sofre chora sente
e tem todas as fraquezas
desta tola raça humana
*
domingo, 25 de outubro de 2009
(des)equilíbrios
líria porto
paredes frias
(corredores não têm alma
no entanto me seguiam
conduziam-me aos lugares)
deixei a casa
(ampliei os meus ex-passos
corro paro rodopio
sem medo de dromedários)
tropeço em corcovas
*
paredes frias
(corredores não têm alma
no entanto me seguiam
conduziam-me aos lugares)
deixei a casa
(ampliei os meus ex-passos
corro paro rodopio
sem medo de dromedários)
tropeço em corcovas
*
sábado, 24 de outubro de 2009
faminta
líria porto
eu disfarço tergiverso
finjo que ela nem existe
a tristeza me persegue
pede água pede alpiste
*
eu disfarço tergiverso
finjo que ela nem existe
a tristeza me persegue
pede água pede alpiste
*
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
almodóvar
líria porto
outubro outubra-a
e sempre de (as)salto
vestido encarnado
sapatos vermelhos
:
a rosa que dança
aberta no asfalto
tem cheiro de carne
tem jeito de chaga
tem sangue no tango
tem nome de cármen
*
outubro outubra-a
e sempre de (as)salto
vestido encarnado
sapatos vermelhos
:
a rosa que dança
aberta no asfalto
tem cheiro de carne
tem jeito de chaga
tem sangue no tango
tem nome de cármen
*
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
a reza do povo
líria porto
o pão nosso de cada dia
sovado por estes braços fatigados
não nos seja subtraído por ninguém
menos ainda pelos donos do mundo
manipuladores da dor
e da miséria
:
amemo-nos
*
o pão nosso de cada dia
sovado por estes braços fatigados
não nos seja subtraído por ninguém
menos ainda pelos donos do mundo
manipuladores da dor
e da miséria
:
amemo-nos
*
troviscos
líria porto
a vida segue a galope
em verdade o tempo venta
e neste piscar de olhos
já tenho mais de setenta
o meu espelho envelhece
depressa fica embaçado
daqui a pouco me esquece
veste pijama listrado
viver é tão de repente
a morte – eterno mistério
em noites de lua plena
não fico triste nem sério
quem quiser dançar comigo
tomar lugar nesta roda
coloque piercing no umbigo
ou cabelos cor-de-rosa
(sujei minhas mãos na terra
entendo os ranços da vida
exceto judiação
miséria fome e injustiça)
*
a vida segue a galope
em verdade o tempo venta
e neste piscar de olhos
já tenho mais de setenta
o meu espelho envelhece
depressa fica embaçado
daqui a pouco me esquece
veste pijama listrado
viver é tão de repente
a morte – eterno mistério
em noites de lua plena
não fico triste nem sério
quem quiser dançar comigo
tomar lugar nesta roda
coloque piercing no umbigo
ou cabelos cor-de-rosa
(sujei minhas mãos na terra
entendo os ranços da vida
exceto judiação
miséria fome e injustiça)
*
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
t. salomão
líria porto
eu tinha uma parceira
a turca
com ela eu tomava chuva
pisava nas enxurradas
voltávamos do colégio juntas
íamos ao cinema - ríamos
e chorávamos
tereza morreu e eu
sinto saudades
de mim
*
eu tinha uma parceira
a turca
com ela eu tomava chuva
pisava nas enxurradas
voltávamos do colégio juntas
íamos ao cinema - ríamos
e chorávamos
tereza morreu e eu
sinto saudades
de mim
*
brejo alegre
líria porto
o vento varria tudo
só ficava no lugar
quem tinha força raiz
aqueles que resistiam
às agruras do cerrado
ao ferrão dos pernilongos
à mortal monotonia
às vezes sinto saudade
retorno por alguns dias
depois volto para casa
coração a borbulhar
a transbordar boa água
agonias descampados
pessoas inesquecíveis
*
o vento varria tudo
só ficava no lugar
quem tinha força raiz
aqueles que resistiam
às agruras do cerrado
ao ferrão dos pernilongos
à mortal monotonia
às vezes sinto saudade
retorno por alguns dias
depois volto para casa
coração a borbulhar
a transbordar boa água
agonias descampados
pessoas inesquecíveis
*
des_maio
líria porto
desmalha-se
vive\morre um pouco
floco de neve pétala
rio solto no despenhadeiro
poeira
brasa no borralho
(passarinho rompe o ovo
abre o olho pela primeira vez)
*
desmalha-se
vive\morre um pouco
floco de neve pétala
rio solto no despenhadeiro
poeira
brasa no borralho
(passarinho rompe o ovo
abre o olho pela primeira vez)
*
terça-feira, 20 de outubro de 2009
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
escape
líria porto
é bom brincar de passarinho
abrir os braços a fingir – sou livre
fechar os olhos e planar no sonho
pensar num ninho ao voltar
pra casa
*
é bom brincar de passarinho
abrir os braços a fingir – sou livre
fechar os olhos e planar no sonho
pensar num ninho ao voltar
pra casa
*
(publicado no livro olho nu - ed. patuá) lamentações
líria porto
chorei todos os rios mares oceanos
todas as lágrimas das viúvas todas as chuvas
molhei todas as toalhas lenços lençóis
e fronhas
:
chorei as pitangas
*
chorei todos os rios mares oceanos
todas as lágrimas das viúvas todas as chuvas
molhei todas as toalhas lenços lençóis
e fronhas
:
chorei as pitangas
*
domingo, 18 de outubro de 2009
longe
líria porto
quanto mais batia a clara
quanto mais batia a gema
quanto mais crescia o ovo
tanto mais eu me lembrava
de como gostas de bolo
coloquei manteiga açúcar
misturava com a colher
eu ficava com saudade
deu vontade de te ver
de voar onde estivesses
o fermento a farinha
o leite o sentimento
a essência do teu jeito
o gosto bom do teu beijo
eu te queria por perto
esqueci de um detalhe
olha só que distração
ao invés de assar o bolo
congelei foi a saudade
a lágrima a distância
o choro
*
quanto mais batia a clara
quanto mais batia a gema
quanto mais crescia o ovo
tanto mais eu me lembrava
de como gostas de bolo
coloquei manteiga açúcar
misturava com a colher
eu ficava com saudade
deu vontade de te ver
de voar onde estivesses
o fermento a farinha
o leite o sentimento
a essência do teu jeito
o gosto bom do teu beijo
eu te queria por perto
esqueci de um detalhe
olha só que distração
ao invés de assar o bolo
congelei foi a saudade
a lágrima a distância
o choro
*
aqui jaz
líria porto
um dia o moreno vai voltar
e quando regressar será mui tarde
haverá em minha lápide o epitáfio
bebeu taça de ausência
e de saudade
*
um dia o moreno vai voltar
e quando regressar será mui tarde
haverá em minha lápide o epitáfio
bebeu taça de ausência
e de saudade
*
clandestino
líria porto
vou aí onde tu vives
andar pela tua rua
ver a lua que tu vês
o teu mar a tua praia
conhecer cada nervura
entranhada nos caminhos
depois volto para casa
e de ti que me esqueceste
saberei cada detalhe
cada pedaço fatia
que por desamor descaso
trataste de me esconder
*
vou aí onde tu vives
andar pela tua rua
ver a lua que tu vês
o teu mar a tua praia
conhecer cada nervura
entranhada nos caminhos
depois volto para casa
e de ti que me esqueceste
saberei cada detalhe
cada pedaço fatia
que por desamor descaso
trataste de me esconder
*
sábado, 17 de outubro de 2009
pomo-de-adão
líria porto
a folha de parreira
as vergonhas de eva
pecado é comer maçã
com gosto de isopor
*
a folha de parreira
as vergonhas de eva
pecado é comer maçã
com gosto de isopor
*
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
ascensão
líria porto
as alegrias postiças
jamais se sentira gente
foi só dor e sujeição
e o filho do patrão
pôs-lhe um filho na barriga
(o menino não vingou)
ela nasceu no sertão
naquela sede de tudo
coração esfarinhado
o chão era pai e mãe
e a terra seca sem viço
sua cama seu colchão
seu corpo virou moeda
moído na mão de todos
fosse qual fosse o macho
os direitos sobre ela
trocavam-na por qualquer troco
partiam sem despedidas
nessa sorte sem fortuna
o seu corpo definhou
virou pele sobre ossos
nem freguês e nem comida
desgostou-se de tal fado
foi ser feliz lá em cima
agora maria brilha
o seu espelho é a lua
o travesseiro uma nuvem
ficou linda como nunca
a estrela mais bonita
das que enfeitam a noite
*
as alegrias postiças
jamais se sentira gente
foi só dor e sujeição
e o filho do patrão
pôs-lhe um filho na barriga
(o menino não vingou)
ela nasceu no sertão
naquela sede de tudo
coração esfarinhado
o chão era pai e mãe
e a terra seca sem viço
sua cama seu colchão
seu corpo virou moeda
moído na mão de todos
fosse qual fosse o macho
os direitos sobre ela
trocavam-na por qualquer troco
partiam sem despedidas
nessa sorte sem fortuna
o seu corpo definhou
virou pele sobre ossos
nem freguês e nem comida
desgostou-se de tal fado
foi ser feliz lá em cima
agora maria brilha
o seu espelho é a lua
o travesseiro uma nuvem
ficou linda como nunca
a estrela mais bonita
das que enfeitam a noite
*
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
propriedade
líria porto
na casa onde moro
sou peixe dentro do aquário
nado peito borboleta
mergulho flutuo divirto-me
afundo choro trabalho
nada aqui é proibido
eu sonho e tenho o mar
o atlântico o pacífico
um lago imenso tranquilo
um rio de águas claras
uma bacia uma bica
tanto faz
a casa é minas
*
na casa onde moro
sou peixe dentro do aquário
nado peito borboleta
mergulho flutuo divirto-me
afundo choro trabalho
nada aqui é proibido
eu sonho e tenho o mar
o atlântico o pacífico
um lago imenso tranquilo
um rio de águas claras
uma bacia uma bica
tanto faz
a casa é minas
*
estrelado
líria porto
numa panela de pedra
manteiga alho cebola
deixar dourar só um pouco
pôr a medida de arroz
o dobro d'água fervente
temperar com sal a gosto
quando secar – que delícia
comer purinho com ovo
*
numa panela de pedra
manteiga alho cebola
deixar dourar só um pouco
pôr a medida de arroz
o dobro d'água fervente
temperar com sal a gosto
quando secar – que delícia
comer purinho com ovo
*
fogaréu
líria porto
há um verso intermitente
está sempre à tocaia
no espelho vejo-o avesso
nuvem negra me atrapalha
sem espada sem nobreza
submeto-me à cangalha
ele empurra o travesseiro
abro os olhos mui calada
ele deita no meu peito
quer rasgar minha mortalha
eu tão pálida tão sem jeito
ele abusa de um atalho
e se instala no meu ventre
(sê poeta não te entraves
nem te escondas do crepúsculo
os vermelhos ficam grávidos)
*
há um verso intermitente
está sempre à tocaia
no espelho vejo-o avesso
nuvem negra me atrapalha
sem espada sem nobreza
submeto-me à cangalha
ele empurra o travesseiro
abro os olhos mui calada
ele deita no meu peito
quer rasgar minha mortalha
eu tão pálida tão sem jeito
ele abusa de um atalho
e se instala no meu ventre
(sê poeta não te entraves
nem te escondas do crepúsculo
os vermelhos ficam grávidos)
*
não vou te esquecer
líria porto
quando eu me for daqui
um lugar que desconheço
e ficar a sete palmos
onde os vermes têm fome
for largada numa vala
a minha carne sem dono
quando eu me for daqui
a vagar pelos escuros
e deixar os meus afetos
meus apegos meus amores
esses versos sem destino
farão a ponte
*
quando eu me for daqui
um lugar que desconheço
e ficar a sete palmos
onde os vermes têm fome
for largada numa vala
a minha carne sem dono
quando eu me for daqui
a vagar pelos escuros
e deixar os meus afetos
meus apegos meus amores
esses versos sem destino
farão a ponte
*
terça-feira, 13 de outubro de 2009
cabuloso
líria porto
talvez eu seja esteja sempre tenha sido ou me torne
daquelas pessoas a ouvirem as pedras antes de atirá-las
pense em rimas estridentes a implorarem esmola nos semáforos
debaixo de tempestade ou chuva de granizo
(numa sacola de plástico)
e fale fale fale ou não diga nada feche-me em silêncios
dê quatro ou sete estalos estéreis histéricos agressivos adjetivados
fique mudo ou gago
ninguém me compreende –– sinto dor nevrálgica
e não dor de dente
daquelas pessoas a ouvirem as pedras antes de atirá-las
pense em rimas estridentes a implorarem esmola nos semáforos
debaixo de tempestade ou chuva de granizo
(numa sacola de plástico)
e fale fale fale ou não diga nada feche-me em silêncios
dê quatro ou sete estalos estéreis histéricos agressivos adjetivados
fique mudo ou gago
ninguém me compreende –– sinto dor nevrálgica
e não dor de dente
*
das mãos de cora
líria porto
versos de milho
agora nos alimentam
nós
poetas sem rima
exilados da terra
vidas de cimento
*
versos de milho
agora nos alimentam
nós
poetas sem rima
exilados da terra
vidas de cimento
*
editora lê - ausculta
líria porto
quando vieres meu bem
insiste na campainha
o tempo esse moleque
pôs tampão nos meus ouvidos
não meças minha emoção
pelo tamanho dos versos
quando sinto - sinto muito
as palavras me emudecem
*
quando vieres meu bem
insiste na campainha
o tempo esse moleque
pôs tampão nos meus ouvidos
não meças minha emoção
pelo tamanho dos versos
quando sinto - sinto muito
as palavras me emudecem
*
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
in_descartáveis
líria porto
dentre nossas tralhas
muitas lembranças
:
nenhuma te sirva de mortalha
nem se assemelhe à esperança
*
dentre nossas tralhas
muitas lembranças
:
nenhuma te sirva de mortalha
nem se assemelhe à esperança
*
insosso
líria porto
dia de segunda
embora feriado
sem gosto de sábado
sem cheiro de domingo
dia sorumbático
*
dia de segunda
embora feriado
sem gosto de sábado
sem cheiro de domingo
dia sorumbático
*
casanova
líria porto
um sofá para jandira
de couro macio
cheiro de cio
um querer bem
um sofá de canto
para o acalanto
o chamego
o quebranto
(a cor não importa
o outro era branco)
um sofá para jandira
descansar da lida
relembrar os amores
esquecer agonias
(ser feliz)
um sofá para jandira
sentar-se aos domingos
cochilar e sonhar
com delícias
um sofá de nuvem
algodão ou pluma
um sofá de balanço
um colo
(de braços fortes)
*
um sofá para jandira
de couro macio
cheiro de cio
um querer bem
um sofá de canto
para o acalanto
o chamego
o quebranto
(a cor não importa
o outro era branco)
um sofá para jandira
descansar da lida
relembrar os amores
esquecer agonias
(ser feliz)
um sofá para jandira
sentar-se aos domingos
cochilar e sonhar
com delícias
um sofá de nuvem
algodão ou pluma
um sofá de balanço
um colo
(de braços fortes)
*
arrimo
líria porto
fico a esperar prazenteiro
maria vem todo dia
traseiro fenomenal
meu fundo de garantia
essa mulher maravilha
leva-me em sua canoa
abastece minhas pilhas
faz-me a vida muito boa
navego nas suas ondas
no céu da boca o delírio
minha alegria se alonga
maria é o ar que respiro
sou marinheiro de sorte
maria é minha guarita
a morte vem e me abate
maria me ressuscita
*
fico a esperar prazenteiro
maria vem todo dia
traseiro fenomenal
meu fundo de garantia
essa mulher maravilha
leva-me em sua canoa
abastece minhas pilhas
faz-me a vida muito boa
navego nas suas ondas
no céu da boca o delírio
minha alegria se alonga
maria é o ar que respiro
sou marinheiro de sorte
maria é minha guarita
a morte vem e me abate
maria me ressuscita
*
domingo, 11 de outubro de 2009
batente
líria porto
sente o seu cheiro
abraça-a por trás
encaixe perfeito
beija-lhe as costas
morde sua nuca
bole nos mamilos
o relógio desperta
fala afobada
:
sossega marido
é segunda-feira
*
sente o seu cheiro
abraça-a por trás
encaixe perfeito
beija-lhe as costas
morde sua nuca
bole nos mamilos
o relógio desperta
fala afobada
:
sossega marido
é segunda-feira
*
sábado, 10 de outubro de 2009
solteirona
líria porto
rezava pedia implorava
ia à missa todo dia
às novenas
prometia batia o pé
santo antônio fazia-se
de surdo
*
rezava pedia implorava
ia à missa todo dia
às novenas
prometia batia o pé
santo antônio fazia-se
de surdo
*
(publicado no livro olho nu - ed. patuá) das cicatrizes seculares
líria porto
um dia — pequeno — partiste eu fiquei
restou-se-me a culpa estrago sem jeito
saí pelas ruas de olhos sem ver
prendessem-me matassem-me
arrancassem-me os seios
(chorei como a chuva do mês de dezembro)
virei enxurrada poça d’água represa
secou-se-me o leite a vida ruiu
um raio partiu minha alma o espelho
morri reencarnei e ainda padeço
são mil estilhaços com teus olhos dentro
*
um dia — pequeno — partiste eu fiquei
restou-se-me a culpa estrago sem jeito
saí pelas ruas de olhos sem ver
prendessem-me matassem-me
arrancassem-me os seios
(chorei como a chuva do mês de dezembro)
virei enxurrada poça d’água represa
secou-se-me o leite a vida ruiu
um raio partiu minha alma o espelho
morri reencarnei e ainda padeço
são mil estilhaços com teus olhos dentro
*
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
ressentimento
líria porto
era traído
e traía
um tiro dentro do ouvido
uma coroa de flores
e os seguintes dizeres
:
a quem amo/odeio
*
era traído
e traía
um tiro dentro do ouvido
uma coroa de flores
e os seguintes dizeres
:
a quem amo/odeio
*
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
o fio da meada é cor de prata (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)
líria porto
o tempo passarava e o canto do galo
rasgava como um dardo as madrugadas
amanhã era hoje num instante
embora nos olhássemos
e jamais fôssemos grandes
a vida pássara
traz-nos cabelos brancos
o galo canta
não sei se agora
ou ontem
*
o tempo passarava e o canto do galo
rasgava como um dardo as madrugadas
amanhã era hoje num instante
embora nos olhássemos
e jamais fôssemos grandes
a vida pássara
traz-nos cabelos brancos
o galo canta
não sei se agora
ou ontem
*
o seminarista
líria porto
afunda-se no decote
margeia seus mamilos
escorre pelas bordas
desvia-se até o quadril
desce-lhe pelas coxas
retorna a seu umbigo
enquanto a prima dorme
cheirosa como flor
biquíni de bolinhas
(virgem por um triz)
margeia seus mamilos
escorre pelas bordas
desvia-se até o quadril
desce-lhe pelas coxas
retorna a seu umbigo
enquanto a prima dorme
cheirosa como flor
biquíni de bolinhas
(virgem por um triz)
*
socorro
líria porto
azuis se machucam
ficam quase roxos
caem e desmaiam
como hematomas
chamo a enfermeira
vem roberta silva
faz-lhes boca a boca
eles se aproveitam
:
beijo de língua
*
azuis se machucam
ficam quase roxos
caem e desmaiam
como hematomas
chamo a enfermeira
vem roberta silva
faz-lhes boca a boca
eles se aproveitam
:
beijo de língua
*
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
devastação
líria porto
em belo horizonte
a fé não (re)moveu a montanha
fê-lo a mbr s/a
(minerações brasileiras reunidas
sociedade anônima)
*
em belo horizonte
a fé não (re)moveu a montanha
fê-lo a mbr s/a
(minerações brasileiras reunidas
sociedade anônima)
*
campos altos
líria porto
colina após colina
o horizonte se desdobra
e onde pensamos que termina
ainda há minas
:
incontáveis
colina após colina
o horizonte se desdobra
e onde pensamos que termina
ainda há minas
:
incontáveis
*
terça-feira, 6 de outubro de 2009
passe livre (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)
líria porto
quando a foice do destino
ceifar de mim as estrelas
vai me encontrar precavida
não sou de arrastar sandálias
quando a foice do destino
ceifar de mim as estrelas
vai me encontrar precavida
não sou de arrastar sandálias
:
já vivi suficiente
das cangalhas me livrei
aprendi a bater asas
a circular sem fronteiras
*
já vivi suficiente
das cangalhas me livrei
aprendi a bater asas
a circular sem fronteiras
*
invisibilidade
líria porto
esta dor que quando olhas
não compreendes por quê
não é de fratura exposta
é de amor sem resposta
a solidão ninguém vê
*
esta dor que quando olhas
não compreendes por quê
não é de fratura exposta
é de amor sem resposta
a solidão ninguém vê
*
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
gradil
líria porto
na gaiola um passarinho
mavioso sabiá –– pobrezito triste sina
ter asas de não voar
*
na gaiola um passarinho
mavioso sabiá –– pobrezito triste sina
ter asas de não voar
*
(peguei o sol no pulo) universal
*
o silêncio é poliglota
comunica-se e faz-se entender
em todas as línguas
*
líria porto
(publicado no livro olho nu - ed. patuá) providência
líria porto
antes que a luz me apague
visto teu olho nu
*
antes que a luz me apague
visto teu olho nu
*
remorso
líria porto
mar revolto
ondas de tristeza e dor
mescladas de vazios solenes
(deixa-me chorar o choro inteiro)
*
mar revolto
ondas de tristeza e dor
mescladas de vazios solenes
(deixa-me chorar o choro inteiro)
*
(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - façanha
líria porto
tinha três anos não mais
fez um buraco n’areia
e num balde pequenino
buscava água do mar
(trabalhou horas a fio)
quando viu a maré cheia
deu um sorriso e gritou
mamãe mamãe corre aqui
trazi o mar para a praia
*
tinha três anos não mais
fez um buraco n’areia
e num balde pequenino
buscava água do mar
(trabalhou horas a fio)
quando viu a maré cheia
deu um sorriso e gritou
mamãe mamãe corre aqui
trazi o mar para a praia
*
a todo vapor
líria porto
passageiros como as nuvens
deixem-nos chover
trovejar mudar de forma
derreter ante o azul
evaporar
viver é névoa
*
passageiros como as nuvens
deixem-nos chover
trovejar mudar de forma
derreter ante o azul
evaporar
viver é névoa
*
(publicado no livro olho nu - ed. patuá) quando o amor se esfuma
líria porto
de tanto tecer possibilidades
tive l.e.r. (lesão por esforço repetitivo)
e quase fiquei triste
ainda não desisti
embora a dor persista
*
de tanto tecer possibilidades
tive l.e.r. (lesão por esforço repetitivo)
e quase fiquei triste
ainda não desisti
embora a dor persista
*
domingo, 4 de outubro de 2009
(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - arte
líria porto
existe um ipê amarelo
floresce na minha serra
antes da chuva ele explode
nada vi assim tão belo
eu acho – o menino deus
esteve a brincar com ovo
sujou os dedos de gema
e limpou a mão nas flores
*
existe um ipê amarelo
floresce na minha serra
antes da chuva ele explode
nada vi assim tão belo
eu acho – o menino deus
esteve a brincar com ovo
sujou os dedos de gema
e limpou a mão nas flores
*
in_experiência
líria porto
eu plantei uma roseira
quando ela floresceu
sangrou-me os dedos
(ou rosas são perigosas
ou não sei lidar com elas)
*
eu plantei uma roseira
quando ela floresceu
sangrou-me os dedos
(ou rosas são perigosas
ou não sei lidar com elas)
*
sábado, 3 de outubro de 2009
meia volta
líria porto
nuvem escura vento forte
a carroça do leiteiro com capota
maricota –– bota a saia na cabeça
lá vem chuva
*
nuvem escura vento forte
a carroça do leiteiro com capota
maricota –– bota a saia na cabeça
lá vem chuva
*
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
babel
líria porto
letras embaralhadas perfilam-se
não entendo patavina
poliglotas trogloditas cientistas eruditos
dei nós na ponta da língua
*
letras embaralhadas perfilam-se
não entendo patavina
poliglotas trogloditas cientistas eruditos
dei nós na ponta da língua
*
(publicado no livro garimpo - editora lê) - especulação
líria porto
viver é capricho
ou é nada disso
quem pode saber
se as pedras não dizem
os lagos cochilam
os montes se calam
e os homens não prestam
atenção
*
viver é capricho
ou é nada disso
quem pode saber
se as pedras não dizem
os lagos cochilam
os montes se calam
e os homens não prestam
atenção
*
evidências
líria porto
falar de amor a quem amamos é tão óbvio
que até nos descuidamos
esquecemo-nos de perfumar os dias óbvios
oferecer as flores óbvias dizer o óbvio eu te amo
e fica tudo assim tão óbvio que amar
parece desamor
*
falar de amor a quem amamos é tão óbvio
que até nos descuidamos
esquecemo-nos de perfumar os dias óbvios
oferecer as flores óbvias dizer o óbvio eu te amo
e fica tudo assim tão óbvio que amar
parece desamor
*
dormentes
líria porto
o corpo quieto estirado na cama
a alma vagueia por mundos e sonhos
e vai à espanha toureia o toureiro
e vai onde estejas te beija te beija
igual passarinho por céus e distâncias
conhece oceanos navios outros ares
corsários paragens reinados rebanhos
a alma é liberta o corpo é escravo
e peca e cansa padece envelhece
enquanto a alma prossegue encantada
*
o corpo quieto estirado na cama
a alma vagueia por mundos e sonhos
e vai à espanha toureia o toureiro
e vai onde estejas te beija te beija
igual passarinho por céus e distâncias
conhece oceanos navios outros ares
corsários paragens reinados rebanhos
a alma é liberta o corpo é escravo
e peca e cansa padece envelhece
enquanto a alma prossegue encantada
*
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
mistura fina
líria porto
minha mão branca em tua cara preta
tua mão preta em minha cara branca
desancam quaisquer preconceitos
meu peito encaixado no teu
teu corpo por cima do meu
as pernas embaralhadas
café com leite
*
minha mão branca em tua cara preta
tua mão preta em minha cara branca
desancam quaisquer preconceitos
meu peito encaixado no teu
teu corpo por cima do meu
as pernas embaralhadas
café com leite
*
bandoleiras (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)
líria porto
maritacas maritacam
voam em bando
bicam verdes amarelos
e no meio da algazarra
roubam caquinhos do céu
para enfeitar as asas
*
a terrinha
líria porto
a saudade apertou
peguei a gaita a matula
e piquei a mula
fui pra brejo alegre
*
a saudade apertou
peguei a gaita a matula
e piquei a mula
fui pra brejo alegre
*
rebordosa
líria porto
levei do teu corpo a sede que tinhas
sem água boca amarga investigo
fui justo comigo?
*
levei do teu corpo a sede que tinhas
sem água boca amarga investigo
fui justo comigo?
*
rabo de fogão
líria porto
ora pelas lágrimas
*
ora pelas lágrimas
ora pela fumaça
ora pelas lentes sujas
os olhos se embaçam
a vista se turva
ora pelas lentes sujas
os olhos se embaçam
a vista se turva
*
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
passageiro
líria porto
à frente a estrada atrás a estrada
no centro - eu - parado dentro
do carro em movimento
*
à frente a estrada atrás a estrada
no centro - eu - parado dentro
do carro em movimento
*
terça-feira, 29 de setembro de 2009
coerência
líria porto
é preciso saber
estar só(brio)
aquecer a sopa
lavar a louça
esticar o lençol
gostar da própria
sombra
*
é preciso saber
estar só(brio)
aquecer a sopa
lavar a louça
esticar o lençol
gostar da própria
sombra
*
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
semaninha
líria porto
segunda é dia de sono e atrapalho
terça é dia de recomeçar
quarta é dia de trabalho e futebol
quinta é dia de trabalho e telefonemas
sexta é dia de atabalhoar
sábado é dia de mercado e boldo
domingo é dia
*
segunda é dia de sono e atrapalho
terça é dia de recomeçar
quarta é dia de trabalho e futebol
quinta é dia de trabalho e telefonemas
sexta é dia de atabalhoar
sábado é dia de mercado e boldo
domingo é dia
*
domingo, 27 de setembro de 2009
sábado, 26 de setembro de 2009
(ao fantasma da biblioteca)
líria porto
uma folha uma página uma pétala
minh'alma na terceira prateleira
vez por outra
leia-a
*
uma folha uma página uma pétala
minh'alma na terceira prateleira
vez por outra
leia-a
*
sustos
líria porto
tu e eu – corpos colados
um parque de diversão
montanha russa teus braços
o coração bate bate
se eu morrer de infarto
terá sido a salvação
*
tu e eu – corpos colados
um parque de diversão
montanha russa teus braços
o coração bate bate
se eu morrer de infarto
terá sido a salvação
*
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
(peguei o sol no pulo) esqueleto
líria porto
escrevo
depois faço a poda
:
escrevo
depois faço a poda
:
soçobram
os ossos descarnados
do poema
*
os ossos descarnados
do poema
*
(publicado no livro olho nu - ed. patuá) prazo
líria porto
preciso de um tempo
é quase o final do jogo
o show está pelo fim
eu já te posso esquecer
só preciso de um tempo
não me peças além disso
pode ser que eu não consiga
não demora quase nada
apenas um pouco mais
que o resto da minha vida
*
preciso de um tempo
é quase o final do jogo
o show está pelo fim
eu já te posso esquecer
só preciso de um tempo
não me peças além disso
pode ser que eu não consiga
não demora quase nada
apenas um pouco mais
que o resto da minha vida
*
(publicado no livro garimpo - editora lê) - rupestres
líria porto
entre a história dos dois
a montanha a separá-los
de um lado a pouca força
do outro palavras parcas
e as rochas tão caladas
de cá vivia uma louca
de lá morava um poeta
o homem sangrava versos
as unhas dela rasgavam
feriam a pele da pedra
e a fina chuva regava
os gestos do amor eterno
*
entre a história dos dois
a montanha a separá-los
de um lado a pouca força
do outro palavras parcas
e as rochas tão caladas
de cá vivia uma louca
de lá morava um poeta
o homem sangrava versos
as unhas dela rasgavam
feriam a pele da pedra
e a fina chuva regava
os gestos do amor eterno
*
(publicado no livro garimpo - editora lê) - rimas caninas
líria porto
corações perdigueiros
farejam e caçam
amores verdadeiros
o meu vira-lata
também vai à cata
*
corações perdigueiros
farejam e caçam
amores verdadeiros
o meu vira-lata
também vai à cata
*
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
negociação
líria porto
nem sempre foi assim
eu não tinha areia nos olhos
nem neblina
o rouge o batom borrados
não são culpa minha
nunca fui desleixada
está bem
pagas só quinze
*
nem sempre foi assim
eu não tinha areia nos olhos
nem neblina
o rouge o batom borrados
não são culpa minha
nunca fui desleixada
está bem
pagas só quinze
*
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
(publicado no livro olho nu - ed. patuá) gris
líria porto
verde não te quero verde
quero-te bem maduro
no ponto certo do apuro
dos teus cabelos cinzentos
das tuas marcas e rugas
que o tempo faz quando cura
as desilusões
*
verde não te quero verde
quero-te bem maduro
no ponto certo do apuro
dos teus cabelos cinzentos
das tuas marcas e rugas
que o tempo faz quando cura
as desilusões
*
medo de defunto
líria porto
vestia um pretinho básico
e não perdia um velório
(enviuvara de um traste
e não resistia à tentação
de reenterrá-lo)
chorava de alívio
vestia um pretinho básico
e não perdia um velório
(enviuvara de um traste
e não resistia à tentação
de reenterrá-lo)
chorava de alívio
*
primavera de praga
líria porto
ser lida
esse lado é o lodo
da notícia
grotesco é gravar
agressões e grosserias
meu cavalo é puro sangue
*
ser lida
esse lado é o lodo
da notícia
grotesco é gravar
agressões e grosserias
meu cavalo é puro sangue
*
fiel
líria porto
ela se dedica a ele
ele se dedica a ela
nessa tabela
não cabe cadela
nem cachorro
captou bentinho?
*
ela se dedica a ele
ele se dedica a ela
nessa tabela
não cabe cadela
nem cachorro
captou bentinho?
*
terça-feira, 22 de setembro de 2009
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
platônicos (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)
líria porto
o mar não para
vai e vem – irrequieto
chega à praia passo à frente
depois acho se arrepende
arreda o pé
a serra por sua vez
permanece embasbacada
a olhar o mar de longe
tem desejos de tocá-lo
o corpo não lhe obedece
*
o mar não para
vai e vem – irrequieto
chega à praia passo à frente
depois acho se arrepende
arreda o pé
a serra por sua vez
permanece embasbacada
a olhar o mar de longe
tem desejos de tocá-lo
o corpo não lhe obedece
*
velho
líria porto
acelera os passos
tropeça em si mesmo
igual passarinho
de asas quebradas
(ao apear do corpo
vai ser pensamento)
*
acelera os passos
tropeça em si mesmo
igual passarinho
de asas quebradas
(ao apear do corpo
vai ser pensamento)
*
domingo, 20 de setembro de 2009
concórdia
líria porto
durou uma década
harmônica e redonda
como uma bolha
ele não se despediu
ela embarcou num trem
ele se casou com outro
ela se juntou a alguém
e foram felizes felizes
sem nunca discutirem
a relação
*
durou uma década
harmônica e redonda
como uma bolha
ele não se despediu
ela embarcou num trem
ele se casou com outro
ela se juntou a alguém
e foram felizes felizes
sem nunca discutirem
a relação
*
momento
líria porto
passaroco pequenino
na galhada da mangueira
faz a festa de domingo
limpa a pena passa o bico
canta um canto tão bonito
que o poeta perde a rima
e nem sente
*
passaroco pequenino
na galhada da mangueira
faz a festa de domingo
limpa a pena passa o bico
canta um canto tão bonito
que o poeta perde a rima
e nem sente
*
sábado, 19 de setembro de 2009
carimbado
líria porto
o meu amor adotivo
aquele que apareceu
entrou como quem não quer
ficou como quem não é
legitimou-se sem sê-lo
*
o meu amor adotivo
aquele que apareceu
entrou como quem não quer
ficou como quem não é
legitimou-se sem sê-lo
*
cruz
líria porto
hímen complacente
virgem para sempre
por mais homens
que viessem
não chora não ri
não pergunta nem responde
passa horas infindáveis
a mirar o teto
*
hímen complacente
virgem para sempre
por mais homens
que viessem
não chora não ri
não pergunta nem responde
passa horas infindáveis
a mirar o teto
*
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
dissimulada
líria porto
quando ela me quer
ela me procura
diz-me sem frescura
sou somente tua
podes me (ab)usar
eu por um momento
quase acredito
durmo sossegada
ela me abandona
e cria asas
viste por aí
a poesia?
*
quando ela me quer
ela me procura
diz-me sem frescura
sou somente tua
podes me (ab)usar
eu por um momento
quase acredito
durmo sossegada
ela me abandona
e cria asas
viste por aí
a poesia?
*
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
nas conchas
líria porto
como moisés
parti o mar ao meio
atravessei-o a pé
tropecei num peixe
feri-me com espinho
mar vermelho
: vinho
*
como moisés
parti o mar ao meio
atravessei-o a pé
tropecei num peixe
feri-me com espinho
mar vermelho
: vinho
*
cenário
líria porto
olhou de lá da janela
sentiu a forte atração
viu seu corpo no asfalto
pessoas a seu redor
faria o voo contrário
algo cinematográfico
seria clássico rápido
um curta-metragem
*
olhou de lá da janela
sentiu a forte atração
viu seu corpo no asfalto
pessoas a seu redor
faria o voo contrário
algo cinematográfico
seria clássico rápido
um curta-metragem
*
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
sob velas
líria porto
cruzadas ao peito
as mãos de mamãe
os seus dedos frios
a pele sem cor
(eu quero mamãe
seus braços seu colo
seus gestos macios
a luz dos meus olhos)
*
cruzadas ao peito
as mãos de mamãe
os seus dedos frios
a pele sem cor
(eu quero mamãe
seus braços seu colo
seus gestos macios
a luz dos meus olhos)
*
terça-feira, 15 de setembro de 2009
garatujas
líria porto
eu rabisco
rabiscando eu corro o risco
de riscar sem ter compasso
de dançar errando o passo
de passar a ser um traço
de traçar olhando nisso
de olhar pro meu rabisco
porém rabisco não é verso
rabisco não é poesia –– é loucura
é teimosia
*
eu rabisco
rabiscando eu corro o risco
de riscar sem ter compasso
de dançar errando o passo
de passar a ser um traço
de traçar olhando nisso
de olhar pro meu rabisco
porém rabisco não é verso
rabisco não é poesia –– é loucura
é teimosia
*
ímpeto
líria porto
que vontade que vontade
enfrentar o meu espelho
cortar bem rente os cabelos
tirar deles toda a tinta
e deixar que as cãs me venham
flocos de neve macios
sobre cabeça tão quente
cadê coragem?
que vontade que vontade
vestir-me largos vestidos
nada mais a me apertar
nem roupas e nem trabalho
ser eu natural feliz
e em meu aniversário
fincá-las uma por uma
as mais de sessenta velas
cadê coragem?
que vontade que vontade
com a alegria que tenho
rir das rugas rir de tudo
falar das minhas verdades
sem nenhum constrangimento
ir lá onde o amor está
desafiar a rival
dizer-lhe eu sou mais eu
esse amor agora é meu
cadê coragem?
que vontade que vontade
romper os grilhões algemas
com minha cara e coragem
porém pergunto ao espelho
cadê coragem
cadê coragem?
*
que vontade que vontade
enfrentar o meu espelho
cortar bem rente os cabelos
tirar deles toda a tinta
e deixar que as cãs me venham
flocos de neve macios
sobre cabeça tão quente
cadê coragem?
que vontade que vontade
vestir-me largos vestidos
nada mais a me apertar
nem roupas e nem trabalho
ser eu natural feliz
e em meu aniversário
fincá-las uma por uma
as mais de sessenta velas
cadê coragem?
que vontade que vontade
com a alegria que tenho
rir das rugas rir de tudo
falar das minhas verdades
sem nenhum constrangimento
ir lá onde o amor está
desafiar a rival
dizer-lhe eu sou mais eu
esse amor agora é meu
cadê coragem?
que vontade que vontade
romper os grilhões algemas
com minha cara e coragem
porém pergunto ao espelho
cadê coragem
cadê coragem?
*
gêmeas
líria porto
alegria e tristeza nasceram juntas
uma gostava da luz a outra gostava das trevas
riram
choraram
cresceram
envelheceram
: alegria morreu primeiro
*
alegria e tristeza nasceram juntas
uma gostava da luz a outra gostava das trevas
riram
choraram
cresceram
envelheceram
: alegria morreu primeiro
*
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
eco
líria porto
certezas são riscos n'água
não resistem ao pé de vento
não valem um tostão furado
todas tão repetitivas
batidas na mesma tecla tecla techa
gravadas no mesmo oco oco oco
no arremedo medo medo
da vida ida ida
ida
*
certezas são riscos n'água
não resistem ao pé de vento
não valem um tostão furado
todas tão repetitivas
batidas na mesma tecla tecla techa
gravadas no mesmo oco oco oco
no arremedo medo medo
da vida ida ida
ida
*
domingo, 13 de setembro de 2009
ilusão
líria porto
aquele amor pareceu-me o vento
e durou o tempo de uma lufada
fez arder os olhos balançou-me o peito
prosseguiu caminho
fiquei eu na estrada
*
aquele amor pareceu-me o vento
e durou o tempo de uma lufada
fez arder os olhos balançou-me o peito
prosseguiu caminho
fiquei eu na estrada
*
(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - mormaço
líria porto
numa noite lânguida cheia de feitiço
a lua se expande o calor persiste
haja um milagre um fator explícito
seja nosso pleito amar e morrer
nesse alagadiço
*
numa noite lânguida cheia de feitiço
a lua se expande o calor persiste
haja um milagre um fator explícito
seja nosso pleito amar e morrer
nesse alagadiço
*
explosão
líria porto
quanto mais livre um artista
quão mais difícil é detê-lo
contê-lo dentro da argila
ou do cinzel
*
quanto mais livre um artista
quão mais difícil é detê-lo
contê-lo dentro da argila
ou do cinzel
*
deusmelivreguarde
líria porto
uma assombração ronda-me a casa
há passos gemidos cochichos arrulhos
morena d'olhos d'água
*
uma assombração ronda-me a casa
há passos gemidos cochichos arrulhos
morena d'olhos d'água
*
cúmplices
líria porto
o par de andorinhas voa paralelo
dá as mesmas voltas sobe desce roda
pousa no telhado uma junto à outra
como se estivesse
de mãos dadas
*
o par de andorinhas voa paralelo
dá as mesmas voltas sobe desce roda
pousa no telhado uma junto à outra
como se estivesse
de mãos dadas
*
película
líria porto
a manhã
ancas largas pele azulada
despida de nuvem – bonita como artista
de hollywood
*
a manhã
ancas largas pele azulada
despida de nuvem – bonita como artista
de hollywood
*
sábado, 12 de setembro de 2009
doce
líria porto
se por (a)ventura me queres
tira o cavalo da chuva
: não o deixes ao relento
a noite inteira
*
se por (a)ventura me queres
tira o cavalo da chuva
: não o deixes ao relento
a noite inteira
*
(para o livro sem pecado não tem salvação) insípido
líria porto
tem gente que ama na retranca
não se entrega não tem febre não tem sudorese
não beija não chora não sonha não sangra
só faz planos
e teses
tem gente que nem é gente
é prosopopeia
*
tem gente que ama na retranca
não se entrega não tem febre não tem sudorese
não beija não chora não sonha não sangra
só faz planos
e teses
tem gente que nem é gente
é prosopopeia
*
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
burro de carga
líria porto
no lombo
tonéis de sofrimento
vinho avinagrado
bebido a cada dia
em goles imensos
:
e o pasto seco
*
no lombo
tonéis de sofrimento
vinho avinagrado
bebido a cada dia
em goles imensos
:
e o pasto seco
*
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
incêndio
líria porto
o capeta sobe a serra morde o verde
cospe os gravetos queima as árvores
aves répteis e mamíferos
:
só fica carvão
e cinza
*
o capeta sobe a serra morde o verde
cospe os gravetos queima as árvores
aves répteis e mamíferos
:
só fica carvão
e cinza
*
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
reumantismo
líria porto
nem sentimos que mudamos
mas ao comparar as fotos
tem retrato de criança
entre as nossas
*
nem sentimos que mudamos
mas ao comparar as fotos
tem retrato de criança
entre as nossas
*
assim assado
líria porto
na sala formalidades
no quarto soltos folgados
nem vou contar dos detalhes
*
na sala formalidades
no quarto soltos folgados
nem vou contar dos detalhes
*
terça-feira, 8 de setembro de 2009
conceitos
líria porto
a casa precisa reparos
trocar vasos e veias
reformar a fachada
o reboco
alargar espaços
ganhar claridade
piso novo
a vida também
*
a casa precisa reparos
trocar vasos e veias
reformar a fachada
o reboco
alargar espaços
ganhar claridade
piso novo
a vida também
*
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
treinamento
líria porto
meninas
em dias de função
não se aflijam
:
ouçam as demandas
afastem bem os joelhos
confiram o preservativo
deixem o freguês à vontade
e nada de beijo
ao fim
confiram os trinta dinheiros
acertem o troco
e não se esqueçam
somos profissionais
e zelamos pelo bom nome
da categoria
meninas
em dias de função
não se aflijam
:
ouçam as demandas
afastem bem os joelhos
confiram o preservativo
deixem o freguês à vontade
e nada de beijo
ao fim
confiram os trinta dinheiros
acertem o troco
e não se esqueçam
somos profissionais
e zelamos pelo bom nome
da categoria
*
domingo, 6 de setembro de 2009
contra_partida
líria porto
minha casa é um coração
abri mão do corre_dor
giro nela dias meses
ânus
minha casa é um pardieiro
*
minha casa é um coração
abri mão do corre_dor
giro nela dias meses
ânus
minha casa é um pardieiro
*
gaiola
líria porto
debaixo dos holofotes
o corpo ganha sombras
preço da fama
passarim enquanto voa
livra a sombra dos pés
*
debaixo dos holofotes
o corpo ganha sombras
preço da fama
passarim enquanto voa
livra a sombra dos pés
*
sábado, 5 de setembro de 2009
(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - como água
líria porto
mato sede apago fogo
acomodo-me
:
mas se achar um furo
pingo fora
*
mato sede apago fogo
acomodo-me
:
mas se achar um furo
pingo fora
*
uma coisa leva à outra
líria porto
igual um falcão
o coração voa alto
depois se esborracha
(como bolacha)
tem café?
*
igual um falcão
o coração voa alto
depois se esborracha
(como bolacha)
tem café?
*
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
estrangeiro
líria porto
daqui sei nada
nem vinho nem voo
: quanto ficarei?
qual barco em mar alto
sem bússola sem direção
: cadê bandeira?
*
daqui sei nada
nem vinho nem voo
: quanto ficarei?
qual barco em mar alto
sem bússola sem direção
: cadê bandeira?
*
felicidade
líria porto
ruth foi para beirute
e ao vê-lo sobre um camelo
decide-se
uma tenda
o chão de areia
as estrelas
quem nada quer
nada pe(r)de
*
ruth foi para beirute
e ao vê-lo sobre um camelo
decide-se
uma tenda
o chão de areia
as estrelas
quem nada quer
nada pe(r)de
*
flash
líria porto
tem noite que a lua se supera
fica tão bela tão esplendorosa
que meu verso todo prosa
perde o freio
*
tem noite que a lua se supera
fica tão bela tão esplendorosa
que meu verso todo prosa
perde o freio
*
mudança
líria porto
troquei corredor por escada
beiro céu
) bom é ser nuvem
poder chorar sem lenço (
o joelho dói
passo saliva
) sorte (
*
troquei corredor por escada
beiro céu
) bom é ser nuvem
poder chorar sem lenço (
o joelho dói
passo saliva
) sorte (
*
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
anjinho
líria porto
corria atrás de si
qual cachorro atrás do rabo
perseguia a própria sombra
ia prendê-la nos ombros
esconder as asas
(queria ser igual lúcifer
o cão danado)
*
corria atrás de si
qual cachorro atrás do rabo
perseguia a própria sombra
ia prendê-la nos ombros
esconder as asas
(queria ser igual lúcifer
o cão danado)
*
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
hijos de la santa madre
líria porto
galinha choca
ninguém trisque o dedo no recheio
dos meus óvulos
*
galinha choca
ninguém trisque o dedo no recheio
dos meus óvulos
*
terça-feira, 1 de setembro de 2009
insatisfação
líria porto
oco
vazio
vácuo
buraco
oco vazio
vácuo buraco
oco vazio vácuo
buraco oco vazio vácuo
) falto-me
por mais que eu me preencha (
*
oco
vazio
vácuo
buraco
oco vazio
vácuo buraco
oco vazio vácuo
buraco oco vazio vácuo
) falto-me
por mais que eu me preencha (
*
busca
líria porto
parecíamos garimpeiros
a vasculhar o cascalho
procurávamos um no outro
pepitas de ouro
di_amantes
*
parecíamos garimpeiros
a vasculhar o cascalho
procurávamos um no outro
pepitas de ouro
di_amantes
*
fora de foco
líria porto
a escrever eu me isolo
posso ir morar no polo
conviver com pinguins
e nessa rima ruim
parir do invólucro
o insólito o irrisório
o descabido
o que interessa a ninguém
só a mim
*
a escrever eu me isolo
posso ir morar no polo
conviver com pinguins
e nessa rima ruim
parir do invólucro
o insólito o irrisório
o descabido
o que interessa a ninguém
só a mim
*
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
ninguém morre com um barulho desses
líria porto
cansado de se repetir
deu um grito pra espantar a raiva
e um tiro longe do ouvido
*
cansado de se repetir
deu um grito pra espantar a raiva
e um tiro longe do ouvido
*
extermínio
líria porto
incapaz de matar ratos moscas e baratas
criava sapos cobras e aranhas – fizessem eles
o trabalho sujo
*
incapaz de matar ratos moscas e baratas
criava sapos cobras e aranhas – fizessem eles
o trabalho sujo
*
domingo, 30 de agosto de 2009
trabalheira
líria porto
meu pai vendia feijão e arroz
no armazém de secos e molhados
mamãe cozinhava feijão e arroz
para onze bocas famintas
*
meu pai vendia feijão e arroz
no armazém de secos e molhados
mamãe cozinhava feijão e arroz
para onze bocas famintas
*
sherloc
líria porto
o corpo do gato estirado no asfalto
sem nenhuma das suas sete vidas
é prova cabal do múltiplo
assassinato
*
o corpo do gato estirado no asfalto
sem nenhuma das suas sete vidas
é prova cabal do múltiplo
assassinato
*
aquela mulher
líria porto
mãos frias olhos vagos
rosto encovado soluços
perambula pelas ruas
pelos becos parques praças
vai a orfanatos conventos
asilos esquinas
presídios
s
o
l
i
d
ã
o
tem companhia
*
mãos frias olhos vagos
rosto encovado soluços
perambula pelas ruas
pelos becos parques praças
vai a orfanatos conventos
asilos esquinas
presídios
s
o
l
i
d
ã
o
tem companhia
*
favor
líria porto
acerto tudo - do primeiro ao último centavo
: custoso é pagar o que não tem preço
*
acerto tudo - do primeiro ao último centavo
: custoso é pagar o que não tem preço
*
intimidade
líria porto
passa a roupa
avesso direito frente costas
gola barra cós
ele vem abraça-a por trás
faz-lhe cócegas amarrota
tudo
dão risadas
passa a roupa
avesso direito frente costas
gola barra cós
ele vem abraça-a por trás
faz-lhe cócegas amarrota
tudo
dão risadas
*
supremacia
líria porto
desde que nasci toureio a morte
ela não desiste e eu prossigo
um dia quando a infame me quedar
dir-lhe-ei –– eu te venci
cansei-me de viver
aqui não fico
*
desde que nasci toureio a morte
ela não desiste e eu prossigo
um dia quando a infame me quedar
dir-lhe-ei –– eu te venci
cansei-me de viver
aqui não fico
*
sábado, 29 de agosto de 2009
insensíveis
líria porto
o pensamento ferve
borbulha como lava
minhoca na pedra
finge dormir
quase funde o cérebro
mas ninguém percebe
*
o pensamento ferve
borbulha como lava
minhoca na pedra
finge dormir
quase funde o cérebro
mas ninguém percebe
*
cafundó
líria porto
passarinho passaroco
no oco do mundo
afundo-me pelos cantos
nu recanto da poesia
desde que nasci
saci desengonçado
atado às raízes
*
passarinho passaroco
no oco do mundo
afundo-me pelos cantos
nu recanto da poesia
desde que nasci
saci desengonçado
atado às raízes
*
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
instabilidade
líria porto
dentro de nós mora um anjo
e também um diabinho
é um tal de puxa empurra
puro desequilíbrio
*
dentro de nós mora um anjo
e também um diabinho
é um tal de puxa empurra
puro desequilíbrio
*
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
amarela
líria porto
linda flor caiu do galho
girou –– bailarina –– girou
e ao tocar o asfalto
virou purpurina
*
linda flor caiu do galho
girou –– bailarina –– girou
e ao tocar o asfalto
virou purpurina
*
ébano
líria porto
quando eu nascer outra vez
quero ser negra retinta
e os meus cabelos crespos
deixá-los à carapinha
brancos só mesmo os dentes
e nos olhos azeviche
carregar a minha áfrica
seu sol ardente sua púrpura
quando eu nascer outra vez
vou dançar com o meu povo
no compasso do batuque
e dentro da pele quente
conduzir-me à altura
da cor e da raça esplêndidas
da beleza de ser gente
no coração –– na estatura
*
quando eu nascer outra vez
quero ser negra retinta
e os meus cabelos crespos
deixá-los à carapinha
brancos só mesmo os dentes
e nos olhos azeviche
carregar a minha áfrica
seu sol ardente sua púrpura
quando eu nascer outra vez
vou dançar com o meu povo
no compasso do batuque
e dentro da pele quente
conduzir-me à altura
da cor e da raça esplêndidas
da beleza de ser gente
no coração –– na estatura
*
cuidado
líria porto
o diabo já foi anjo
conhece os caminhos do céu
e sabe como ninguém
fingir-se santo
*
o diabo já foi anjo
conhece os caminhos do céu
e sabe como ninguém
fingir-se santo
*
pau do cerrado
líria porto
segredos do vento
de sopro e assovio
ninguém os decifra
nem nós que nascemos
em ventania
de terras tão planas
de galhas torcidas
ao vir pras montanhas
eu trouxe e te entrego
o sal da saliva
*
segredos do vento
de sopro e assovio
ninguém os decifra
nem nós que nascemos
em ventania
de terras tão planas
de galhas torcidas
ao vir pras montanhas
eu trouxe e te entrego
o sal da saliva
*
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
(publicado no livro olho nu - ed. patuá) amélia
líria porto
ficava lá disponível
limpa macia perfumada
igual blusa no cabide
ele vinha usava-a
voltava-se para a parede
dormia
partia pela manhã
(foi visto no shopping
de roupa nova)
*
ficava lá disponível
limpa macia perfumada
igual blusa no cabide
ele vinha usava-a
voltava-se para a parede
dormia
partia pela manhã
(foi visto no shopping
de roupa nova)
*
terça-feira, 25 de agosto de 2009
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
es_fera
líria porto
quem dera a terra
rodasse para o outro lado
e pudéssemos retornar
ao ponto de partida
a infância
é um templo
lindo
*
quem dera a terra
rodasse para o outro lado
e pudéssemos retornar
ao ponto de partida
a infância
é um templo
lindo
*
os miseráveis
líria porto
quem janta sua fome espanta
jante mal ou jante bem
terrível é quem não janta
e não almoça
e não tem
*
quem janta sua fome espanta
jante mal ou jante bem
terrível é quem não janta
e não almoça
e não tem
*
de mau a pior
líria porto
o sol sobre o olho
o sal sobre o molho
o mal sobre o bem
o tal do olho gordo
o estorvo o atrapalho
o dente de alho
na boca de alguém
*
o sol sobre o olho
o sal sobre o molho
o mal sobre o bem
o tal do olho gordo
o estorvo o atrapalho
o dente de alho
na boca de alguém
*
neblina
líria porto
como um cachorro que não abana o rabo
ou um passarinho de asas quebradas
sem ti o mundo todo se embaça
sem lua e sem azul
*
como um cachorro que não abana o rabo
ou um passarinho de asas quebradas
sem ti o mundo todo se embaça
sem lua e sem azul
*
domingo, 23 de agosto de 2009
pasmos
líria porto
entre velho e novo
um ser boquiaberto
sem saber ao certo
se foi a galinha
ou o ovo
entre certo e errado
um nunca satisfeito
um sempre sistemático
truncado pelo meio
sem arremate
entre muito e pouco
um sujeito rouco
a pedir um cado
entre um e outro
nada nada
nada
nabo
*
entre velho e novo
um ser boquiaberto
sem saber ao certo
se foi a galinha
ou o ovo
entre certo e errado
um nunca satisfeito
um sempre sistemático
truncado pelo meio
sem arremate
entre muito e pouco
um sujeito rouco
a pedir um cado
entre um e outro
nada nada
nada
nabo
*
fósseis
líria porto
paixões e amores acabam
perecem evaporam-se
muita vez não sobra coalho
nenhuma atitude dócil
lembramo-nos dos que amávamos
somente em detalhes sórdidos
e sequer consideramos
quão fomos intolerantes
inóspitos
ignóbeis
*
paixões e amores acabam
perecem evaporam-se
muita vez não sobra coalho
nenhuma atitude dócil
lembramo-nos dos que amávamos
somente em detalhes sórdidos
e sequer consideramos
quão fomos intolerantes
inóspitos
ignóbeis
*
pega
líria porto
não entendo tua pressa
mal fizeste vinte anos
de tudo pouco conheces
nem tristezas nem espantos
não corras tanto menino
vai devagar ri um pouco
aproveita tuas f(r)estas
olha as flores ouve o canto
a idade um dia pesa
os olhos murcham e o pranto
inundará duas pistas
não te aceleres –– o tempo
é bem maior que a avenida
) vruuuummmmmm (
espera guri espera
tenho presentes comigo
um bombom um salto um grilo
quero te dar castanhas
ensinar-te minhas manhas
olhares além do umbigo
*
não entendo tua pressa
mal fizeste vinte anos
de tudo pouco conheces
nem tristezas nem espantos
não corras tanto menino
vai devagar ri um pouco
aproveita tuas f(r)estas
olha as flores ouve o canto
a idade um dia pesa
os olhos murcham e o pranto
inundará duas pistas
não te aceleres –– o tempo
é bem maior que a avenida
) vruuuummmmmm (
espera guri espera
tenho presentes comigo
um bombom um salto um grilo
quero te dar castanhas
ensinar-te minhas manhas
olhares além do umbigo
*
eutanásia
líria porto
abandono descuido desprezo
condenaram o amor à morte lenta
) procura-se um cúmplice – um companheiro
capaz de desligar o aparelho (
*
sábado, 22 de agosto de 2009
arrupio
líria porto
vento varre
vai dum lado doutro
doutro
junta cisco
dá uns sopros
tenho medo dos diabos
desses redemunhos
*
vento varre
vai dum lado doutro
doutro
junta cisco
dá uns sopros
tenho medo dos diabos
desses redemunhos
*
brevê
líria porto
vem o dia vem a noite
esta estafa deixa a alma
amarrotada
vaca amarela pulou a janela
quem morrer morreu
ela ele ou eu
) a vida pasta (
*
vem o dia vem a noite
esta estafa deixa a alma
amarrotada
vaca amarela pulou a janela
quem morrer morreu
ela ele ou eu
) a vida pasta (
*
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
terça-feira, 18 de agosto de 2009
putinha
liria porto
na entrega do produto
a lua tudo fazia para o sol
não ficar puto
) e via estrelas (
*
na entrega do produto
a lua tudo fazia para o sol
não ficar puto
) e via estrelas (
*
bolhas
líria porto
ele pensava nela
e ela pensava
na morte da bezerra
quem acha que acerta
erra redondamente
*
ele pensava nela
e ela pensava
na morte da bezerra
quem acha que acerta
erra redondamente
*
virgem santa
líria porto
vão precisar de um bravo
para exercer tal façanha
o mato cresce e tem onça
entre as pernas dessa aranha
*
vão precisar de um bravo
para exercer tal façanha
o mato cresce e tem onça
entre as pernas dessa aranha
*
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
cartas
líria porto
palavras silenciosas
fechadas em envelopes
troam como tambores
levam para as pessoas
notícias boas
piores
*
palavras silenciosas
fechadas em envelopes
troam como tambores
levam para as pessoas
notícias boas
piores
*
diferenças
líria porto
aquele que nos leva
a fazer com alegria
todas as tarefas
é líder
o fracote
a nos sujigar
a usar chicote
é chefe
*
aquele que nos leva
a fazer com alegria
todas as tarefas
é líder
o fracote
a nos sujigar
a usar chicote
é chefe
*
gerações
líria porto
derrubar a parede
alargar o corredor
permitir que a luz se adentre
mudar o lugar das sombras
aprender - a experiência
dos ancestrais é inócua
*
derrubar a parede
alargar o corredor
permitir que a luz se adentre
mudar o lugar das sombras
aprender - a experiência
dos ancestrais é inócua
*
sábado, 15 de agosto de 2009
pós choro
líria porto
(c)alma voltou - veio mansa
acomodou-se no canto
aproximou-se aos poucos
acalentou-me
fez-me dormir
qual criança
*
consideração
líria porto
lavou o corpo da morta
com água morna
a velha não gostaria
de banhar-se em água fria
*
lavou o corpo da morta
com água morna
a velha não gostaria
de banhar-se em água fria
*
disfarce
líria porto
debaixo da capa a culpa
as emoções proibidas
as marcas de batom
(e as manchas roxas
nas coxas)
*
debaixo da capa a culpa
as emoções proibidas
as marcas de batom
(e as manchas roxas
nas coxas)
*
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
mundos e fundos
líria porto
olhos fechados corpo quieto
sem mover um músculo
e o pensamento solto
a recordar planejar imaginar
ninguém sabe a extensão
dos sonhos
*
olhos fechados corpo quieto
sem mover um músculo
e o pensamento solto
a recordar planejar imaginar
ninguém sabe a extensão
dos sonhos
*
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
colcha de retalhos
líria porto
ao doarmos órgãos
somos recicláveis
e não descartados
como lixo humano
*
ao doarmos órgãos
somos recicláveis
e não descartados
como lixo humano
*
terça-feira, 11 de agosto de 2009
tantã
líria porto
forte como a pétala
fraca como a muralha
tenho cílios de arco-íris
alma de batata-palha
*
forte como a pétala
fraca como a muralha
tenho cílios de arco-íris
alma de batata-palha
*
(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - ganidos
líria porto
finquei todo meu desejo
no branco lençol do leito
deitei-me só e de borco
e assim eu em decúbito
abraçada ao travesseiro
farejava o teu cheiro
qual um cachorro
meu corpo de tanta ânsia
derramava a substância
advinda do meu cio
as lágrimas me afogavam
afundavam-me em areia
movediça
a fresta entre minhas pernas
jogadas de qualquer jeito
abrigava a rejeição
as ausências repetidas
das vezes que te chamei
sem retorno
não vieste não virás
e o vão do meu umbigo
a ganir nos teus ouvidos
não te deixará
*
finquei todo meu desejo
no branco lençol do leito
deitei-me só e de borco
e assim eu em decúbito
abraçada ao travesseiro
farejava o teu cheiro
qual um cachorro
meu corpo de tanta ânsia
derramava a substância
advinda do meu cio
as lágrimas me afogavam
afundavam-me em areia
movediça
a fresta entre minhas pernas
jogadas de qualquer jeito
abrigava a rejeição
as ausências repetidas
das vezes que te chamei
sem retorno
não vieste não virás
e o vão do meu umbigo
a ganir nos teus ouvidos
não te deixará
*
ruindade
líria porto
a dor sem entranha montava-lhe as costas
fincava o ferrão a espora o chicote
galopa galopa galopa
o pobre ancião já sem forças gemia
eu não posso eu não posso
eu n ã o p o s s o
deus e o diabo
espiavam
(sem dó)
*
a dor sem entranha montava-lhe as costas
fincava o ferrão a espora o chicote
galopa galopa galopa
o pobre ancião já sem forças gemia
eu não posso eu não posso
eu n ã o p o s s o
deus e o diabo
espiavam
(sem dó)
*
(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - fôlego
líria porto
quando nasci
não tinha anjo disponível
então um diabinho com um tridente
espetou a minha bunda e disse – vai
cai na vida
não tens outra saída
*
quando nasci
não tinha anjo disponível
então um diabinho com um tridente
espetou a minha bunda e disse – vai
cai na vida
não tens outra saída
*
conto de bruxa
líria porto
era uma vez acredite
uma criança mirrada
espertinha pá-virada
que nasceu lá no planalto
malcriada topetuda
não queria ser rainha
e de longe admirava
quem freios também não tinha
parecida com o pai
a origem não negava
sua língua era ferina
suas unhas afiadas
os olhos de folha seca
cor acanhada mortiça
disfarçavam muito bem
os desperdícios da alma
dos filhos a mais feiosa
doentinha magricela
crescia a erva daninha
sem nenhuma contenção
junto ia o coração
que pendia para o lado
onde o fraco se rendia
onde a corda rebentava
já adulta pobre moço
aquele que a amou
pois com tanta rebeldia
nem a casa ela varria
não julgava obrigação
essa doida era varrida
ficava puta da vida
explodia-se ao fogão
branquearam-se os cabelos
de vermelho se coraram
e um brilho se instalou
mudou então seu olhar
assumiu sua loucura
acendeu o caldeirão
e em fogo muito brando
cozinhou-se com_paixão
hoje voa vaga flutua
tricota faz doce cose
vira a noite pelo dia
sua alma não encolhe
pois ela ainda acredita
montada numa vassoura
que pode mudar o mundo
ser avó feliz –– e doida
*
era uma vez acredite
uma criança mirrada
espertinha pá-virada
que nasceu lá no planalto
malcriada topetuda
não queria ser rainha
e de longe admirava
quem freios também não tinha
parecida com o pai
a origem não negava
sua língua era ferina
suas unhas afiadas
os olhos de folha seca
cor acanhada mortiça
disfarçavam muito bem
os desperdícios da alma
dos filhos a mais feiosa
doentinha magricela
crescia a erva daninha
sem nenhuma contenção
junto ia o coração
que pendia para o lado
onde o fraco se rendia
onde a corda rebentava
já adulta pobre moço
aquele que a amou
pois com tanta rebeldia
nem a casa ela varria
não julgava obrigação
essa doida era varrida
ficava puta da vida
explodia-se ao fogão
branquearam-se os cabelos
de vermelho se coraram
e um brilho se instalou
mudou então seu olhar
assumiu sua loucura
acendeu o caldeirão
e em fogo muito brando
cozinhou-se com_paixão
hoje voa vaga flutua
tricota faz doce cose
vira a noite pelo dia
sua alma não encolhe
pois ela ainda acredita
montada numa vassoura
que pode mudar o mundo
ser avó feliz –– e doida
*
deslírio
líria porto
de manhã vejo no céu
uma lua de papel
escrevo nela meu verso
pra dizer ao universo
ô rima besta
*
de manhã vejo no céu
uma lua de papel
escrevo nela meu verso
pra dizer ao universo
ô rima besta
*
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
caranguejo
líria porto
não quero saber de ti
nem hoje nem nunca mais
mas é bom te prevenir
se vieres por aqui
eu volto atrás
*
não quero saber de ti
nem hoje nem nunca mais
mas é bom te prevenir
se vieres por aqui
eu volto atrás
*
decrépita
líria porto
minh'alma velha de guerra
emaranhada no corpo
atada dentro das vestes
parece que nesse inverno
desistiu dos voos
não cria nada que preste
merece_dor
*
minh'alma velha de guerra
emaranhada no corpo
atada dentro das vestes
parece que nesse inverno
desistiu dos voos
não cria nada que preste
merece_dor
*
domingo, 9 de agosto de 2009
(publicado no livro olho nu - ed. patuá) caldo
líria porto
eu mordia a boca dele
sabia a peçonha na língua
lambia e bebia a saliva
era para engolir ele
morrer dele
do adocicado da víbora
*
eu mordia a boca dele
sabia a peçonha na língua
lambia e bebia a saliva
era para engolir ele
morrer dele
do adocicado da víbora
*
a_deuses
líria porto
subo e desço a serra
de um lado e doutro
os ipês me acenam
amarelos loucos
é só vir a chuva
é só vir o vento
já é quase agosto
*
subo e desço a serra
de um lado e doutro
os ipês me acenam
amarelos loucos
é só vir a chuva
é só vir o vento
já é quase agosto
*
precisão
líria porto
um cadinho do teu corpo
um borrifo do sorriso
qual a terra quando chove
ou o galo o passarinho
ao nascer do sol
um borrifo do sorriso
qual a terra quando chove
ou o galo o passarinho
ao nascer do sol
*
sábado, 8 de agosto de 2009
atração
líria porto
são joão tão bonito
naquela bandeira
e eu tão aflita
entrei na fogueira
a vida era boa
tirei tal proveito
subi no seu colo
deitei no seu leito
queria um beijo
o primeiro da fila
dos seus olhos verdes
bebi clorofila
agora meu santo
não sei de mais nada
paixão é veneno
caixão e mortalha
*
são joão tão bonito
naquela bandeira
e eu tão aflita
entrei na fogueira
a vida era boa
tirei tal proveito
subi no seu colo
deitei no seu leito
queria um beijo
o primeiro da fila
dos seus olhos verdes
bebi clorofila
agora meu santo
não sei de mais nada
paixão é veneno
caixão e mortalha
*
poliglota
líria porto
inglesa francesa espanhola portuguesa
pouco importa - queria era beijo
de língua
*
inglesa francesa espanhola portuguesa
pouco importa - queria era beijo
de língua
*
nevoeiro
líria porto
pântano lamaçal areia movediça
e a preguiça de acender o sol
de beber à superfície
*
pântano lamaçal areia movediça
e a preguiça de acender o sol
de beber à superfície
*
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
oh
líria porto
mudar de casa ou de vida
livrar-nos das velharias
dos badulaques e tralhas
requer mais do que dinheiro
estrutura analista
ou paciência
de jó
é preciso sobretudo
ter-se um saco
de filó
*
mudar de casa ou de vida
livrar-nos das velharias
dos badulaques e tralhas
requer mais do que dinheiro
estrutura analista
ou paciência
de jó
é preciso sobretudo
ter-se um saco
de filó
*
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
adelice
líria porto
a doida da nossa infância
entrava / saía pulava a janela
a doida da nossa infância
entrava / saía pulava a janela
falava sozinha
comia com os gatos
comia com os gatos
xingava os moleques
sacudia os ombros
morreu em barbacena
no chá da meia-noite
*
sacudia os ombros
morreu em barbacena
no chá da meia-noite
*
sujeito a adjetivos
líria porto
bonito era meu avô
aqueles bigodes fartos
barriga proeminente
pelos grisalhos
olhar substantivo
*
bonito era meu avô
aqueles bigodes fartos
barriga proeminente
pelos grisalhos
olhar substantivo
*
preguiça
líria porto
não há como recuperar oportunidades
momentos e talentos negligenciados
atirados à vala das coisas
imprestáveis
*
não há como recuperar oportunidades
momentos e talentos negligenciados
atirados à vala das coisas
imprestáveis
*
terça-feira, 4 de agosto de 2009
domingo, 2 de agosto de 2009
per secula seculorum
líria porto
tornei-me o invólucro da tua boca
sou eu o teu beijo permanente
ao beijares outras bocas
beija-as sôfrego
estarás a beijar-me como louco
em todos os sabores
e indecências
*
tornei-me o invólucro da tua boca
sou eu o teu beijo permanente
ao beijares outras bocas
beija-as sôfrego
estarás a beijar-me como louco
em todos os sabores
e indecências
*
aclamação
líria porto
quem pudesse ver e visse
a elegância de clarice
poderia adivinhar
em seus pés
as sapatilhas
ágil como uma corça
esguia igual espiga
quando clarice gira
deus do céu
virgem santíssima
*
quem pudesse ver e visse
a elegância de clarice
poderia adivinhar
em seus pés
as sapatilhas
ágil como uma corça
esguia igual espiga
quando clarice gira
deus do céu
virgem santíssima
*
sábado, 1 de agosto de 2009
viuvez
líria porto
vestir-se internamente de sem cor
minguar-se à penúltima gota
e se um dia houver forças
reviver
*
vestir-se internamente de sem cor
minguar-se à penúltima gota
e se um dia houver forças
reviver
*
malabares
líria porto
) palavras seduzem-me
fascinam-me (
faço malabarismos brinco
jogo-me (con)sigo-as
não há como me sentir sozinha
nesta companhia
) sem lapso
nem papelão (
por estas e outras eu sofro
por festas e ostras prossigo
quem quer vinho venha
às brenhas da bruma
) tenha risos motivos
borbulhas (
*
) palavras seduzem-me
fascinam-me (
faço malabarismos brinco
jogo-me (con)sigo-as
não há como me sentir sozinha
nesta companhia
) sem lapso
nem papelão (
por estas e outras eu sofro
por festas e ostras prossigo
quem quer vinho venha
às brenhas da bruma
) tenha risos motivos
borbulhas (
*
bip.o_lar
líria porto
abismo intransponível
entre alma e corpo
agarrou-se às asas do amor
salvou-se do inferno
e dos transtornos
*
abismo intransponível
entre alma e corpo
agarrou-se às asas do amor
salvou-se do inferno
e dos transtornos
*
sexta-feira, 31 de julho de 2009
a borboleta
líria porto
ao voar voar
faz tremer o céu
o mar o ar o planeta
nada fica inerte
(há um leve sopro nas letras do poeta)
*
ao voar voar
faz tremer o céu
o mar o ar o planeta
nada fica inerte
(há um leve sopro nas letras do poeta)
*
(pretérito imperfeito)
líria porto
se eu vestisse o mar tal qual um manto
e nele me abrigasse para sempre
coberta de azul verde ou cinzento
conforme fosse um dia diferente
e ouvisses o canto da sereia
e viesses e entrasses água adentro
beberias dos meus seios
se eu vestisse o mar tal qual um manto
e nele me abrigasse para sempre
coberta de azul verde ou cinzento
conforme fosse um dia diferente
e ouvisses o canto da sereia
e viesses e entrasses água adentro
beberias dos meus seios
*
a_versão
líria porto
qual faca te fere
qual boca te cospe
qual rato te rói
qual chave te tranca
qual copo te bebe
qual treva te cega
qual dedo te acusa
qual cabo te aprisiona
que inimigo te persegue
:
eu odeio todos eles
qual boca te cospe
qual rato te rói
qual chave te tranca
qual copo te bebe
qual treva te cega
qual dedo te acusa
qual cabo te aprisiona
que inimigo te persegue
:
eu odeio todos eles
*
habilidade
líria porto
como conhecesse de cor e salteados
todos os obstáculos percorria-me
os labirintos
*
como conhecesse de cor e salteados
todos os obstáculos percorria-me
os labirintos
*
segunda-feira, 27 de julho de 2009
préstimos (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)
líria porto
tantas flores cobrem a serra
eis que chega a primavera
esta moça meus senhores
(o seu cheiro pleitos pétalas)
faz-me cócegas favores
quando à noite eu me deito
tenho bambos corpo
vestes
*
tantas flores cobrem a serra
eis que chega a primavera
esta moça meus senhores
(o seu cheiro pleitos pétalas)
faz-me cócegas favores
quando à noite eu me deito
tenho bambos corpo
vestes
*
sedução
líria porto
a lua nem bem surgiu
estava séria arredia
um xale tão recatado
aprontou-se o astro rei
no mais belo pôr de sol
tingiu o céu de sem lei
um vermelho quase roxo
e levou consigo a lua
para a suíte de deus
*
a lua nem bem surgiu
estava séria arredia
um xale tão recatado
aprontou-se o astro rei
no mais belo pôr de sol
tingiu o céu de sem lei
um vermelho quase roxo
e levou consigo a lua
para a suíte de deus
*
domingo, 26 de julho de 2009
insuficiente
líria porto
estou assim passarim
a me arrastar numa asa
a outra quebrei faz tempo
naquele dia o vento
atravessou-me a carcaça
forçou-me a aterrissagem
desde então sinto-me lassa
o corpo dói se ancora
o peito se descompassa
tateio a alma escoro-me
não mais decolo não voo
perdi a graça
*
estou assim passarim
a me arrastar numa asa
a outra quebrei faz tempo
naquele dia o vento
atravessou-me a carcaça
forçou-me a aterrissagem
desde então sinto-me lassa
o corpo dói se ancora
o peito se descompassa
tateio a alma escoro-me
não mais decolo não voo
perdi a graça
*
atriz
líria porto
quem me visse assim chorosa
pensaria está doendo
eu diria é fingimento
nas horas que sofro mesmo
não derramo uma lágrima
pareço igual uma rocha
com o mar batendo
*
quem me visse assim chorosa
pensaria está doendo
eu diria é fingimento
nas horas que sofro mesmo
não derramo uma lágrima
pareço igual uma rocha
com o mar batendo
*
sábado, 25 de julho de 2009
rosa
líria porto
tinha um amor e dois homens
e era assim –– meio a meio
porém um dia
escolheu
:
bilhete azul para os dois
e pôs no quarto
um terceiro
tinha um amor e dois homens
e era assim –– meio a meio
porém um dia
escolheu
:
bilhete azul para os dois
e pôs no quarto
um terceiro
*
dormiu co'as galinhas
líria porto
nem bem o sol se escondeu
lá estava ela nos braços
de morfeu
despertou com o galo
(sabes do que falo)
'dia
cotovia
*
sexta-feira, 24 de julho de 2009
tive um amor
líria porto
veio e partiu sem deixar qualquer sinal
qualquer registro que eu pudesse comprovar
que (in)existiu
*
veio e partiu sem deixar qualquer sinal
qualquer registro que eu pudesse comprovar
que (in)existiu
*
quinta-feira, 23 de julho de 2009
pelas trompas de eustáquio
líria porto
não lhe dê ouvidos
ele tem mania
de chegar primeiro
de sentir o cheiro
de estar na cara
cobrir-se com sardas
ou ficar vermelho
meter o bedelho
e se arrebitar
*
não lhe dê ouvidos
ele tem mania
de chegar primeiro
de sentir o cheiro
de estar na cara
cobrir-se com sardas
ou ficar vermelho
meter o bedelho
e se arrebitar
*
explícita
líria porto
viu-me como no filme
: entranha e pele duma estranha
(en)fiada nu'a teia de aranha
*
viu-me como no filme
: entranha e pele duma estranha
(en)fiada nu'a teia de aranha
*
quarta-feira, 22 de julho de 2009
inesquecível
líria porto
amor bissexto
tão distraído
levou consigo
minha alegria
a lua míngua
o sol se cobre
tudo é sombrio
tudo é inóspito
(por onde andas
luz que alumia
estou perdido
e sinto frio)
*
amor bissexto
tão distraído
levou consigo
minha alegria
a lua míngua
o sol se cobre
tudo é sombrio
tudo é inóspito
(por onde andas
luz que alumia
estou perdido
e sinto frio)
*
capitalismo
líria porto
estragada é a carne da miséria
recheada de tão duro sofrimento
as vísceras dos que dela se alimentam
apodreçam e padeçam a dor e a fúria
nas córneas desses olhos de abutres
instalem-se as pústulas e as feridas
que o céu os martirize com as trevas
co'a sentença da derrota e do infortúnio
que os ovos dessas aves de rapina
adoeçam e jamais se proliferem
dos seus crimes odiosos assassinos
as pocilgas mais imundas se encarreguem
estragada é a carne da miséria
recheada de tão duro sofrimento
as vísceras dos que dela se alimentam
apodreçam e padeçam a dor e a fúria
nas córneas desses olhos de abutres
instalem-se as pústulas e as feridas
que o céu os martirize com as trevas
co'a sentença da derrota e do infortúnio
que os ovos dessas aves de rapina
adoeçam e jamais se proliferem
dos seus crimes odiosos assassinos
as pocilgas mais imundas se encarreguem
*
invólucro
líria porto
isso não a envaidece
é como se descobrisse
ser uma espécie de égua
:
(o que temos de melhor
nem os espelhos revelam)
*
isso não a envaidece
é como se descobrisse
ser uma espécie de égua
:
(o que temos de melhor
nem os espelhos revelam)
*
passarinhos e morcegos
líria porto
a menina
asas quebradas
chupava cana
) a ciranda é na grimpa da árvore (
*
a menina
asas quebradas
chupava cana
) a ciranda é na grimpa da árvore (
*
terror
líria porto
nas unhas roídas
sinal de aflição
colou as postiças
imensas esmaltadas
fez cara de alma
e entrou no avião
*
nas unhas roídas
sinal de aflição
colou as postiças
imensas esmaltadas
fez cara de alma
e entrou no avião
*
sinal
líria porto
minha pendenga
sou eu comigo
ninguém me aguenta
não corre o risco
perdi o voo
vou de carroça
a vida ruge
dá-me uma coça
vi o aviso
agora sei-o
pulou do umbigo
pingou no seio
na encruzilhada
é que decido
se eu me acabo
dou-te o recibo
*
minha pendenga
sou eu comigo
ninguém me aguenta
não corre o risco
perdi o voo
vou de carroça
a vida ruge
dá-me uma coça
vi o aviso
agora sei-o
pulou do umbigo
pingou no seio
na encruzilhada
é que decido
se eu me acabo
dou-te o recibo
*
terça-feira, 21 de julho de 2009
(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - deslumbre
líria porto
a lua é linda
e linda é mais que bonita
é beleza que finca nos olhos
e fica
*
a lua é linda
e linda é mais que bonita
é beleza que finca nos olhos
e fica
*
de pombas e pavões
líria porto
eu vi a lua de frente
assim mesmo cara a cara
perguntei-lhe –– a vestimenta
não vais trocar tua bata?
ela disse –– a cor de prata
é a que em mim se assenta
e seguiu sua jornada
naquela simplicidade
enquanto o sol se cobria
com um manto de brocado
a refletir sua imagem
no mar nos rios nos lagos
*
eu vi a lua de frente
assim mesmo cara a cara
perguntei-lhe –– a vestimenta
não vais trocar tua bata?
ela disse –– a cor de prata
é a que em mim se assenta
e seguiu sua jornada
naquela simplicidade
enquanto o sol se cobria
com um manto de brocado
a refletir sua imagem
no mar nos rios nos lagos
*
rebolo
líria porto
olhos fechados corpo encolhido
dou asas ao poeta
ele voa vara mundo vira anjo pássaro grilo
faz de tudo um pouco
volta feito doido quando acha
um verso
*
olhos fechados corpo encolhido
dou asas ao poeta
ele voa vara mundo vira anjo pássaro grilo
faz de tudo um pouco
volta feito doido quando acha
um verso
*
segunda-feira, 20 de julho de 2009
xanas
líria porto
lili é a dona da gata
a gata se chama donna
dona e donna em nossa cama
o quarto vira uma zona
) odeio cheiro de gatos
eu confesso –– sinto gana
e temo esganar as duas
em menos duma semana (
lili é a dona da gata
a gata se chama donna
dona e donna em nossa cama
o quarto vira uma zona
) odeio cheiro de gatos
eu confesso –– sinto gana
e temo esganar as duas
em menos duma semana (
*
domingo, 19 de julho de 2009
ao lui
líria porto
a ele dei meia lua
fi(n)cou-me a outra parte
num corpo só - descampado
fiamos o plenilúnio
*
a ele dei meia lua
fi(n)cou-me a outra parte
num corpo só - descampado
fiamos o plenilúnio
*
sábado, 18 de julho de 2009
(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - arabesca
líria porto
a lua é a pupila
do olho azul do infinito
desde que o mundo é mundo
ela nos vê tudo assiste
o que é feio
o que é bonito
registra tudo e repassa
para o gestor dos destinos
ele é quem faz
(in)justiça
*
a lua é a pupila
do olho azul do infinito
desde que o mundo é mundo
ela nos vê tudo assiste
o que é feio
o que é bonito
registra tudo e repassa
para o gestor dos destinos
ele é quem faz
(in)justiça
*
fingidor
líria porto
quem destrinçar o meu verso
achar segredos nas frinchas
decerto vai perceber
minha tristeza infinita
disfarçada em ironia
rio do mar
não das pessoas
*
quem destrinçar o meu verso
achar segredos nas frinchas
decerto vai perceber
minha tristeza infinita
disfarçada em ironia
rio do mar
não das pessoas
*
(publicado no livro olho nu - ed. patuá) convés
líria porto
é dor de secar um rio
dizer adeus querido
parto por um ano
é dor de secar o oceano
dizer a quem amo
é definitivo
é dor de secar a vida
todas as partidas
todos os lenços brancos
*
é dor de secar um rio
dizer adeus querido
parto por um ano
é dor de secar o oceano
dizer a quem amo
é definitivo
é dor de secar a vida
todas as partidas
todos os lenços brancos
*
deriva
líria porto
o mar vem e volta
não se prende à areia
e há folhas secas
soltas pelo ar
carrego na alma
o peso do vazio
e faz muito frio
não poder ficar
*
o mar vem e volta
não se prende à areia
e há folhas secas
soltas pelo ar
carrego na alma
o peso do vazio
e faz muito frio
não poder ficar
*
opereta
líria porto
a moça cara de anjo
olhava lá da janela
o velho no seu piano
toca verso toca inverso
pedia ela com os olhos
o velho batia as botas
*
a moça cara de anjo
olhava lá da janela
o velho no seu piano
toca verso toca inverso
pedia ela com os olhos
o velho batia as botas
*
afeição
líria porto
a amizade é um manto tecido a quatro mãos
um cobertor compartilhado
sem que se o perceba
um amigo faz um ponto o outro dá uma laçada
o amor se estende
com o passar dos anos
não importam a distância as dificuldades
não haverá inverno que os desagasalhe
*
a amizade é um manto tecido a quatro mãos
um cobertor compartilhado
sem que se o perceba
um amigo faz um ponto o outro dá uma laçada
o amor se estende
com o passar dos anos
não importam a distância as dificuldades
não haverá inverno que os desagasalhe
*
sexta-feira, 17 de julho de 2009
quinta-feira, 16 de julho de 2009
surfe
líria porto
eu tinha muita vontade
de a minha alma voar
houve um tempo tão feliz
leve corpo a acompanhava
e as nossas travessuras
eram passeios
na praia
*
eu tinha muita vontade
de a minha alma voar
houve um tempo tão feliz
leve corpo a acompanhava
e as nossas travessuras
eram passeios
na praia
*
impaciência
líria porto
os nervos retesados do violino
reagem às tentativas do aprendiz
e desafinam
*
os nervos retesados do violino
reagem às tentativas do aprendiz
e desafinam
*
quarta-feira, 15 de julho de 2009
pau-de-arara
líria porto
no corte da cana-de-açúcar
o suor salgado dos boias-frias
tratados como bagaço
*
no corte da cana-de-açúcar
o suor salgado dos boias-frias
tratados como bagaço
*
terça-feira, 14 de julho de 2009
(peguei o sol no pulo) vagos
líria porto
sentei minha ausência
ao lado da tua ausência
ficamos assim
os dois sem ninguém
no sofá da sala
*
sentei minha ausência
ao lado da tua ausência
ficamos assim
os dois sem ninguém
no sofá da sala
*
livre
líria porto
quero um cavalo baio
pra gastar na ribanceira
todo o tempo que me resta
subir e descer a galope
arriscar as minhas beiras
arranhar as minhas pernas
montada sobre um pelego
se possível branquicento
morto de medo
quero a minha pele preta
meu cabelo pixaim
*
quero um cavalo baio
pra gastar na ribanceira
todo o tempo que me resta
subir e descer a galope
arriscar as minhas beiras
arranhar as minhas pernas
montada sobre um pelego
se possível branquicento
morto de medo
quero a minha pele preta
meu cabelo pixaim
*
(paguei o sol no pulo) estiva
líria porto
rampa apinhada de trabalhadores
correição de formigas por um salário
de migalhas
*
rampa apinhada de trabalhadores
correição de formigas por um salário
de migalhas
*
só
líria porto
e quanto mais
soo insólito
necessitado
dum canto
(só_lido
como pétalas
pasto-as
de_vagar)
*
e quanto mais
soo insólito
necessitado
dum canto
(só_lido
como pétalas
pasto-as
de_vagar)
*
segunda-feira, 13 de julho de 2009
campanhas
líria porto
questão da fome meu caro
não é prato de comida
pois quando falta a marmita
o buraco é mais embaixo
não há trabalho abrigo
salário sapato agasalho
são muitas as precisões
ratos vivem de migalhas
homens não
*
questão da fome meu caro
não é prato de comida
pois quando falta a marmita
o buraco é mais embaixo
não há trabalho abrigo
salário sapato agasalho
são muitas as precisões
ratos vivem de migalhas
homens não
*
editora lê - acordes
líria porto
a manhã acorda cedo
um pouco antes de mim
toma banho passa cheiro
põe tocar uns passarinhos
melhor que isso só tu
a bicares-me o umbigo
a dizeres-me ao ouvido
minha flor gosto de ti
*
a manhã acorda cedo
um pouco antes de mim
toma banho passa cheiro
põe tocar uns passarinhos
melhor que isso só tu
a bicares-me o umbigo
a dizeres-me ao ouvido
minha flor gosto de ti
*
estopim
líria porto
vi-me
o vento me empurrava
pendia-me para um lado
e outro
pedi implorei
cortem o mal pela raiz
ninguém me escutou
: explodi
*
vi-me
o vento me empurrava
pendia-me para um lado
e outro
pedi implorei
cortem o mal pela raiz
ninguém me escutou
: explodi
*
pé de grilo
líria porto
vira-lata olha a cadela
e a filha da poodle
finge não vê-lo
quem ela pensa que é
porventura cachorra tem
selo?
*
vira-lata olha a cadela
e a filha da poodle
finge não vê-lo
quem ela pensa que é
porventura cachorra tem
selo?
*