líria porto
as mãos
tão mais velhas que eu
os cabelos ficaram brancos
pesam-me os pés
curvam-se os meus ombros
as bordas do corpo sumiram
os olhos perderam o alcance
:
o que mais faltará
para eu me esmerar
no desmanche?
*
terça-feira, 31 de julho de 2012
(peguei o sol no pulo) serventia
líria porto
bordei os monogramas dos lenços de meu pai
com os quais enxuguei as lágrimas de minha mãe
quando o velho se foi para sempre e nada levou
a não ser o seu corpo de oitenta anos
*
com os quais enxuguei as lágrimas de minha mãe
quando o velho se foi para sempre e nada levou
a não ser o seu corpo de oitenta anos
*
retorno
líria porto
voltei ao pó de onde vim
foi bom para mim - aprendi
a terra é leve
(perdi o medo)
foi bom para mim - aprendi
a terra é leve
(perdi o medo)
*
só se flor
líria porto
uma estrada que me leve ao nada
uma ponte onde eu brinque de mocinha e de bandido
a bacia das almas um punhal uma navalha
um furo na barriga –– uma jangada
que naufrague nas montanhas
de minas
uma estrada que me leve ao nada
uma ponte onde eu brinque de mocinha e de bandido
a bacia das almas um punhal uma navalha
um furo na barriga –– uma jangada
que naufrague nas montanhas
de minas
*
advertência
líria porto
ninguém me pise ninguém me prense
ninguém me acue ninguém me amargue
eu fico azeda saliva seca
arrumo as malas não volto mais
ninguém me pise ninguém me prense
ninguém me acue ninguém me amargue
eu fico azeda saliva seca
arrumo as malas não volto mais
*
segunda-feira, 30 de julho de 2012
desprevenida
líria porto
qual um fio furta-cor
vem o frio o calor
ponho roupa tiro roupa
qualquer dia a morte chega
e me veste com uma folha
de parreira
*
qual um fio furta-cor
vem o frio o calor
ponho roupa tiro roupa
qualquer dia a morte chega
e me veste com uma folha
de parreira
*
in_sensatez
líria porto
aurora está por aqui
o sol já chega e lá fora
a passarada barulha
dá cambalhotas com a voz
saúda a vida e a luz
nós - seres ingratos
cuspimos no prato
aurora está por aqui
o sol já chega e lá fora
a passarada barulha
dá cambalhotas com a voz
saúda a vida e a luz
nós - seres ingratos
cuspimos no prato
*
do cão
líria porto
o gato fugiu pra dentro do mato
eu mato esse gato de tanto correr
tal como ele faz com o pobre rato
um bicho menor e mais fraco
o gato fugiu pra dentro do mato
eu mato esse gato de tanto correr
tal como ele faz com o pobre rato
um bicho menor e mais fraco
*
bandeira
líria porto
sob o azul o tapete verde
e a passarada a rabiscar no céu
*
sob o azul o tapete verde
e a passarada a rabiscar no céu
versos mestiços
ordem e progresso?
:
liberdade
ainda que à tardinha
:
liberdade
ainda que à tardinha
*
domínio
líria porto
passarinho lá no alto sua sombra aqui no chão
isso sim é liberdade – distanciar-se da sombra
ultrapassar a montanha
isso sim é liberdade – distanciar-se da sombra
ultrapassar a montanha
*
sexta-feira, 27 de julho de 2012
enxoval
líria porto
nas tramas do lençol
duzentos fios de algodão
e nós
sem hora para ir embora
a sede saciada
*
nas tramas do lençol
duzentos fios de algodão
e nós
sem hora para ir embora
a sede saciada
*
quinta-feira, 26 de julho de 2012
chiquê
líria porto
meu vestido de bolero lero
saia de roda alças fininhas
e laço na cintura
era mais bonito
que a roupa de domingo
das meninas ricas
*
meu vestido de bolero lero
saia de roda alças fininhas
e laço na cintura
era mais bonito
que a roupa de domingo
das meninas ricas
*
quarta-feira, 25 de julho de 2012
chá de cadeira
líria porto
aprontei-me como devia
(água de cheiro batom roupa florida)
vesti-me de primavera e a poesia
não dançou comigo
aprontei-me como devia
(água de cheiro batom roupa florida)
vesti-me de primavera e a poesia
não dançou comigo
*
terça-feira, 24 de julho de 2012
segunda-feira, 23 de julho de 2012
tresnoitados
líria porto
estes olhos cor de jambo
mais pesados do que chumbo
já me deixaram no limbo
passaram-me tantos tombos
:
(muitos - nem me lembro
quantos)
mais pesados do que chumbo
já me deixaram no limbo
passaram-me tantos tombos
:
(muitos - nem me lembro
quantos)
*
ressaca
líria porto
toda vez que bebo desse vinho varo a madrugada
fico de pileque e o tal moleque me derruba na sarjeta
da poesia
hoje eu sou ninguém
toda vez que bebo desse vinho varo a madrugada
fico de pileque e o tal moleque me derruba na sarjeta
da poesia
hoje eu sou ninguém
*
come come
líria porto
o tempo é a fera que engole os dias os meses os anos
o tempo é a fera que engole os dias os meses os anos
as horas os minutos - cada segundo
arrota na cara dos homens
arrota na cara dos homens
depois os devora
um a um
um a um
*
domingo, 22 de julho de 2012
papiros
líria porto
na pele encarquilhada
que cobre o corpo dos velhos
as manchas formam arquipélagos
a vida desenha os mapas
*
na pele encarquilhada
que cobre o corpo dos velhos
as manchas formam arquipélagos
a vida desenha os mapas
*
sábado, 21 de julho de 2012
(peguei o sol no pulo) assinatura
líria porto
não faço poesia – faço plágio
copio da vida mínimos detalhes
*
não faço poesia – faço plágio
copio da vida mínimos detalhes
*
(peguei o sol no pulo) da poesia
líria porto
qualquer vento acende a chispa
(muita alma nessa hora)
*
qualquer vento acende a chispa
(muita alma nessa hora)
*
sexta-feira, 20 de julho de 2012
estrelas
líria porto
palavras que o vento en_leva
e prega no azul do mundo
entregam-me na noite escura
di_versos versos de luz
e prega no azul do mundo
entregam-me na noite escura
di_versos versos de luz
*
fartura
líria porto
está em período fértil
achou de ajeitar-se à força
pratica pequenos furtos
:
afirma ser honesta
está em período fértil
achou de ajeitar-se à força
pratica pequenos furtos
:
afirma ser honesta
*
desgaste
desgaste
a vida me testa - põe-me à prova
estraga o que pode eu conserto
neste acerto de contas
leva a melhor quem tiver
paciência
a vida me testa - põe-me à prova
estraga o que pode eu conserto
neste acerto de contas
leva a melhor quem tiver
paciência
*
quinta-feira, 19 de julho de 2012
somenos
líria porto
no corre_dor
dolorosas doloridas
as nossas dores paradas
as nossas dores de pé
as dores que caminhavam
contorciam-se aflitas
à espera do doutor
que ria e contava piadas
aos colegas do hospital
dolorosas doloridas
as nossas dores paradas
as nossas dores de pé
as dores que caminhavam
contorciam-se aflitas
à espera do doutor
que ria e contava piadas
aos colegas do hospital
*
quarta-feira, 18 de julho de 2012
passarela
líria porto
atravessa a avenida
atravessa a avenida
o atalho de cimento e ferro
apinhado de operários
apinhado de operários
que madrugam e trabalham
por um salário de merda
*
por um salário de merda
*
des_preparo
líria porto
fazer a mortalha com sacos de aniagem
(pobre diabo)
bordar nela alguns versos
(os mais ricos)
deitar num caixão de vidro
(de gelo?)
morrer de frisson
(de frio?)
*
fazer a mortalha com sacos de aniagem
(pobre diabo)
bordar nela alguns versos
(os mais ricos)
deitar num caixão de vidro
(de gelo?)
morrer de frisson
(de frio?)
*
sentimento
líria porto
o vapor embaça o espelho
escrevo versos sem me olhar nos olhos
sei que estão vermelhos
o que vejo e sinto vem
das veias
*
o vapor embaça o espelho
escrevo versos sem me olhar nos olhos
sei que estão vermelhos
o que vejo e sinto vem
das veias
*
transparências
líria porto
há versos que escrevo no avesso da pele
a pele descama – o in_verso aparece
*
há versos que escrevo no avesso da pele
a pele descama – o in_verso aparece
*
terça-feira, 17 de julho de 2012
vingança
líria porto
ninguém manda no coração
ele bate e para independente de nós
mas quando apanha alguém tem culpa
e deve pagar com sangue
*
ninguém manda no coração
ele bate e para independente de nós
mas quando apanha alguém tem culpa
e deve pagar com sangue
*
conforto
líria porto
eu não vou correr da morte vou esperá-la sentada
bater um papo com ela tentar adiar a data
a morte se tiver pressa que me carregue no colo
ou venha de carruagem –– não vou cansar
eu não vou correr da morte vou esperá-la sentada
bater um papo com ela tentar adiar a data
a morte se tiver pressa que me carregue no colo
ou venha de carruagem –– não vou cansar
minhas pernas
*
segunda-feira, 16 de julho de 2012
mamãe
líria porto
noite de sobressaltos
de bruxas de assombrações
meu travesseiro foi palco
de pesadelos e sustos
quando vieres abraça-me
permite que eu durma e sonhe
só em teu corpo eu me acalmo
só teu amor me aveluda
noite de sobressaltos
de bruxas de assombrações
meu travesseiro foi palco
de pesadelos e sustos
quando vieres abraça-me
permite que eu durma e sonhe
só em teu corpo eu me acalmo
só teu amor me aveluda
*
friagem
líria porto
pálpebras se fecham
as da janela as dela
a luz da vela
a lua míngua
e a língua definha
:
trêmulas
*
pálpebras se fecham
as da janela as dela
a luz da vela
a lua míngua
e a língua definha
:
trêmulas
*
desconfiança
líria porto
conquanto aurora venha
ao final da noite
e chegue tão alegre
e cheire como flor
só quer atiçar o fogo
(a demora é pouca)
ao final da noite
e chegue tão alegre
e cheire como flor
só quer atiçar o fogo
(a demora é pouca)
*
sábado, 14 de julho de 2012
deboche
líria porto
esfrego minha humanidade em teu focinho
minha idade minha impaciência
(rio que transbordo)
esfrego minha humanidade em teu focinho
minha idade minha impaciência
(rio que transbordo)
*
temperamental
líria porto
fazia rosas de pedra
e se batesse um vento
uma brisa que fosse
despetalava-se - ele
o escultor
*
fazia rosas de pedra
e se batesse um vento
uma brisa que fosse
despetalava-se - ele
o escultor
*
quarta-feira, 11 de julho de 2012
pra quê macumba?
líria porto
eu ia fazer mandinga para gostares de mim
como afirmas que já gostas aproveito a galinha
incremento a farofa e bebemos juntos
:
a farra é nossa
*
eu ia fazer mandinga para gostares de mim
como afirmas que já gostas aproveito a galinha
incremento a farofa e bebemos juntos
:
a farra é nossa
*
terça-feira, 10 de julho de 2012
segunda-feira, 9 de julho de 2012
fidelidade
líria porto
se a margarida amasse o girassol
estaria perdida -- ele não tem olhos
para mais ninguém
*
se a margarida amasse o girassol
estaria perdida -- ele não tem olhos
para mais ninguém
*
domingo, 8 de julho de 2012
endereço
líria porto
aqui pela minha porta
passa uma rua torta
que se encosta numa praça
simplesinha até sem graça
onde moram uns passarinhos
:
lá pelas seis da tarde
fazem tanta algazarra
é só seguir o barulho
perguntar às maricatas
encontrarás minha casa
não tem erro
passa uma rua torta
que se encosta numa praça
simplesinha até sem graça
onde moram uns passarinhos
:
lá pelas seis da tarde
fazem tanta algazarra
é só seguir o barulho
perguntar às maricatas
encontrarás minha casa
não tem erro
*
essencial
líria porto
auroras e crepúsculos não sabem sobre nós
precisamos sol a pino escuros absolutos
pra que os medos se revelem
:
os ponteiros se juntam
e é tudo ou nada
auroras e crepúsculos não sabem sobre nós
precisamos sol a pino escuros absolutos
pra que os medos se revelem
:
os ponteiros se juntam
e é tudo ou nada
*
sábado, 7 de julho de 2012
mágoa
líria porto
peço água do poço e o moço me diz – eu não posso
esse fosso é da sogra e a cobra me põe na salmoura
*
(publicado no livro garimpo - editora lê) - bagaço
líria porto
a escrita me pega me traga me suga me mastiga
e cospe o refugo
e cospe o refugo
*
sexta-feira, 6 de julho de 2012
quinta-feira, 5 de julho de 2012
mula
líria porto
a cavalgadura que carrega a mala
quem tem uma jura faz-se fácil amá-la
ela pisa duro às vezes empaca
mas aceita sela seu olhar é dócil
tem o corpo forte trabalha trabalha
ajuda no negócio –– seu dono prospera
e na lua cheia ou na primavera
gosta de viola e de cantoria
*
a cavalgadura que carrega a mala
quem tem uma jura faz-se fácil amá-la
ela pisa duro às vezes empaca
mas aceita sela seu olhar é dócil
tem o corpo forte trabalha trabalha
ajuda no negócio –– seu dono prospera
e na lua cheia ou na primavera
gosta de viola e de cantoria
*
ter_çol
líria porto
não sei se quero se devo
porém não posso evitá-lo
sou girassol e amarelo
diante de quem me cega
sou girassol e amarelo
diante de quem me cega
*
quarta-feira, 4 de julho de 2012
evaporação
líria porto
no rubor da pele
no calor do corpo
no auge da febre
no estupor
no assombro
a vida que se evapora
que se vai embora
cada dia um pouco
*
no rubor da pele
no calor do corpo
no auge da febre
no estupor
no assombro
a vida que se evapora
que se vai embora
cada dia um pouco
*
segunda-feira, 2 de julho de 2012
(para o livro sem pecado não tem salvação) criação
líria porto
a poesia se entrega
em horas inesperadas
o último metalinguístico
foi feito nas coxas
*
a poesia se entrega
em horas inesperadas
o último metalinguístico
foi feito nas coxas
*
domingo, 1 de julho de 2012
leitura
líria porto
transtornados diante da palavra
mergulhamos no desconhecido
até perdermos o fôlego
*
transtornados diante da palavra
mergulhamos no desconhecido
até perdermos o fôlego
*
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