quarta-feira, 30 de novembro de 2016

bola de cristão

líria porto

férias de um ano
(reapresentação em 2018)
toga de juiz e bico
de tucano

(xô satanás)

*

chama

líria porto

a vida –– um flash
um relâmpago

antes e depois
a escuridão

*

cilada

líria porto

no caminho da sucessão
rampa escorregadia beira
o precipício

*

terça-feira, 29 de novembro de 2016

perplexidade

líria porto

água doce lá no rio
e no mar água salgada
o mundo –– o seu traçado
ser assim sem autoria
teria havido algum guia
o teu deus
seria mágico?

(o meu
é malabarista)

*

matiz

líria porto

cambiante
meu sangue furta-cor
mestiço

*

doutrinação

líria porto

abduzida por um ET
sua tromba penetrou-me o ouvido
seu zumbido me engravidou
então eu fiz o aborto

*

processo

líria porto

o corpo –– vela que queima
cera que se derrete
entorna e muda o contorno
enquanto encurta o pavio
até apagar-se o fogo

*

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

é o cu

líria porto

nasci de chocadeira
mamãe não fazia bobagem
e filho pela vagina
jamais

(mamadeira de três em três horas
e babá eletrônica)

*

sábado, 26 de novembro de 2016

luto

líria porto

qual murro no peito
hoje –– a meio pau –– minha bandeira
vermelha

fidel eternamente

*

redemunho

líria porto

o diabo me carregue
leve-me às grimpas da árvore
ou à crista de uma nuvem

*

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

tara

líria porto

na casa de tolerância
velhos insuportáveis
passavam as mãos nas meninas
e consumiam viagras

*

trabalheira

líria porto

para fazer a montanha
o vento empurrou –– uma a uma
as partículas de pó

*

naja

líria porto

bato de frente comigo
contesto meu pensamento
tenho tendência suicida
porém não acho propício
morrer do próprio veneno

*

regressão

líria porto

o cheiro denso da chuva
penetra minhas narinas
volto a ser a menininha
a soluçar todo o choro
sem consolo sem alento
que só cessa quando dorme
nos braços de sua mãe

*

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

a poesia é o jardim suspenso da palavra

pontos colaterais

líria porto

virou a bunda pro leste
olhava fixo o crepúsculo
fincou um dedo no norte
o outro enfiou no sul

*

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

elípticas

líria porto

a gente é concebida
e tem data presumida
para apear no planeta

(mães –– naves
especiais)

*

o feto

líria porto

espectro de extra-terrestre
que se reveste de gente

*

terça-feira, 22 de novembro de 2016

ser_tão

líria porto

na sede do rio o verde
desesperança

*

portugueses

líria porto

beijos de freira
de lamber os beiços
sujar os bigodes

*

vestígios

líria porto

cada poeta que lemos
deixa traços indeléveis
em nossos poemas

*

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

indícios

líria porto

valia-se da força
para dominar mulheres
submetê-las a sevícias
espancá-las humilhá-las
por isso creio –– o crime
dessa mulher sem peia
foi legítima defesa

*

domingo, 20 de novembro de 2016

atemporal

líria porto

d'agora em diante
(e agora nunca acaba
ou pelo menos durante)
não me preocupam as horas
pois que agora foi ontem
e continua agora
desde quando fui criança
até a hora da morte

*

extremos

líria porto

embora tão diferentes
um é macio o outro crespo
são eles meus preferidos
o abacaxi e o pêssego

*

sábado, 19 de novembro de 2016

hibernação

líria porto

para livrar-me de um verso
preciso deixá-lo escrito
mesmo que depois o enfie
no fundo de uma gaveta
para não lhe ouvir o grito

*

incêndio

líria porto

qualquer paixão me adverte
acende uma luz vermelha
depois dispara a sirene

*

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

cortantes

líria porto

estraçalhar dilacerar
verbos que são lâminas
cacos de vidro –– estilhaços
de metal

*

maternal

líria porto

a língua é áspera
inspirados são seus olhos
e pela vida ela pasta
a doar seu corpo inteiro
(o couro o leite a carne)
a homens degenerados
que não percebem nem sentem
a humanidade
da vaca

*

haicai

líria porto

cortina de tule
nas entranhas da neblina
minha própria rua

*

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

(para o livro sem pecado não tem salvação) bolo de rolo

líria porto

espero-te para um café
café com beijo é ótimo
sem beijo também é bom
(se bem que fica incompleto)
e com sexo então
ah –– com sexo
nem precisava o café

*

miudeza

líria porto

só quem se sente pequeno
precisa de pedestal

*

epitáfio

líria porto

aqui jaz meu corpo
meu arquivo morto

*

putanas

líria porto

nós –– mulheres públicas
não nos deixaremos privatizar

*

perdigueiro

líria porto

tenho bom faro
vasculho o escuro e acho
o que procuro

*

perecíveis

líria porto

nosso tempo de validade
impresso no avesso da pele
ninguém lê ninguém percebe

*

caí na tua sopa

líria porto

talvez devesses saber
a quantas anda a política
enquanto dormes e sonhas
os ratos rondam e roem
tua aposentadoria

*

literalmente

líria porto

foi um banho de água fria
a minha ducha queimou
em pleno dia de chuva

disseram-me -–– é a resistência
estou cada vez mais frágil

*

antisséptico

líria porto

tomei banho de caneca
-–– perereca pés axilas -––
o resto limpei com álcool
estou mais morta que viva
:
porém não fedo

*

esconderijo

líria porto

o cu –– feioso e fedido
condenado a viver onde o sol
não bate

*

regras

líria porto

o rio passou dos limites
depois retomou o traçado
amarrado à corrente

*

nababos

líria porto

prometem o céu e tomam
o dízimo

*

lascas

líria porto

primeiro a mesa de mármore
agora a de vidro –– tão quebrável
quanto a dona da casa

*

sábado, 12 de novembro de 2016

legado

líria porto

pendurar as chuteiras
as luvas de box 

entregar o bastão
às mãos preparadas

quem foi rei
passa o trono

não a majestade

*

ativos e passivos

líria porto

o ar que me asfixia
que fecha os meus pulmões
obstrui-me as veias
é o mesmo ar que respiras
:
cigarro entre os teus dedos
fumaça nas minhas narinas

*

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

dificuldades

líria porto

dentre o que me comove
o que se move com esforço
um besouro que capota
um pássaro de asa quebrada
um ancião com bengala
uma barata nas últimas

*

autoflagelação

líria porto

a provar que sou minha dona
castigo-me ou me abandono
depois volto arrependida
e não me perdoo

eu tenho um carma comigo
u'a mágoa –– alguma espécie
de enjoo

*

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

rasteiras

líria porto

foram muitos pesadelos
e a cada vez que acordava
mais um assalto
outro susto
:
os bandidos variavam
só eu era o mesmo pato
com mesma cara de espasmo
e dor de barriga

*

lambança

líria porto

o mordomo –– mil talheres
e à mesa anciões
algumas mulheres
todas jovens recatadas
e de touca

(patos são aves cagonas)

*

terça-feira, 8 de novembro de 2016

avaliação

líria porto

eu sou eu – não tanto quanto quero
nem tão pouco quanto pensam

*

blefe

líria porto

trambiqueiro salafrário
mas porém depois de morto
atribuem-lhe qualidades

*

caminho de mesa

líria porto

a agulha leva o fio pelo risco do bordado
como a mãe conduz o filho
:
de mãos dadas

*

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

avant-première

líria porto

no fundo do nosso sono
colorida ou branca e preta
uma fita de cinema
estrelada por nós mesmos

(não perco uma sessão
de sonho ou pesadelo)

*

haicai

líria porto

a lua embaçada
um acúmulo de nuvens
nas poças de chuva

*

domingo, 6 de novembro de 2016

destemor

líria porto

guardou os sapatos de salto
as saias mantilhas leques castanholas
e empunha a bandeira de luta
:
vermelha

*

solitário

líria porto

sua vida não daria um romance
porém houve versos – oásis em meio
ao deserto de palavras

*

sábado, 5 de novembro de 2016

mescla

líria porto

infância e velhice no mesmo aposento
vovó tem sonhos inocentes e o menino
sabedoria

*

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

utilidade

líria porto

um velho
qual prato lascado
ninguém leva à mesa
(dá dó jogar fora)
empilha-o num canto
usa-o como tampa

*

desértico

líria porto

na alma uma tenda
e a vida montada
em camelo

na cabeça
um turbante

*

admiração

líria porto

janela boquiaberta
deslumbrada ante o crepúsculo
come mosca

leio clarice lispector
de queixo caído

*

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

plugue

líria porto

entre mãe e filho
aquela intimidade de placenta
de cordão d'umbigo

*

haicai

líria porto

o sol pegou fogo
e as labaredas queimaram
o chão do cerrado

*

machão

líria porto

a voz é grave
agudos são seus impropérios

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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