domingo, 31 de maio de 2009

adrenalina

líria porto

não quero andar sobre cismas
a mil metros do chão

prefiro a vida pacata
que ata e desata
a rima

*

miliciano

líria porto

sádico
cético
cínico
sórdido
suburbano
:
e cheio de empáfia

*

saravá

líria porto

dona canoa
ano após ano
vai à casa
de mãe joana

*

a caneca (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

todo dia sirvo alguém
café com leite bem cedo
à tarde um chá quentinho
chega a noite – a sopa um caldo
mas ninguém me agradece
e fico muito cansada

a_penas tenho uma asa
se fossem duas arriscava
imitava um passarinho
e vez em quando
voava

*

tu_tano

líria porto

se para ganhar a vida
tiveres que fazer o que detestas
morres

*

sábado, 30 de maio de 2009

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - finjo-me esfinge

líria porto

meia lua amor
é tua

a outra metade
dei-a para o compadre
que me beija a boca
quando chegas tarde
da casa da outra

*

sexta-feira, 29 de maio de 2009

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - bebedeira

líria porto

se o amor voltar eu me desvio
escondo-me num fundo de bar
fujo do cio

se o amor me quiser de novo
não me vai encontrar
afundo-me no copo de um bêbado
num cubo de gelo
cubro-me com chope ou uísque
eu me bebo

se o amor vier não vou querê-lo
amor é vício

*

cirrose

líria porto

a vida con_fere-nos
\tim-tim/ por \tim-tim/

(ou adeus viola
faltará fígado para os próximos
drinques)

*

simbiose

líria porto

o bebê chora
ela o acolhe
dá-lhe de beber
:
ele mama
e dorme

*

quinta-feira, 28 de maio de 2009

definição

líria porto

poeta
é sismo
cisma
si lá sol
remidos

*

inveja

líria porto

insetos répteis e batráquios decretaram
que pássaros crianças e poetas terão asas
decepadas

*

quarta-feira, 27 de maio de 2009

valores

líria porto

tributos taxas impostos
o custo de viver é muito alto
oneraram a alegria de propósito
eu quisera ser apenas passarinho
ter meu ninho numa galha
não num poste

*

terça-feira, 26 de maio de 2009

flor de azevinho

líria porto

tem calma bambina
amiga do peito
eu trouxe pra ti
duas luas ao leite

(de andar no corre_dor
passear com marilua
decorei cada passagem
da sua dúvida)

*

triângulos

líria porto

quem casa quer brasa
quer asas (a)casos
outros prismas

(fugir da rotina)

*

segunda-feira, 25 de maio de 2009

com sol com vento

líria porto

no convento há um console
abarrotado de hóstias
feitas por irmã maria
que trabalha dia e noite
para esquecer o (rai)mundo

*

impossibilidade

líria porto

sem a palavra devida
igual um barco à deriva
mergulho-me em silêncios

o verso míngua definha
parece agulha sem linha
a sangrar-me impenitente

a busca desesperada
esta procura e o nada
faz calar minha caneta

*

monturo

líria porto

papel virgem muito branco
encontrei-o em noite escura
escrevi algum silêncio
algum degredo penúria
sem importância de assunto
:
folhas secas

*

domingo, 24 de maio de 2009

(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - tédio dominical

líria porto

psiu – passarinho
posso passear em suas asas?

aqui reclamam de tudo
do sol da chuva do azul
do calor do frio de mim
      até da macarronada

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) palpites

líria porto

toda casa tem paredes
todo caso tem_porão

as conversas têm palavras
todas elas têm desvãos

as pessoas quase sempre
têm bolhas de sabão

do silêncio não te arrisques
a dizer todos os vãos

nem te metas nestas gretas
repletas de sins de nãos

*

reserva

líria porto

um tanto de solitude
silêncio recolhimento
ajuda a quem estuda
a quem escreve
a quem pensa

o mundo vai pelos ares
o povo pula saltita
enquanto as andorinhas
tecem a aurora
e o crepúsculo

*

sábado, 23 de maio de 2009

servidão

líria porto

o amor
potro selvagem
fogoso indomado belo
sacudia a crina
saltava obstáculos
empinava-se
era alegre

montaram-lhe o lombo
usaram esporas cabresto chicote
puseram-lhe sela
mordaça
freio

pobre amor –– de puxar carroças
de transportar sofrimento

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - desjejum

líria porto

já passa das oito
um sol vagabundo
lambe o horizonte
vadia como eu
na ânsia de sorver-te

*

sexta-feira, 22 de maio de 2009

a sete chaves

líria porto

folhas secas
escondem segredos
dos tempos verdes

*

escapa_dela

líria porto

fugiu solteiro
sem paradeiro
apareceu aqui

fingi um susto
y con mucho gusto
lo recebi

*

pelo correio

líria porto

vou cortar um chumaço de cabelo
amarrá-lo a uma linha amarelinha
colocá-lo numa caixa de madeira
com um beijo de batom
lembrança minha

ao abrires a caixinha de surpresa
se ouvires um soluço um gemido
é a saudade que se fez de sorrateira
aninhada lá no fundo
coitadinha

*

disponibilidade

líria porto

sim –– claro
eu te levo
deixo na porta
carrego
ponho no colo
eu te pego
busco de volta
espero
e digo mesmo
eu adoro
sentir teu cheiro
de flor

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) camuflagem

líria porto

globalizaram a tristeza
os romeus as julietas
perdi minhas sapatilhas
sou o eclipse de mim
ouvidos moucos guria
pendura a dor no guindaste

coração lápide fria
agonia interminável
minh'alma num espinheiro
vou rodar o mundo assim
morto e em frangalhos
coberto por um cetim

tapete vermelho taça
a cor do vinho na face
o disfarce engana a todos
só não tapeia o espelho
não chores por mim não chores
é esse o fim dos tropeços

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) máquinas

líria porto

a voz de um relógio tique-taque
repete sem sotaque a voz do tempo

passamos nossos dias tão iguais
sem sonhos esperanças ideais

e nessas engrenagens
nós morremos

*

in_verso

líria porto

: mama bambina
é teu o meu peito
(a menina queria dormir)

) ser filho é difícil
mamãe não entende
que tenho o meu ritmo (

*

quinta-feira, 21 de maio de 2009

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) afeto

líria porto

e por falar em canela
panelas e coisas tais
põe uns cravos
                      ovos batidos
as casquinhas de um limão
leite açúcar derretido
bem fervido fumegante
deixa lá em fogo brando
quero ver se alguém resiste
à ambrosia dos céus
receita inigualável
doçuras de minha mãe

*

desvios

líria porto

descobrimos o que jamais saberíamos
não tivesse havido o erro

*

sexagenários

líria porto

quem sabe eu chorasse
um mar oceano

dele retirasse
o sal desses anos

temperasse a velhice
com mais parcimônia

afinal
        quem não sonha?

*

artesã

líria porto

é nômade –– cigana
seu destino zanza pelos quatro
cantos
para apascentar a inquietude
atalhos de su’alma errante
emenda à colcha de retalhos
coágulos de sangue

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) exangue

líria porto

quando se gasta ao largo
algo ou alguém que gostamos
quando se é largado
no lago dos desenganos
a mágoa é grande é amarga
a goela engole engasga
engasta nós na garganta
a lágrima esgota igual água
goteja sangue

*

quarta-feira, 20 de maio de 2009

ressurreição

líria porto

rio choro choro rio
oceano mar bravio
vago bamba velas soltas
absorvo meus naufrágios
meus sufrágios maus estágios
as pendengas lengalengas
os martírios aflições
e retorno rumo à várzea
qual um rio renascente
meio às matas passarada
esperanças inocências

*

a rigor (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

tardinha densa
sol na lapela
goela apertada

a noite rente
abre a cancela
pra estrela vésper

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) aos tropeços

líria porto

fascinados por sonhos intangíveis
avaliações equivocadas
ultrapassamos os limites da lucidez
descuidamo-nos dos laços
dos compromissos
enveredamo-nos por aí
catadores mendigos
                           de nós mesmos

*

terça-feira, 19 de maio de 2009

de lá do muro

líria porto

boneca de folhas
balança sapeca
esfrega o verde
no meio das pernas

a mãe galha velha
nem olha e de costas
peleja com as outras
as folhas mortas

*

repaginada

líria porto

o que tenho de melhor e de pior
sai pela caneta – greta de alívio
por onde me livro de mim

*

colchão de palha

líria porto

à beira de um século
um bercinho de balanço
comprado em segunda mão
embalava minha mãe
e depois os filhos dela
os nove rebentos todos
nossos sonhos e quimeras

quiseram fazê-lo moderno
tiraram-lhe os arcos dos pés
cometeram um quase crime
ficou rijo equilibrado
ali dormiram uns meninos
um sono qualquer
sem asas

um dia busco uma nuvem
faço-o voltar ao que era
a balançar um meu neto
guardo o berço em minha casa
pode ser que nele nasçam
novos versos
                          e um poeta

*

segunda-feira, 18 de maio de 2009

des_enganos

líria porto

erro quanto erro
enquanto acerto
sempre que tento
intento berro
erro nesse verso
naquele inverso
erro quando peço
careço devo
e nada ofereço

erro por teima
cisma queima
erro pelo avesso
poros pelos
erro ao não sê-lo
ao desconhecê-lo
descolar um selo
deslocar um medo
destroncar um dedo

erro
em não decolar

*

brinquedo

líria porto

um pião uma fieira
uma laçada no pino
estico a corda à ponteira
enrolo-a firme sem medo
seguro a linha entre os dedos
e num impulso
atiro-o
:
gira coração

*

borboletar

líria porto

podia voar
sem avião e sem asas
sem saber de poesia
:
fazia pipas

*

rio do rio que fomos

líria porto

deságuo uma choradeira
depois te sigo inquilina
a requebrar pelas várzeas
rolar pelas tuas margens
meu rio de pouco peixe
a cochilar em teu solo
a derramar no teu colo
meu jeito gueixa

*

felicidade

líria porto

queria um filho
arranjou um gato

o amor é líquido
afeito a todo frasco

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) palacete

líria porto

nessa casa tem cachorro
ao redor tem passarinhos
tem criança a correr solta
na frente tem um jardim

nessa casa tem conforto
tem pai tem mãe nãos e sins
nessa casa tem amor
morador imprescindível

(nessa casa tem malu
carlos eugênio e regina
ali nasceu francisquinho
: rua joão maximiliano
sessenta e um)

*

domingo, 17 de maio de 2009

estufa

líria porto

jamais me esquecerei
do seu corpinho sem vestes
do seu chorinho cansado
intermitente
sem que eu pudesse dizer-lhe
:
minha flor
minha princesa
não precisa ter medo
o pior já passou

*

recém-nascida

líria porto

maria - parte apartada da planta
pétala de rosa

*

sábado, 16 de maio de 2009

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) à tona

líria porto

sexta-feira à noite
rio de gente nas ruas
peixes dentro d'água

amigos amantes
letras no canto da língua
mesas nas calçadas

véspera de sábado
tempo de desafogar-nos
de deixar o aquário

*

) lua foice (

líria porto

nu'a esquina
a vida transborda
nasce uma flor

maria

*

sexta-feira, 15 de maio de 2009

de boca

líria porto

contundida confundida irada
desabou largou o corpo

içaram-na como a um saco
de batatas

*

dona vera

líria porto

de tanto operar a cara
parece caricatura

*

quinta-feira, 14 de maio de 2009

impotente

líria porto

não falo
por faltar-me
ereção

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) cunhã

líria porto

parece uma flor de palha
a moça que me atrapalha
sem cheiro e sem encanto

no entanto igual arraia
                enreda em sua saia
o homem que me aquebranta

*

morrentes

líria porto

quando secar o planeta vão pingar filetes de lágrimas

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) cobiça

líria porto

eu olho a boca de beijo
que sorte daquela moça
a que detém tua boca
e sabe dos teus segredos
aqueles que só revelas
bem debaixo das cobertas
entre suas coxas

eu olho os olhos negros
que sorte daquela dona
a que te olha nos olhos
e sabe dos teus anseios
aqueles que depositas
nas madrugadas de inverno
entre seus seios

eu olho o teu retrato
que sorte daquela zinha
a que me mata de inveja
pelos apelos do corpo
por tua alma que é dela
não minha

*

diálogo

líria porto

a mãe fala
o menino ouve-a

o menino fala
a mãe o escuta
:
fim da peleja
afeto carinho

assim seja

*

(para o livro sem pecado não tem salvação) abracadabra

líria porto

eu trago a palavra
na ponta da língua
lambida sugada
molhada em saliva

se queres sabê-la
beija-me a boca
depois cala o bico
pois isso é segredo
é pacto é acordo
selado com lacre
entre bruxa e corvo

*

quarta-feira, 13 de maio de 2009

bilhete

líria porto

poema é o resumo
do que não tenho palavras
(ou coragem)
pra dizer pessoalmente

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) rixas

líria porto

vovó e eu
vivíamos às turras

morena
ciumenta de meu avô
e para implicar comigo
dizia que nós –– as branquelas
éramos molengas malcriadas
e presunçosas
:
eu não deixava por menos
cuspia-lhe marimbondos

(disputávamos o mesmo homem)

*

terça-feira, 12 de maio de 2009

mães

líria porto

o sol sai pela manhã
à noite dorme

a vida dos astros não é
como a dos satélites

*

fiasco (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

não voo
isso me exclui do bando da banda
do ruflar das asas e do rufar
dos tambores

*

(publicado no livro garimpo - editora lê) - remissão

líria porto

metido em papel e tinta
assim um poeta
a r r i b a
d
e
s
a
b
a


*

segunda-feira, 11 de maio de 2009

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - flerte

líria porto

olhava a lua
a lua me olhava
e esse namoro
dispensa palavras
deixa no ar
os silêncios as pausas
dos grandes amores
daqueles que cabem
em quartos minguantes
em espaços mínimos

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - influências

líria porto

dos sete aos dezessete anos
idade das dez razões
vivia perdida entre a sólida casa
da rua paissandu
e o quintal sem vergonha
que descia o quarteirão
em direção à boemia

doutor adhemar dona neném e filhos
do lado do sol

maria-beira-mar borboletas e mariposas
na banda da lua

*

uivos

líria porto

a lua é uma bola
sorvete de tolo
há muito ela adoça
as bocas de lobo

*

domingo, 10 de maio de 2009

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) na rua

líria porto

envolto em andrajos
o corpo da vítima

homens mulheres subiam desciam
entravam e saíam dos bancos
das lojas dos carros
e a cena do crime mantinha-se
intacta

(sequer a polícia a ambulância
ou alguém da paróquia)

*

bardo

líria porto

tal qual um menino
procura brinquedos
lá vai o poeta
a tinta as letras

tal qual passarinho
no uso das asas
lá vai o poeta
o voo as palavras

tal qual a canoa
por cima do rio
lá vai o poeta
o remo a rima

tal qual marinheiro
no rumo do mar
lá vai o poeta
a bússola a poesia

tal qual lavra_dor
na lida da terra
lá vai o poeta
:
lavai o sangue

*

paus-mandados

líria porto

marionetes dançam riem
ioiôs vão e voltam  à mercê de outros
sem vontade própria

*

fantasminha

líria porto

vou me mudar não lamento
mas deixarei nesta casa
algo que lhe pertence
mesmo que lixem e limpem
o chão o teto as paredes

a minha lírica

*

sábado, 9 de maio de 2009

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) azulados

líria porto

uma história triste
derramou o mar
nos olhos de clara

para consolá-la
precisei bordar
mil lençóis
                d'água

*

sexta-feira, 8 de maio de 2009

observação

líria porto

como num caleidoscópio
apresentam-nos conforme
os que nos mantêm na mira

(condenam-nos por interesses
não por justiça)

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - hóstias

líria porto

as pequenas luas de farinha
roubadas no meu tempo de colégio
podiam ter tempero mas não tinham
seriam mais gostosas com orégano

*

quinta-feira, 7 de maio de 2009

camões para depois

líria porto

quis ler os lusíadas
a freira lhe disse –– impossível menina
não vais entender patavina

(quem poda uma planta
molda-a à sua imagem
e semelhança)

*

lipoinspiração

líria porto

com todo o zelo que um verso merece
faz-se necessário cortá-lo na carne
lancetar abscessos
sangrar das palavras excessos estridências
deixá-lo direto

o resto
dizê-lo em silêncios

*

(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - instrução

líria porto

o rio segue seu curso
e se diploma no mar

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) veneno

líria porto

pelas franjas de cleópatra
marcantônio afunda os olhos
e descobre –– é cobra

(paixões eternas
ocupam o espaço
de um pingo d'água

amores infinitos
têm a duração
de um grito

tudo ou nada
ilusão é o buraco
onde o mundo acaba)

)morte aos românticos(

*

ohhh

líria porto

boquiaberta a janela
contempla o entardecer

as caturritas
em grande algazarra
procuram seus ninhos
e as andorinhas
passarinham

*

feio (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

quem partiu a lua ao meio
colocou freio e arreio
no meu devaneio

*

cadeia

líria porto

das asas que eu tinha
nenhuma voava – as duas
puxavam a sentença
:
canto calado

*

tantras

líria porto

de tristeza de alegria de tesão
e a cada vez aprendi – morrer
até que é bom

*

tapete vermelho

(para maria luiza)

líria porto

sê bem-vinda minha linda
à avenida da vida
essa pista de mão dupla
onde se dá nosso encontro
tua aurora - meu crepúsculo

caminhemos

*

quarta-feira, 6 de maio de 2009

cavalgada

líria porto

vontade arretada chega dar comichão
parece coceira de bicho-de-pé
careço ir ao pasto montar alazão
levá-lo a galope pra lua
de mel

*

do pau oco

líria porto

a lua se faz de santinha
e paira sobre todas as mulheres

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) mínimo

líria porto

água fresca na moringa
café coado de novo

arroz feijão e farinha
um mexidinho de ovo

escola para os meninos
o futebol dos domingos

a alegria do povo

*

desconserto

líria porto

há dias de tanta chuva
no telhado uma goteira
ela pinga mágoa funda
bem em cima da lareira
a fumaça embaça tudo
passarinho fica mudo
ô vida besta

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) garrote

líria porto

fechados em noz
nós cegos
incapazes de ver a luz
tornamo-nos
          nós mesmo(s)
casulo e cruz

*

terça-feira, 5 de maio de 2009

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - levianas

líria porto

não as vi chegar
ágeis mariposas
que pousam nos bares
nos becos nas bocas
da noite

o sol quando apaga
empurra das casas
uns seres sem rosto
derrama nas ruas
cheiro de suor

a gosma da lesma
deixada no pátio
parece esperma
e escorre
entre as pedras

*

sem dúvida

liria porto

quem acha que tudo sabe
não sabe - nem desconfia

*

apetite

líria porto

nas borbulhas do desejo
quem não consegue alcançá-la
logo pensa  a lua é queijo

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) anjo torto

líria porto

era bom era engraçado
espalhar depois juntar
as bolinhas de mercúrio
do termômetro quebrado
ou apontar um espelho
para o raio infravermelho
arder os olhos do mundo

pular muros roubar frutas
caminhar dentro da chuva
esquecer o catecismo
surrupiar as moedas
alugar as bicicletas
jogar a alma
                   no abismo

*

suprassumo

líria porto

ser uma ilha cercada de livros
por todos (a)lados

*

segunda-feira, 4 de maio de 2009

puritanos

líria porto

portadores de pruridos e posturas
perpetuam preconceitos
preconizam punição
praticam pensamentos podres
povoados pelos pelos
pubianos

*

ao lui

líria porto

ai minino 
se ocê visse
a lua qui vi no céu
a izibida arrancô o véu
deu um sorriso brejero 
o sol acordô ligero
ispaiô a purpurina
um galo cantô 
os passarim feiz fiu fiu
um cachorrinho latiu 
e meu coração 
sartô
:
deu sede de te chamá 
deu fome de te abraçá
de fazê amô 
cum ocê

*

babel

líria porto

os poemas pousam breves alçam voo
não detenho em minha mente qualquer tema
as palavras soam a_penas - são aladas

idiomas são problemas

*

domingo, 3 de maio de 2009

para moacy cirne

líria porto

sangrar o açude
acabar com a sede
verdecer a terra
espalhar nas pedras
o ri(s)o sertanejo

*

infarto

líria porto

agudo  um punhal
fulminante como o raio
que matou meu pai

*

sábado, 2 de maio de 2009

desistência

líria porto

não sabia ser flecha
não queria ser álvaro

foi ao barbeiro
cortou as unhas
os cabelos
fumou

bebeu-se

*

brabeza

líria porto

arma tempestade
nossas margens
estreitam-se

cai raio

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - sarro

líria porto

sonhos salivam luxúria
lascívia desejos loucos
corpos suados gemidos
beijos de amor e de gozo

enquanto isso a insônia
empurra e arranha a noite
amassa os lençóis e as fronhas
cospe a saburra do corpo

(com a lua no sovaco
a chuva inunda o sábado)

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) olheiras

líria porto

fiz planos e orçamentos
levantei gastos e custos

abri o cofre a gaveta
juntei moedas miúdos

contei o pouco dinheiro
fiquei de lado de bruços

rabisquei o travesseiro
as paredes teto tudo

virei a lua do avesso
medi pesei que absurdo

dormi a noite inteirinha
não tive paz um minuto

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - solitas

líria porto

solteironas beatas viúvas
varam as noites
                     como a lua

*

sexta-feira, 1 de maio de 2009

consumição

líria porto

por fim a loucura teceu no meu verso
o avesso da jura a agrura e a febre
então pus compressa e a dor que supura
deixou escapar o silêncio

(perdi-me de mim do meu serafim
das cousas das causas de ti e de tudo
até das sombras e dos fantasmas)

*

pelo correio

líria porto

secar a lágrima retirar-lhe o sal
e enviá-lo a quem te reduziu
a pó

*

riminha

líria porto

lua amarela
de lá da janela
quem olhar primeiro
lambe a claraboia

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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