tudo me comove
o broto na terra
a serra a neblina
o verde nos olhos
o rio a enxurrada
a gota que cai
as penas o pássaro
o ninho que encharca
o canteiro de alface
a vidraça que chora
as roupas no varal
eu queria ser a_penas passarinho
ter meu ninho numa galha dessa árvore
sem ninguém que me prendesse em gaiolas
sem ninguém que em mim pusesse maus-olhados
inquieta no meu canto
a dirimir minhas dúvidas
amansar as incertezas
eis que vem a arrogância
para impor seus pensamentos
questionar os meus limites
arruinar-me os nervos
o riso de simpatia (algo como escárnio) a praia as moças a farra os empregos de araque boas roupas carros chiques circulou tão à vontade o filhinho do papai protegido do vovô
nunca quis saber de povo das suas necessidades nos seus jatos viajava não para servir a pátria não para honrar compromissos por volúpia vaidade sem nenhum calo nas mãos sem nenhuma cicatriz
passarinha sai do ninho
passarinho canta alto
dá um salto leva um susto
ergue o busto olha ao lado
o soldado ali presente
ele - o dono da gaiola
tem a cara muito feia
atrás do balcão do armazém de secos e molhados
meu pai perguntava – quantos quilos de açúcara
embora anotasse na caderneta do freguês
com boa letra
a palavra correta
e eu me envergonhava
daquele homem de pouco estudo
que tinha um imenso orgulho
dos seus nove filhos
a origem a raiz o alicerce o que está lá no fundo fora do alcance dos olhos e contudo faz-nos fortes capazes de resistir à violência dos ventos e das intempéries
bonequinhas de pano pernas e braços roliços caras compridas cabelos de lã olhos e bocas bordados vestidinhos de flor ou bolinhas a parte mais bonita dos milagres de minha mãe