sexta-feira, 30 de setembro de 2011

memória

líria porto

venho sempre à janela
decorar a paisagem
se um dia eu ficar cega
a escuridão terá árvores
e borboletas

*

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

concha

líria porto

debaixo das cobertas como num útero
abraço-o encolho as pernas e durmo
com um anjo adúltero

*

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

no céu

líria porto

entre os aviões
o poeta é um teco-teco
o piloto - um canarinho

*

terça-feira, 27 de setembro de 2011

perfeição


líria porto

quem traçou a lua
na tela do céu de ontem
usou compasso e textura

era lua de mel?

*

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

cambiante

líria porto

nem lúcido nem louco
pende para um lado e outro
na corda bamba

*

domingo, 25 de setembro de 2011

don'ana

líria porto

só um nome pequenino
sara ou ana ou lia –– um nome bíblico
caberia num ser de tal simplicidade

a sua sabedoria
não se antecipar às perguntas
manifestar-se em palavras precisas
                                    inevitáveis
silenciar-se

*

sanfona

 líria porto

desconhece as bordas
esbarra em tudo quanto
e se o canto desafina
alarga a estampa

)

entre azul e roxo
o tom cambiante do hematoma
a dor concentrada no
                           desencontro
:
o palavrão furta-cor
(

*

sábado, 24 de setembro de 2011

ermo

líria porto

falar com quem se o marido
é homem muito ocu(l)pado
os filhos têm compromisso
vizinhos fecham a cara
amigos são egoístas
o cão foi atropelado
os netos não param em casa
o espelho envelheceu
e não há hora marcada
com o analista

*

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) provocação

líria porto

a violar tua reza
dedilhar a tua fé
conferir a ladainha
(não acredito em deus)
repisar missa e rosário
mastigo hóstias e sinto
gosto de farinha

*

matrioshka

líria porto

dentro
de mim
de mim
de mim
de mim
de mim

(pequenina)

*

luxúria

líria porto

ave marina
plena de entrega
o amor é contigo
bendita sejas
entre as mulheres
bandida é a fruta
entre teu ventre
e tuas pernas

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) lavação

líria porto

a quarar sobre a cama
esperava que a alma clareasse
e pecava pecava
                              pecava

(a quarar sobre a grama
a fama o tatame)

depois ia ao confessionário

*

explicação

líria porto

a palavra me encolhe eu não mando
então quando eu falo uma bosta
ela mesma me estorna - a tacanha

*

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

sutilezas

líria porto

nada é assim tão óbvio
nem o óvulo nem a gatinha

*

atroz

líria porto

ecocardiograma teste ergométrico
a quantas anda meu coração?

bate por um ingrato
(será que apanha?)

*

sensatez

líria porto

nas horas de muita raiva
dar um berro e sem palavras
mergulhar no silêncio

*

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

sem um fio de cabelo

líria porto

possibilidade de ave
ou de omelete?

*

terça-feira, 20 de setembro de 2011

chantagens

líria porto

o medo nos faz reféns
de sanguessugas lacraias
que bebem em nossas veias
alimentam-se da nossa carne
vestem-se com nossa pele
utilizam-se dos nossos ossos
para palitar os dentes

*

micros

líria porto

invisíveis
insignificantes
derrubam corpanzis
atiram-nos ao tatame
demonstram que tamanho
não são garantia
:
bactérias agem
mais do que capazes
obstruem tudo
e vírus atacam
têm toxinas
vencem-nos na guerra

*

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

inglória

líria porto

aposto comigo e perco
fico furiosa – como se as pétalas
perdessem para os espinhos

*

domingo, 18 de setembro de 2011

(para o livro sem pecado não tem salvação) abstrações

líria porto

marília marlene nem sei
na hora do amor
chamava outro nome
eu não me importava
pensava noutro homem
e assim prosseguíamos
(dois em quatro)
nos braços e abraços
das metades

*

palhaço

líria porto

gargalhadas – tão felizes
e ninguém quis saber
se sofri

*

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

espantalho

líria porto

não tenho mar não tenho rio
e nem lagoa enxurrada ou copo d'água
tenho mesmo é esse jeito de ser_tão
essa secura essa aridez
esse bagaço

*

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

de dar água na boca

líria porto

sobre o bolo recém-saído do forno
a fina camada de manteiga açúcar e canela
e a voz da minha mãe
:
venham meninos venham –– hoje tem
viúva alegre

*

terça-feira, 13 de setembro de 2011

acordes

líria porto

bem-te-vi acorda cedo
e começa a cantoria
dá um agudo me desperta
vou abrir esta janela
:
hoje o azul
              não tem neblina

*

ameaças

líria porto

vulcão ativo
boca de dragão
veneno de cobra
míssil
dão-me pânico
como a língua
bifurcada
da madame

*

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

corujar

líria porto

as fitas do arco-íris as folhas do buriti
as pétalas da margarida as asas da joaninha
as cores da borboleta o voo do beija-flor
o olhar do francisquinho o sorriso
da maria

*

guia (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto


pé limpo foi com pé sujo
descobrir caminhos

não sabia dos espinhos
nem dos pedregulhos

deu uns pulos sentiu dor
mas pé sujo lhe ensinou

não chores nem fiques triste
com o tempo o couro engrossa

e viver aqui no mundo
é para os fortes

*

despoema

líria porto

a caneta
não escreve

os segredos
eu não conto

tudo é breve
grave greve

faz de conta

*

sábado, 10 de setembro de 2011

irreconhecível (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

eu tinha uma canoa –– minha
boa
com ela atravessava o rio
ria
ia
beirava o horizonte
e debaixo do arco-íris
virava homem
:
a barba crescia eu voltava
bebia com os pescadores
contava vantagem

*

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

fragil_idade

líria porto

meu coração uma bomba
bate/apanha leva tombo
cada tunda cada pé
na bunda

não tem vergonha?

*

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

as coisas não são o que são

doido

líria porto

desde que rachou a cabeça
o prego não bate bem
:
fica tão confuso
              e em parafuso
enrosca-se inteirinho
na bucha da parede

*

borracha

líria porto

o coração é um balão vermelho
repleto de (des)ilusão  ou murcha
ou estoura

*

florida

líria porto

pele de pétala
a mocidade é bonita
como a primavera

*

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

sovado é o pão que o diabo amansou

monocultura

líria porto

a cana chupa a terra
e deixa só o bagaço

*

sonolência

líria porto

sol meio sonso
desses d'inverno
roça o horizonte
e a minha janela
boquiaberta
fita-o de longe
como se quisesse
puxar pela ponta
sua manta
de lã

*

terça-feira, 6 de setembro de 2011

melancolia

líria porto

partiste
o alegre ficou triste
o triste irrecuperável

*

carências

líria porto

chegou ela era velha
ele era alto simpático
tinha vigor mocidade
instalou-se em sua cama
deitou-se espichou as pernas
ficou lá tal qual um lord

aceitou – fazer o quê
melhor assim que ninguém
mesmo que fosse breve
desse-lhe aborrecimento
um fruto assim suculento
não se bota para fora

ela até que remoçou
tornou-se alegre vaidosa
comprou joias roupas de seda
vai lhe dar um automóvel
(um conversível vermelho)
vai pô-lo no testamento

(os sobrinhos
aqueles que nunca vê
estão furiosos)

*

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

solidão que nada - todo poeta tem a musa que o habita

escuridão

líria porto

amanhãs que tardam noites eternas
nenhum canto de galo nenhum pássaro
silêncios são espectros

*

domingo, 4 de setembro de 2011

passarim

líria porto

passo e peço
posso passear em seu paço
possuir um pedaço do espaço?
:
sim sim sim
se solfejares swing

*


derradeira

líria porto

a passagem é uma viagem
às vezes rápida
              às vezes morosa
:
e ninguém deixará
de fazê-la

*

sábado, 3 de setembro de 2011

escola (um poema para diovani mendonça)

líria porto

letras são sementes em busca de mentes férteis
crianças são canteiros repletos de possibilidades

(pão e poesia alimentam corpo
                                          e espírito)

*

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

andorinhas

líria porto

cortam recortam o espaço
picotam as nuvens o azul

entrelaçam os olhares
bicam a claridade

juntam depois espalham
a purpurina solar

*

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

um canto

líria porto

ao rés do chão
para barulhar as caturritas
para decantar os olhos

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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