sábado, 30 de novembro de 2013

mama mia

líria porto

na hora do amor
subiu nas paredes
depois despencou
mas não se arrepende
:
o inferno e o céu
são faces da mesma
moeda

*

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

seleção

líria porto

sou a minha casa e me cerco de cacos de vidro
só entra quem tem asa ou suporte rasgar
corpo e alma

*

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

o impossível

líria porto

não consigo nem comigo
nem contigo nem com
ninguém

*

tecido

líria porto

tal como as leses
tenho pele fina e furos
de nascença

*

sem corrimão

líria porto

viver é subir e descer escadas
com degraus de gelatina

*

natimorto

líria porto

que olhos teria o filho
que não viveu?

o que lhe diria hoje?

*

esquecimentos

líria porto

fora do alcance das mãos dos olhos
fora do alcance do coração

de ausência em ausência
deslembro-te

*

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

na veia

líria porto

poesia é uma droga
madrinha?

não meu bem –– porém
vicia

*

banzo

líria porto

antes de embarcá-lo
obrigaram-no a sete voltas
em torno da árvore
do esquecimento
e no porão do navio 
sem pertences sem parentes 
correntes o prendiam

(seria vendido 
como mercadoria)

*

enxame

líria porto

os peitos choraram o filho morto
o cheiro atraiu as abelhas
beberam-lhe o néctar
e fizeram
mel

(mulher na flor da idade)

*

acenos

líria porto

o barulho verde
do bando de periquitos
crianças pequenas

*

asilo

líria porto

o corpo em concha
igual dos fetos
vovó tem filhos
netos bisnetos
mora lá longe
com outros velhos

a morte espreita-a
ninguém se importa
vovó é como
a folha morta
que se desprende
na hora certa

o vento é forte

*

terça-feira, 26 de novembro de 2013

tardança

líria porto

já fiz isso pelo muso
faço isso pelo verso

um muso do avesso
um verso inconcluso

(um poeta
patético)

*

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

finados

líria porto

tão bonito chorar à beira da sepultura
viúva então acho lindo

(não vou espalhar tuas cinzas
queria é roer teu osso)

*

os telhados

líria porto

cada casa um penteado tem uns lisos uns com ondas
com topetes para o lado – uns com franja
ou com telhas coloridas

(vaidosos os seus donos)

*

desnudo

líria porto

atrás das lentes 
faço silêncio 
peço licença 
tateio tudo 

então concluo 
fora de alcance 
tão absurdos 
só os gigantes

eu sou miúdo

*

domingo, 24 de novembro de 2013

silêncio

líria porto

coração de mãe bate devagar
para não acordar
                         as crianças

*

dose

líria porto

pinga pinga pinga
até que chega uma hora
a vida acaba e a morte
recolhe a garrafa

*

coxo

líria porto

olhos mancos
de um eu enxergo - do outro
eu me esforço

o rim manco
com um eu filtro impureza
com o outro faço cálculos

o ouvido manco
de um eu esscuto no outro
existe um tampo

vivo a dar mancadas
de deixar os pés
perplexos

*

na ponta dos pés

líria porto

quanto mais espano a lua
retiro pó das estrelas
mais me embranquece a cabeça
e a minha pele se enruga

*

grilos

líria porto

boneca de barro
com minhocas na cabeça
mente (in)fértil

*

repugnância

líria porto

tinha cheiro de flores de pétalas
deu-lhe enjoo e o vômito
jorrou pânico

imprimiu-o em papel higiênico
e sentiu-se pérfido

*

sábado, 23 de novembro de 2013

transparências

líria porto

desvias os olhos
não me queres ver por dentro
temes queimar as pupilas

tu - o próprio incêndio

*

domínio

líria porto

assobios vaias aplausos
dependem da concordância
entre quem toca e quem
dança

*

arrelia

líria porto

agora ou quando quiseres
dizem as mulheres – eu não
se não houver um acordo
fico de fora

(ora bolas)

*

amantíssimos

líria porto

meu amor repartido entre os homens
multiplica-se milhares de vezes

a cada um
conforme a sua fome
de acordo com a sua sede

*

temperamento

líria porto

menina menina
teu pai não suporta
esta espécie
de olhar

mamãe prevenia-me
porém era  forte
ninguém me impusesse
limites

desde pequenina
dona do nariz
domar nosso gênio
é difícil

(só por amor)

*

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

na lama

líria porto

perder as estribeiras
arrancar seu sangue a unha
dar um jeito na galega
que achou se engraçar
para os lados do meu
homem

ele diz que não dá bola
que não gosta do seu tipo
nega tudo – mas duvido

a vovó me garantiu
eles são todos idênticos
desde então adeus
sossego

*

leitor

líria porto

só os teus olhos completam
a poesia dos meus versos

*

vício

líria porto

não fumo não bebo não uso drogas
nem preciso - leio e escrevo poemas
dia e noite

noite e dia

*

limitações

líria porto

depois que fiquei velha
meus ósculos já não me servem
vejo mais do que preciso
fico cega

*

caracol

líria porto

lá vai ele vagaroso
a arrastar sua bagagem
de editora em editora

(casa é poesia)

*

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

tendências

líria porto

a árvore dos enforcados – não passo nem perto
temo que tenha imã que me leia os pensamentos

*

progresso

líria porto

demoliram a antiga casa
cercaram todo  o terreno
prepararam os alicerces
trouxeram cimento brita
e muitas barras de ferro
:
vão erguer o edifício
vão tapar minha janela?

*

mordaça

líria porto

as palavras que eu não disse
soam-me como gritos – cacos de vidro
goela abaixo

*

carbono

líria porto

no espelho
os olhos de meu pai
a cor da pele
:
o que saio aos meus
me regenera

*

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

alfabetização

líria porto

parou
encarou o muro e soletrou
bu bu
ce ce
ta ta

nesse dia descobri
a lia lia

*

evasiva

líria porto

com asas de urubu
embolou o papel e cagou por cima
um caldo branco e fétido

nem sempre foi assim
às vezes aparecia aberta
como a borboleta

já surgiu igual lobo
a lua na boca e até pode ser
um cravo uma flor

a poesia tergiversa

*

convite quase enganoso

líria porto

vem desmorrer nos meus braços
sentir prazer remoçar – alargar corpo e espírito
satisfazer os sentidos

o amor é mágico

*

terça-feira, 19 de novembro de 2013

arisco

líria porto

já peitei a trabuzana furei onça foi no bucho
matei cobra cascavel enfrentei um touro à unha
tirei leite até de pedra mergulhei dentro
do escuro

aprendi
fiquei esperto

*

gerações

líria porto

o tempo despetala as flores
faz surgirem os frutos - amadurece-os
devolve as sementes
à terra

*

lanterna

líria porto

o sol de banda
a alongar as sombras
a iluminar as laterais

*

à flor da pétala

líria porto

a lua acordou de ovo
e o sol nem trisque

*

domingo, 17 de novembro de 2013

aos sete anos

líria porto

helena trouxera conchas
–– um vidro cheio delas ––
eu nunca vira o mar

(senti saudade oceânica
de tudo que não sconhecia
e sofri pela primeira vez)

*

e_terno

líria porto

dia de descompensar de cair de boca
de tomar sorvete de comer pipoca
de dizer a ele –– loviú xuxu
hoje é para sempre

*

sossego

líria porto

as manhãs de domingo
com toda a gente a dormir
são minhas

*

plantação

líria porto

moro em mim
e quando eu me for
para sete palmos do chão
di_vagar
a cavar minha cova
vai brotar um pé
couve

*

remanso

líria porto

eu e eu – morar comigo
assim só sem mais poréns
ser dono das minhas horas
dos dias das meias-noites
ser-me boa companhia
a discutir relação
apenas com os espelhos
com os cálices adivinhos
com as xícaras de café

*

sábado, 16 de novembro de 2013

porrete

líria porto

filtrar as palavras
não para usar sua pureza
mas para utilizar toda a borra
onde se esconde
a violência

*

traição

líria porto

recebo-te
e quando me viro
tu me apunhalas

a língua na minha ferida
tu dizes – sangue azul me salva
(só pode ser ironia)

a poça sob meus pés é da cor
das regras

*

caminhada

líria porto

o passado a amarrotar o futuro
deixar-se levar sem contudo
esmorecer

*

gratidão

líria porto

passarinhos cantam hinos
pra louvar mãe natureza
que beleza passarinhos
nossa mãe merece

*

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

audácia

líria porto

falo com uma certa ereção
um quase tanto de orgasmo
retirado das entranhas

*

desviagem

líria porto

o coração me pede  não vás
eu fico

é na escrita
que me ultrapássaro

*

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

sem protocolo

líria porto

na testa não
guarda este para a tua irmã

aqui – na boca – na face também podes
no pescoço na nuca nos ombros nos braços
mas não me beijes as mãos
não sou daquelas damas
tão distantes

*

figos

líria porto

lá no fundo da cratera tenho uma figueira
carregada de delícias

figueiras não dão frutos – dão flores
comestíveis

*

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

aguardo

líria porto

eu ia – aí caiu um toró
recuei

às vezes a chuva me encolhe
recolhe-me as vontades

vai ver amanhã eu me molho
sem medir consequência

*

a mulher suspensa

líria porto

volúvel volátil
nasceu para flutuar

o corpo –– um castigo –– o peso
dos pecados


*

(peguei o sol no pulo) fuga

líria porto

a liberdade é sem beira
tem a lonjura das asas

*

terça-feira, 12 de novembro de 2013

cataratas

líria porto

no inverno de mim
olhos novos em folha
entre pés de galinha

*

brisa

líria porto

há quem necessite
de fama e poder

eu me realizo
com sombra água fresca
e um livro

*

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

incompatibilidades

líria porto

se tu te comportas
como uma represa
não contenho o riso
rio que gargalho

*

sovina

líria porto

pelo teu enfoque tudo é reduzível
até mesmo o estoque de amor
deve caber numa xícara

*

lentes

líria porto

a vida
quarou as nódoas
pôs no varal
lençóis de listras

azulzinho
azulão

*

cálculo

líria porto

um mergulho
um romper da superfície
uma luz a furar-te o olho
a implantar profundo
um mundo sem borrões

*

registro

líria porto

enxergo cada vez mais claro e longe
e a vida tem contornos tão precisos quanto preciosos
para os olhos

não para as nossas almas – estas veem
doutra forma

*

domingo, 10 de novembro de 2013

farejador

líria porto

pelo cheiro pelo tato
eu te reconheço por seguir
teu rasto

*

fama

líria porto

prefiro o anonimato
mas a vida me convida
e eu salivo

*

é isso che

líria porto

o olho bom
o ouvido são
o coração
o único rim
o melhor de mim
tudo à esquerda
:
fez-se
fácil
a opção
política

*

des_humanos

líria porto

comparáveis a répteis como cobras e lagartos
uns rastejam têm sangue frio e há os que destilam
veneno

*

meio às cegas

líia porto

curvas e curvas
cada detalhe
nada é difuso
nem mesmo a falta
asas nos olhos
flores são flores
e não há manchas
nódoas borrões
só a espera
da luz que volta
de pouco em pouco

*

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

baile

líria porto

o salão era pequeno e o amor
transbordava-nos as margens
:
pisei teu pé de propósito

*

in_quietude

líria porto

voa em mim
baila como vespa
o verso que não fiz

*

porém

líria porto

no porão toda a covardia
és vítima de ti mesmo
não minha

*

estilingue

líria porto

em meu encalço
a vasculhar-me as pistas

) nem asas me livram (

as pedras acertam-me as costas
e nada tem rima

*

espeto

líria porto

carne sobre o braseiro
fá-lo salivar

salga-a come-a
boca lambuzada

(no sangue do porco)

*

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

rixa

líria porto

afiou o som
subiu a escala
um tom acima
da minha fala
:
nossos agudos
tais como agulhas
feriram fundo
as nossas almas

*

ninhada

líria porto

os cinco dedos da mão
as quatro filhas da mãe
semelhanças diferenças
e tão (des)iguais
que nos confundem

*

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

morto-vivo

líria porto

cheio de caminhos vazio de vontades
deixou-se cair numa cova e não impediu
que o enterrassem

*

crossa

líria porto

escrava da escrita escrevo escrevo escrevo
sem achar que tenho cruz – sem conferir o tempo
no cronoscópio

*

glutão

líria porto

a pomba gorda da beata
despertava apetite no padre

depois da missa
ela ia à sacristia

o vigário comia-lhe a pomba
deus seja louvado

com pão
e vinho

*

terça-feira, 5 de novembro de 2013

benta

líria porto

depois que virei santa
recebi faixa e diploma
aí é que peco mesmo
por cima e por baixo
dos panos

e sem arrependimentos

*

arauto

líria porto

galos em greve
e o silêncio fere
as madrugadas

*

dedo-duro

líria porto

apesar do peso
vivo a pesar-me
e a balança acusa
o que como e bebo

*

domingo, 3 de novembro de 2013

de furação

líria porto

arde demais
e lacrima

depois vira cicatriz
tremor

nervo psicótico

*

(sem pecado não tem salvação) urtiga

líria porto

dos homens que amei
reais ou imaginários
só um foi meu muso
o que me deu na bandeja
todos os homens do mundo

o homem justo
teve a sabedoria
de esquivar-se de mim
de impedir que me tornasse
sua via crucis

*

sábado, 2 de novembro de 2013

in_frações

líria porto

em paredes teto assoalho
nos espelhos na escada
nas vidraças azulejos
e até nos rodapés
versos versos
versos

palavras

*

condenação

líria porto

quem faz o que quer está certo
errado é contorcer-nos 
mudar nossa natureza
o que nos dizem as igrejas 
não me interessa
eu peco

*

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

acabamento

líria porto

croc croc croc – passei overloque por cima da rima
agora ela não desfia

*

falecimento

líria porto

todos tem a sua hora
eu salto primeiro – na véspera
antes da ressaca

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

Arquivo do blog