sexta-feira, 31 de outubro de 2014

no pulo

líria porto

meu amor não sai da toca
e quando sai é de touca
meu amor tão obscuro
a esconder-se no escuro
pra não ser pego com outra

(e a outra sou eu)

*

rango

líria porto

meia-noite carruagem vira abóbora
meio-dia abóbora vira comida
(com carne seca)

*

pauliceia

líria porto

pratos empilhados na pia
no aguardo de água

mágoa espalhada no peito
a guardar rancor

*

superior

líria porto

pode ser muita coisa
até mesmo um pretexto
para ocultar a máscara
debaixo da pele
                        do rosto

*

neblina

líria porto

a cortina esconde a paisagem
mas não cala a inconfidência

*

retrocesso

líria porto

perdeu as asas
virou lagarta de novo
tal como o homem
é gorila

*

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

cerrado

líria porto

romper as nuvens
desprendê-las
e acaso poça
chorar as mágoas
até verdecer
:
ando farto de ser forte

*

das palavras

líria porto

abismos e penhascos precipitam-me
rio do lago e do mar

*

vitória

líria porto

dei de ter ideias doces
de pensar coisas tão belas
dei de olhar dentro dos olhos
da gente sincera

*

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

equilíbrio

líria porto

precisasse me mudar
fosse pra perto pra longe
levava junto meu anjo
e meus demônios

*

água parada

líria porto

doem-lhe a cabeça
tronco braços
pernas
até pensamentos
sofrem com o aedes
mosquitinho à toa
que derruba todos
e tem quase a força
de um paquiderme

*

terça-feira, 28 de outubro de 2014

a quem de direita

líria porto

no fragor da peleja
eu nem falava teu nome
agora posso - mas diacho
sinceramente eu te acho
o ó do borogodó

(gastar saliva não)

*

gravidez

líria porto

fato é que o feto
firma-se e forma-se
full time

depois pula fora
e a escola
é a vida

*

arauto

líria porto

no peitoril da janela
um passarinho maluco
fez o maior escarcéu

até parece que o cuco
quis acordar todo mundo
para contar que choveu

*

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

intervalo

líria porto

ontem em cama de faquir
hoje pude dormir nas nuvens
um descanso temporário
pois é tempo de agir
defender a nossa casa
da gula dos abutres

*

domingo, 26 de outubro de 2014

chove

líria porto

tudo me comove
o broto na terra
a serra a neblina
o verde nos olhos
o rio a enxurrada
a gota que cai
as penas o pássaro
o ninho que encharca
o canteiro de alface
a vidraça que chora
as roupas no varal

*

ideologias

líria porto

coração tem lado e pulsa
(sangue)
fígado também tem lado
(bílis)

rins são duplos
se bem que tenho só um
(o esquerdo)

estômago fica no centro
estômago e sexo
conforme a espécie
de fome

intestinos ocupam espaços
(não são neutros)
alguns sobem à cabeça
demonstram o que têm dentro
arrotam e soltam puns
(ar rarefeito)

*

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

linhagem

líria porto

eu queria ser a_penas passarinho
ter meu ninho numa galha dessa árvore
sem ninguém que me prendesse em gaiolas
sem ninguém que em mim pusesse maus-olhados

*

nas alturas

líria porto

cuida de ti
por mim
por nós dois

como tu
eu só tenho
uma asa

o voo
requer
cúmplices

*

menino

líria porto

não te assustes
os abutres se distanciam
a onda agora
tem o tom d'aurora

(mas não feches os olhos
vigia)

*

definição


líria porto

montanha é o pó que se acumula
em milhões de anos

*

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

atiradeira

líria porto

poesia é pluma
pó pétala pena
espuma

a palavra
pesa

*

merde

líria porto

o amor me lambe morde bebe come
depois me defenestra da forma
mais funesta

*

domingo, 19 de outubro de 2014

bota-fora

líria porto

inquieta no meu canto
a dirimir minhas dúvidas
amansar as incertezas
eis que vem a arrogância
para impor seus pensamentos
questionar os meus limites
arruinar-me os nervos

tratei-a como devia –– um certeiro
pé na bunda

(quem sabe de mim
nem eu)

*

sábado, 18 de outubro de 2014

das aberrações

líria porto

quis ser freira agora é crente
tudo bem – que dá na mesma
mas estrela virar tucano
é lagarta transformar-se em morcego
não em borboleta

*

das torneiras

líria porto

o céu chore - eu o consolo
nem tudo é azul no momento
alguma nuvem despenque
o chão reverdeça
haja comida nas mesas
e a água não seja
um filete

sentimos sede

*

mormaço

líria porto

preciso amansar o sol
incêndio em volta do corpo
deserto dentro da alma

*

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

couro grosso

líria porto

a nossa carne velha
imprópria para consumo
resista à pressão da plateia
à sanha e ao ódio das aves
de rapina

*

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

papéis

líria porto

o vento derruba tudo
e não fica verso 
sobre verso

*

poema

líria porto

da cartola
do poeta
as palavras
uma a uma
como flores
que completam
o buquê

*

terça-feira, 14 de outubro de 2014

o almofadinha

líria porto

o riso de simpatia
(algo como escárnio)
a praia as moças a farra
os empregos de araque
boas roupas carros chiques
circulou tão à vontade
o filhinho do papai
protegido do vovô

nunca quis saber de povo
das suas necessidades
nos seus jatos viajava
não para servir a pátria
não para honrar compromissos
por volúpia vaidade
sem nenhum calo nas mãos
sem nenhuma cicatriz

(para gente assim
tudo é lucro)

*

ameaça

líria porto

passarinha sai do ninho
passarinho canta alto
dá um salto leva um susto
ergue o busto olha ao lado
o soldado ali presente
ele - o dono da gaiola
tem a cara muito feia

*

perversidade

líria porto

atrás do balcão do armazém de secos e molhados
meu pai perguntava – quantos quilos de açúcara
embora anotasse na caderneta do freguês
com boa letra
a palavra correta

e eu me envergonhava
daquele homem de pouco estudo
que tinha um imenso orgulho
dos seus nove filhos

*

in_diferença

líria porto

as burras cheias não ligam
ficam bem
porém os pratos vazios
os pés descalços
passam fome
passam frio

*

conta-gotas

líria porto

no rio
as pedras

a seca
perdura

secura
na terra

e a cura
é a chuva

quero água

*

domingo, 12 de outubro de 2014

turismo

líria porto

a fala do estrangeiro
entrava-lhe pelos olvidos

o falo desconhecido
a penetrar-lhe entre as pernas

(pagava-a com dólar)

*

sábado, 11 de outubro de 2014

clareza

líria porto

eu não vou ficar inerte
eu não vou cair no conto
eu não vou votar no moço
ambiciono as estrelas
e serei fiel a elas
e ao povo brasileiro

dilma 13

*

sustos

líria porto

a vida é surpreendente
de repente tudo desacontece
e vamos no vácuo

só que o vento vira

*

abafamento

líria porto

a rua me engole
mas não me digere

a rua me engole
mas não me vomita

a rua me engole
e assim entalada

a rua me oprime

*

de minas

líria porto

de ferro e neblina
a ferrugem rói a gente
não temos sangue de inseto

*

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

de boca

líria porto

jiló e pimenta se amavam
ele amargo ela ardida
juntaram os seus sabores
e foram muito felizes

(em minha língua)

*

meu caro

líria porto

não quero
que te tornes
tão querido
a curto prazo

tenho
o coração
muito ocupado
:
fujo
das paixões
e das lamúrias

*

rigidez

líria porto

a morte é dura
a morte não tem
jogo de cintura

*

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

ladrão

líria porto

meu coração bate louco
parece arrombar meu peito
querer roubar-me
do corpo

*

terça-feira, 7 de outubro de 2014

firmeza

líria porto

a origem a raiz
o alicerce
o que está lá no fundo
fora do alcance dos olhos
e contudo
faz-nos fortes
capazes de resistir
à violência dos ventos
e das intempéries

*

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

magrelas

líria porto

bonequinhas de pano
pernas e braços roliços
caras compridas cabelos de lã
olhos e bocas bordados
vestidinhos de flor ou bolinhas
a parte mais bonita
dos milagres de minha mãe

*

de raiz

líria porto

cascalho
pedra bruta
areia rocha
cimento
ferro
qualquer coisa
que sirva
de alicerce

*

vô manuel

líria porto

de dentro da fotografia
seus olhos seguiam-nos
azuis e tristonhos como o mar
português

*

domingo, 5 de outubro de 2014

continuidade

líria porto

afora o que aconteça lá fora
cá dentro do peito a certeza
do dever comprido

*

andorinhas

líria porto

garantir ao bando
as pequenas conquistas
:
impedir que aves de rapina
devorem o azul e o verde

*

sábado, 4 de outubro de 2014

cotas

líria porto

preta de ébano
bela menina
brilhava mais
que a luz acesa

embora pobre
queria e teve
vontade e chance
de ir à escola

na faculdade
virou doutora
cuidou da gente
que tinha dor

(ela se impôs
e os colegas
a respeitaram
gostaram dela
:
até branca
de neve)

*

leque

líria porto

uma asa apenas
um olé me abana

ele inventa o vento
um voo à espanha

*

fuá

líria porto

o galo desperta
faz muita questão
de fazer barulho
pr'acordar o sol

ele enche o peito
canta alto e agudo
o sol e as estrelas
levam o maior susto

eu cubro a cabeça
finjo que não ouço
fico bem quieta
durmo mais um pouco

(quero ver quem manda)

*

bonito

líria porto

a lua minguante
estampada no horizonte
a cuia do coco

*

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

ponto

líria porto

ando devagar
porque já tive expresso
e cheguei à conclusão

*

boquirroto

líria porto

esbraveja denuncia
fala o que quer
o que pensa
:
arcará
co'as consequências?

*

seca

líria porto

um ser sem ceca
que se assume sem selo
e sem carimbo

*

bola de cristal

líria porto

o que está porvir
chega no domingo

*

ex_quilo

líria porto

pula daqui pra lá
corre na esteira na avenida
emagrece a óleos vistos

*

escala

líria porto

coração dói – literalmente
e coração não mente
padece e desce
do trem

*

khalo-me

líria porto

nada de bate-boca
eu quero é beijo
de língua

*

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

negligência

líria porto

o silêncio ruidoso dos omissos
dos que fingem que não veem e presenciam
dos que cerram olhos lábios
consciência

(quem ama
                           vigia)

*

para amansar a cisma

líria porto

a vovó já foi bebê
fez cocô / xixi nas fraldas

a vovó já foi menina
brincou brigou mostrou língua

a vovó já foi mocinha
atrevida malcriada

a vovó já foi bonita
usou batom salto alto

a vovó apaixonou-se
falou verdade mentira

a vovó já teve raiva
cuspiu marimbondo espinho

a vovó já ficou grávida
teve quatro bebezinhos

a vovó já riu chorou
namorou casou fez farra

a vovó ficou velhinha
tem vocês sua mãe suas tias

a vovó é todo mundo
e quando a vovó morrer

tudo vai continuar
não se preocupem

*




apoio

líria porto

acaso eu precise escorar o mau tempo
tenho a bengala de meu pai

*

dilúvio

líria porto

para abrandar os incêndios
refrescar retas e curvas
dúvidas e certezas

*

saliva

líria porto

um rio que me enxurrasse
que se infiltrasse pelas minhas frinchas
que me umedecesse corpo alma
                                           e língua

*

onde amarei meu burro

líria porto

maricota troca os dentes
os incisivos frontais
os tais que enfeitam
e abrem as porteiras
para os demais

maria é linda de todo modo
até quando faz muxoxo
e eu não concordo

*

flor

líria porto

desabrocha
reabre o sorriso
e me diz corajosa

coragem é rir
num dia desses
de calor intenso
e almas áridas

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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