segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

bilhete vermelho

líria porto

à ponta do lapso
maltraçadas linhas

*

(para o livro sem pecado não tem salvação) sirigaita

líria porto

mulheres e homens
água e óleo
e eu
a aboiar seus maridos
levava-os para meu pasto

*

domingo, 30 de janeiro de 2011

das flores murchas

líria porto

a menina
minha mãe
foi-se embora
e hoje
eu pareço
a vovó

*

sus_peitos

líria porto

na versão de adão
a cobra comeu

na versão de eva
o que lhe entrava entre as pernas
era peçonha de homem

na versão da cobra
veneno é bom
e eva gosta

na invenção
                 tudo é maçã

*

pretensão

líria porto

olhar de paisagem
a ignorar o próximo

*

sábado, 29 de janeiro de 2011

morbidez

líria porto

defunto enterro velório
missa de sétimo dia
eram fatos compulsórios
na rotina de abadia

um dia sumiu de tudo
:
terá caído no córrego
ido embora nalgum óvni
ou estará por um cio?

(entre boatos conversas
as quedas pelo coveiro
pelo agente funerário
por algum anjo
de mármore)

*

primeira classe

líria porto

a escrita –– trem bonito
cada palavra um vagão
um carrilhão de sentidos

*

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

piração

líria porto


aposto que é o oposto
o aposto a postura o pretexto
o pormenor

para me prostrar
para me preterir
para me depor

para me pôr
                  pê da víbora

*

dédalo

líria porto

o corre_dor não me leva
não te traz - e intramuros
pululam devassos
                        e dúbios

*

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

igualdade

líria porto



escrevo com a mão esquerda
(sou destra) - a letra entorta estreita-se
mas o sentido é o mesmo

os diferentes têm voz
é preciso que se atrevam
que se exibam como nós
os normais ou menos

*

chamariz

líria porto

charuto cachaça ou chope
um sheik de bico doce
e chuva fina

*

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

estopim

líria porto

meu coração – esta bomba – vai explodir dentro em pouco
e entornar toda a tinta de encarnado barroco
nas restingas do teu corpo

*

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

gerações

líria porto

o tempo passa depressa
de tão veloz nem o vemos
os netos tornam-se avós
num só estalar dos dedos

*

farelo

líria porto

quanto de nós há nessas quebradas
em quais curvas ficamos perdidos
naqueles dias longos emaranhados
em que pulverizados nos fizemos
cisco

o vento espalhou tantos pedaços
tentamos nos reerguer seguir a vida
jamais conseguiremos ser os mesmos
nem plenos nem potentes
nem maciços

*

fastio

líria porto

a paixão amorna
ninguém se queima
apenas torra
           a paciência

*

domingo, 23 de janeiro de 2011

à deriva

líria porto

livros espalhados
papéis roupas sapatos
a cama por arrumar

o corpo sem âncora
sem porto

*

sábado, 22 de janeiro de 2011

caminhada

líria porto

na infância o tempo trota
na maturidade marcha
na velhice ele galopa
:
de repente
            o tempo empaca

*

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

derrame

líria porto

chove
e tudo me (co)move

(es)corro chuva adentro
enfio corpo e alma em cada gota d'água
e não uso capote nem sombrinha

*

(publicado no livro garimpo - editora lê) - vulnerabilidades

líria porto

folhas caem
ao mais leve sopro
iguais as pessoas
muito preocupadas
com o olhar dos outros

*

caríssimo

líria porto

não procuro não quero
não preciso saber
:
o que fazes em minha ausência
só te diz respeito

*

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

clandestino

liria porto

riscou nome riscou verso
fez  o resto pelo avesso
passou por cima das regras
sequer registrou
meu filho

*

farsantes

líria porto

em jogo de cartas de/marcadas
o destino favorece quem sabe blefar
:
o bilhete é pré_miado

*

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

demudar

líria porto

pelo correio
beijos aplicados no papel
(batons variados)
um pacote de sementes de abobrinhas
quinze cruzeiros
(notas antigas e novas)
uma estampa da virgem
(mesmo que ele seja ateu)
um palpite de jogo
e nenhuma palavra
:
meu bem aprecia
silêncios

*

verão

líria porto

mormaço 
suor 
pressão
o ar para 
ruas e avenidas sopitam
caminham 
em câmara 
lenta

*

domingo, 16 de janeiro de 2011

aqui jaz

líria porto

cercou-se de si – protegeu-se o quanto pode
mas porém caiu de boca na lábia
do meu batom

*

do que nos conduz ao desespero

líria porto

procuro-a
não a encontro
vasculho por todo canto
uso lentes de aumento
imãs
iscas
escafandro
olho debaixo das coisas
dentro de todas as bolsas
e não está no armário
nas gavetas nas estantes
:
onde se meteu
             minha cabeça?

*

paciência

líria porto

cada dia
é mais um dia
e nada é
:
para sempre
mesmo que continue

*

cerro os olhos - serras

líria porto

rasgos na montanha
e o sangue ocre
grosso pardacento
repleto de corpos
de desespero

*

sábado, 15 de janeiro de 2011

desinteresse

líria porto

tal como o mar se atira sobre os rochedos
eu me jogava em teus braços

iguais a ti
as pedras permanecem impassíveis

*

prematuro

líria porto

uma rajada de vento
catou um anjo na terra
levou-o consigo
a_deus

o galo cantou três vezes
calaram-se lua e estrelas
eu me vesti de tristeza
chorei

dorme meu bem

*

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

atordoamento

líria porto

a nuvem cai
vem duma vez
a água turva
inunda o mundo
e eu não tenho
notícias tuas

deus te proteja

*

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

pé ante pérola

líria porto

procuro um poema
quem o vir me acene
que irei buscá-lo

*

de mover moinhos

líria porto

não sei se vício pirraça
a vida vinca-me a face
enquanto rio

*

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

massa (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

cordeiros caminham por pastos campinas
e vão tão juntinhos como um corpo imenso
a pensar (não pensar) sempre o mesmo
                                  sobre o mesmo capim

*

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

calidoscópio

líria porto

um pequeno movimento
e tudo muda

(contudo a moda
é uma merda)

*

em cima da risca

líria porto

os pés em dois trópicos  ali
entre a loucura e a lucidez

*

bodoque

líria porto

vovó é doida de pedra
tem cristal rocha ametista
cascalho paralelepípedo
na beirada da janela

(não bulam com a velha)

*

domingo, 9 de janeiro de 2011

naquele tempo

líria porto


tudo era poesia
até os dentinhos de leite
e as sardas no nariz

(mas eu não sabia)

*

armadilha

líria porto

andava eu sossegado
alguém me soprou à nuca
prossegue vai nessa estrada
acreditei na arapuca

não quero mais ser poeta
rimar assim quem aguenta
procurar palavra (in)certa
como remar na tormenta

ora era muito ora pouco
deveras fui insensato
levei uns pitos uns socos
tomei juízo e os acato

o que está feito está feito
o tempo não retroage
a vida passa num flash
melhor agir doutro jeito

(ao menos até amanhã)

*

sem demasias ou delongas (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

a catar qual passarinho
um canto pra minha rede
um amor pra minha sede
um pouso
:
não preciso latifúndio

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - revezamento

líria porto

o sol a lua
dormem no mesmo lençol
em turnos alternados

*

sábado, 8 de janeiro de 2011

tábuas de salvação

líria porto

precisados de consolo
ele se fingiu marido
ela fez de conta
               a mariposa

saídos da recaída
retomaram a rotina

*

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

águas do céu

líria porto

malu e francisco debaixo da chuva
um batismo sem reza

*

primo canto

líria porto

não me levanto de pronto
a cama além de boa
é ninho para algum verso
é choco para algum sonho
:
cocoricocóooooo

*

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

ultra_pássaros

líria porto

mangas de mim eu me rio
tapeio-te com mentirinhas

algumas meias verdades
são inseridas na vida

não fora assim meu querido
como resistiríamos?

*

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

extrema-unção

líria porto

se foi para paris
se não me quis
vai ser atroz
não vou atrás

garçom
traz-me um copo de aguarrás
ou um scoth

rimar é ilusão

*

do que os olhos não veem

líria porto

repara na blusa na saia
na bolsa nos sapatos novos
embora maria saiba
joão saliva é pela polpa
quer saber nada de casca

*

rompimento

líria porto

um passo mal dado
um mal entendido
maldade de outros
ou isso ou aquilo
:
belém belém
        nunca mais
fico de bem

*

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

esca(l)po

líria porto

metidos com papel tinta e palavras
poetas arribam
                          desabam

*

rosadas

líria porto

conquanto a sangria se estanque
as auroras tingem nuvens

*

espera

líria porto

depois da noite
à_manhã

e o porvir
         não veio

*

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

para não despertar a princesa

líria porto


livrou-se das reticências
não usa ponto nem vírgula
pudesse engolia as letras
e deixava o papel
                           virgem

*

domingo, 2 de janeiro de 2011

netos

líria porto

esses feiticeiros
os seus olhos dágua
o seu riso largo
resistir quem há de?

*

in$i$tente$

líria porto

e$tão devera$ preocupado$
com o no$$o bem e$tar
oferecem-no$ o paraí$o
:
o$ banco$
o$ $erviço$ de telefonia
o$ plano$ de $aúde

(todo$ mui amigo$)

*

sábado, 1 de janeiro de 2011

poema

líria porto

lago de águas rasas
que ao refletir o poeta
muita vez esconde
o ambíguo

*

pé direito

líria porto

maluzinha - ida para aeroporto depois do natal aqui em casa

tenho muitos afazeres
poemas dependurados
cartas a serem escritas
livros que ainda não li
que preciso publicar
e viagens necessárias
reencontros recomeços
canções de ninar francisco
brincadeiras com malu
:
preciso mais uma década
(pelo menos)

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

Arquivo do blog