terça-feira, 31 de março de 2009

fadas fados e fodas

líria porto

tenho doença incurável
sofro de irrealidade

*

inveja

líria porto

dela eu sinto - e não porque seja bela
é que às vezes faz versos com cheiro e sabor
de absinto

*

minas gerais

líria porto

minha terra tem bateia
onde cantava a chibata

preto velho catou ouro
diamante  pedra vária

o sangue que aqui goteja
é de dor e sofrimento

é de saudades
                    da áfrica

*

segunda-feira, 30 de março de 2009

(publicado no livro garimpo - editora lê) - garimpo

líria porto

essa procura tem um nome insanidade
passei da idade de tentar fazer sonetos
eu só consigo descrever cinzas e pretos
acho que o verso não alcança claridade

pelas gavetas prateleiras escondidos
ainda agarro pelo rabo alguns cometas
quero as estrelas não encontro suas tetas
sinto a fissura dos pequenos desvalidos

a minha escrita sempre foi penosa esgrima
desde menina que não tenho paradeiro
eu caço sapo com bodoque o dia inteiro
nessa esperança de catar melhores rimas

vasculho as glebas os grotões e quem diria
bateio o sol chego a pensar que a noite é dia

*

domingo, 29 de março de 2009

des_peito

líria porto

na ponta da rua
a puta da lua
fazia strep tease

de cá da janela
a cor da inveja
a flor amarela

*

sábado, 28 de março de 2009

não sei se aterriso

líria porto

se a nuvem me sequestrar
ou se o mar me (a)trair
cuidem de malu

*

(publicado no livro asa de passarinho - ed. lê) - estrelada

líria porto

a noite mastiga o escuro
e cospe as sementes

*

pedra-sabão

líria porto

escrevo no peito o vento que passa
o sol a vidraça a chuva a neblina
escrevo no peito o doce a cachaça
o queijo a coalhada o mapa de minas

escrevo no peito as ruas estradas
as flores a praça o laço de fita
escrevo no peito a tarde a alvorada
a lua as estrelas as caturritas

escrevo no peito a terra um jazigo
o chão a florada a serra o jardim
escrevo no peito opalas sem fim

os pais os irmãos as filhas o amigo
o cheiro os costumes a bruma a brisa
depois eu me abraço e fecho a camisa

*

sexta-feira, 27 de março de 2009

(publicado no livro garimpo - editora lê) - prematuro

líria porto

um verso cheio de nós
não chegou a termo

*

demudança

líria porto

há décadas
viemos para esta casa
ela permanece a mesma
eu no entanto

*

lindinhos

líria porto

legamos a nossos filhos
o que (não) somos
o que (não) temos
(sonhos anseios fissuras)
e moldamos criaturas
que são e serão para sempre
filhotinhos de coruja

*

quinta-feira, 26 de março de 2009

desânimo

líria porto

um cansaço decantado
parece os pés têm chumbo
dentro de mim bate um bumbo
bam bam bam

(se eu sumir não procurem
devo estar nalgum escuro
dentro dum buraco fundo
no cu do mundo)

*

pirralha

líria porto

aos três anos
depois de muito silêncio
pronunciou categórica
:
mãe é mãe pai é pai
filha é filha

nem toda palavra é óbvia
(alguma é filosofia)

*

quarta-feira, 25 de março de 2009

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) curiosa

líria porto

pupila morava no fundo do globo
mas vinha à superfície
                              espiar um pouco

*

(publicado no livro garimpo - editora lê) - inércia

líria porto

eu fico parada
quem anda
a estrada

*

zangão

líria porto

tens esposa
mariposas
e não paras de voar
em torno da minha
lâmpada

meu bem
de mim não esperes
tamanha compreensão
mamãe abelha rainha
ensinou-me a reinar
absolutíssima

*

transparência

líria porto

insistiu em mostrar-me os detalhes
bobagem  estava tudo à vista
até as rugas da alma

*

terça-feira, 24 de março de 2009

tromba-d'água

líria porto

chove
chove um mundaréu
parece que o mar subiu
e despencou do céu

chove
chove um aguaceiro
chego a achar que a chuva
tem elefantíase

*

cana viável

líria porto

o suor salgado do boia-fria
seu co(r)po melado
precisado de aguardente
de algo que lhe adoce
o fa(r)do

*

envelheço

líria porto

caem-me as folhas as pétalas
às vezes fico triste outras rio
escorro para inverno

*

segunda-feira, 23 de março de 2009

no chão

líria porto

quem cansa os seus pés descansa
ande mal ou ande bem
meus pezinhos quando cansam
tiro os sapatos
e as meias

*

trova uma ova

líria porto

ontem era rima
e redondilha
hoje é verso livre
puro e simples

*

que fome

líria porto

hoje tem marmelada
: tem não senhor
hoje tem goiabada
: tem não senhor
hoje tem palha assada
: só se for muita

*

perdulária

líria porto

a cada dez pontos
sumia uma agulha

nas aquarelas
perdi tela e tinta

sete vezes grávida
tive quatro filhas

a poesia me_dita
: resume-me

*

domingo, 22 de março de 2009

perfumosa

líria porto

quando o sol me bate à porta
saio do ninho espreguiço-me e pouco importa
se o cachorro late se o menino chora
se o café derrama 
:
cheiro a manhã

*


sábado, 21 de março de 2009

montanhas

líria porto

os dedos do vento
esculpem as serras
oceano de ondas
quietas

*

glamour

líria porto

na hora da foto
o vento sacode-lhe
as pétalas

a flor desabrocha
é marilyn

*

sexta-feira, 20 de março de 2009

(para o livro sem pecado não tem salvação) manjares

líria porto

da toalha de linho –– quando vieres
serve-te de tudo quanto houver sobre ela
até te fartares

da blusa de linho –– quando vieres
serve-te de tudo quanto houver sob ela
até infartares

*

sete meses

líria porto

minh'alma balofa
espera ansiosa
a vi(n)da triunfal
de maria luiza

tias são foda
avós - pior ainda

(abram alas
pra bruxinha)

*

quinta-feira, 19 de março de 2009

imã

líria porto

teus olhos me puxam eu vou de roldão
sem chão e sem prumo – eu vou
outros vão

*

dono

líria porto

teus bigodes
arames farpados
cercaram-me a boca
e fincaram bandeira

*

palavras

líria porto

espalhadas pelos cantos
tenho gavetas que falam
e samambaias choronas

*

quarta-feira, 18 de março de 2009

pendência

líria porto

borboleta amarela não dá trela
vai de flor em flor 
:
dá-me um pouco de cheiro e vermelho
que te ensino segredos de voo

*

chicote

líria porto

terrível língua a da sogra
a lanhar as nossas costas
suportar quase impossível
o jeito é afiar os dentes
e se algo acontecer
revidar - dar a mordida
e cuspir o veneno

*

terça-feira, 17 de março de 2009

português

líria porto

em minha boca
tua língua
a lamber-me as palavras
morder letras repetidas
beber a mesma saliva
de camões florbela
e bocage

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) comensais

líria porto

à cama caminha
vai como um camelo
cálida camurça
começa com a moça
por cima do moço

el loco motiva-a – goza
goza mais um pouco

*

publicação

líria porto

uns versos nos prendem outro nos libertam
e por isso eu me livro


*

acidente

líria porto

entre carros
mo(r)tos dão nós
no trânsito

*

preparo

líria porto

cuidar da vida que a morte é perto
cuidar da morte que a vida
é empréstimo

*

segunda-feira, 16 de março de 2009

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) obediência

líria porto

o olhar agudo –– grito calado
doía mais que os beliscões
da nossa mãe

(nada é pior que amar e odiar
a mesma criatura)

*

alvoroço

líria porto

a alma pairava sobre os acontecimentos
não recebera nenhum anúncio nenhum aviso
não sabia se aguardava
ou partia

pessoas tentavam ajudar reanimar o corpo
que permanecia em paz

*

domingo, 15 de março de 2009

na ponta da língua

líria porto

saí do armário admito
eu amo a palavra e com ela mantenho
relações íntimas

*

às moscas

líria porto

território vazio
ausências silêncios
e nenhum desvario

*

sábado, 14 de março de 2009

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) descobrimento

líria porto

a infância é um barquinho
a transportar nossos sonhos
da enxurrada até o rio

a juventude um caiaque
a descer as correntezas
sem pensar em desembarque

a velhice é caravela
                           terra à vista

*

tórrido

líria porto

mormaço calor bravo
vento não tem e nem brisa
o entorno parece um forno
de assar biscoitos
:
meu corpo quase derrete
minha vontade definha

*

sexta-feira, 13 de março de 2009

imaturos

líria porto

emocionalmente inacabados nasceram tão frágeis
tão necessitados de atenção e assim chegaram
à velhice

*

quinta-feira, 12 de março de 2009

noturna

líria porto

a lua
cheia de si
não se acha feia
e nem poderia
mas quando a luz é muita
até a lua desconfia

*

sexta da paixão

líria porto

um verso me crucifica
fui torturado por três cravos
e uma rosa tísica

*

es_cultura

líria porto

estátua de madeira
tem corpo de árvore
alma de folha seca

*

agá-dois-olhos

líria porto

boca seca língua esfarinhada
não sei onde colocar meu hífen

sinto sede de aprender
e reclamar não vale

*

quarta-feira, 11 de março de 2009

quem parte e reparte

líria porto

vou escolher para mim
ter sopro no coração
e morrer qual
passarim

*

de todas as fórmulas

líria porto

fazes-me falta
em todas as fases

faltas-me

*

segunda-feira, 9 de março de 2009

(para o livro sem pecado não tem salvação) uma diarista

líria porto

nos dias úteis
patrões inúteis
e variados

no sábado o marido
no domingo o pároco

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) olhos cor de mostarda

líria porto

à porta um sobressalto
por aquele homem eu não esperava
ao fitar-lhe os olhos percebi
vai querer ser dono
                             da minha alma

em legítima defesa eu lhe disse
a mulher que em mim procuras
não existe

nunca mais o vi
mas para assegurar-me comprei cruz
balas de prata cabeças d'alho
estacas

*

domingo, 8 de março de 2009

cólica diabólica

líria porto

a rima escrita
com o sangue da regra
quando não é brega
é exceção

desvivo
o dia exclusivo

*

sábado, 7 de março de 2009

cáctus

líria porto

indiferença
secura cegueira
espinhos silêncios
ausências
insensibilidades

deserto n’alma

*

na corda bamba

líria porto

balança equilibra-se
cai não cai

qualquer vento derruba
a esperança

qualquer brisa

*

sexta-feira, 6 de março de 2009

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) das eternidades

líria porto

desistir posso desisto
mas esquecer não me peças
sou dessas peças antigas
onde se guardam relíquias
o amor é uma delas

*

desmilagre

líria porto

eu te abismo
tu me precipitas

o fundo é previsível
a superfície

nem santo

*

quinta-feira, 5 de março de 2009

bonitas demais

líria porto

em torno da lua há um halo
um elo um hino um oh
um uivo urro
exagero

e ruivas de olhos claros
loiras de olhos pretos
morenas de olhos verdes
negras de olhos densos

*

quarta-feira, 4 de março de 2009

pico do itacolomi

líria porto

ave ave
a nuvem foi de_florada
caiu muita chuva

*

domingo, 1 de março de 2009

(in)de.cisão

líria porto

todos os dias
ao amanhecer
jogo-te ao vento
tomo a decisão
de te esquecer

depois eu me lembro
do teu riso do teu beijo
sinto um arrepio
e me arremesso

*

sem pés nem cabeça

líria porto

ali
no ponto gê
a tomada elétrica
deixa guiomar
de pernas pro ar

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

Arquivo do blog