segunda-feira, 30 de novembro de 2009

maria luiza

líria porto

foi-se
mas deixou seu sabonete
não partiu completamente
(a)largou seu cheiro
e me fez acreditar
que em breve voltará
cheia de sono
e sonho

*

(des)empate

líria porto

farinha do mesmo saco
pedaços do mesmo naco
bichos da mesma procedência
gente

mulher e homem
cachorro e gato

*

domingo, 29 de novembro de 2009

sopro

líria porto

deserto
espalho areia

terreno fértil
semeio

*

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

bem mal

líria porto

escreve
atreve-se a fazer versos
vira do avesso o aperreio
apara as arestas
tapa as frestas por onde entram
as tristezas
:
coração ao cesto

*

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

maledicência

líria porto

atravessam-se-lhe à garganta
palavras pontudas como espinhos de peixe
e o que fala soa brusco agressivo
desarticulado
:
peçonha de víbora

*

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

lágrimas

líria porto

nem me lembro das luas de novembro
quase sempre vestidas de chuva
como as viúvas

*

lastro

líria porto

qualquer palavra
da tua lavra ou da minha
pode se tornar lavoura
lama leme limo lume
lava leva luva lavor
leviandade
levedura
conforme elaborada
com alegria ou lamúria

*

terça-feira, 24 de novembro de 2009

psssssssssiu

líria porto

fecha o bico passarinho
nenhum pio - malu dorme

abelhas não zunam
gatinhos não miem
cãezinhos silêncio
e tu vento não assobies
e nem a chuva cochiche

malu dorme - aprende
a sonhar

*

domingo, 22 de novembro de 2009

vigília

líria porto

a cidade dorme
mas o ronco dentro do asfalto
é o de um monstro feroz

*

fome

líria porto

no chão de nós dois
capim novinho

a isso chamo desejo
a fim de

afins

*

sábado, 21 de novembro de 2009

estampada

líria porto

roupa velha larga confortável
como um bom amigo um amor antigo
nossa própria casa

*

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

mancha

líria porto

lá vai o cargueiro
mar adentro
transporta ouro negro
(es)cravos pimenta
tesouros de áfrica
sofrimento
chibata

*






en_talada

líria porto

atada a nada
nada em panela
de vaca-atolada

: via-crucis

*

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

arapuca

líria porto

um ponto duas laçadas
dois pontos três laçadas
três pontos quatro laçadas
assim se tece a carreira

(no cargo tudo são vagos
exceto contas-correntes)

um dia vem um pirralho
quer passar pelo atalho
cai mosquitinho na rede

*

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

limpo com jornal

liria porto

as vogais
as consoantes
brotam do papel
e proclamam
:
depois da tempestade
ao invés de bonança
vem mais desgraça

*

terça-feira, 17 de novembro de 2009

(publicado no livro garimpo - editora lê) - aos pés da letra

líria porto

a palavra usa e abusa do escritor
fá-lo cavalo cachorro capacho escravo
dá-lhe com a chibata até que ele se curve
:
subverta-se

*

ciúmes

líria porto

posseiro do seu corpo
controla sua boca seus olhos
finca-lhe estaca entre as pernas

) pensamentos pulam
cerca (

*

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

(publicado no livro garimpo - editora lê) - granizo

líria porto

a chuva desce doida inconsequente
o vento - seu comparsa - faz estragos
um raio chicoteia o céu cinzento
parece que os deuses estão bravos
atiram pedras em culpados
e inocentes

*

película

líria porto

fosse beijo técnico
não houvesse amasso pra valer
ainda assim iria pelos ares
virava poeira cósmica
estrela de cinema
ou de tevê

*

domingo, 15 de novembro de 2009

tocaia

líria porto

é outro dia – que susto
a morte vem e não sei
a hora da captura

*

sábado, 14 de novembro de 2009

olho aceso

líria porto

não é durante um sono
que desmoronamos

é num piscar

*

melancólica

líria porto

tem água na lua
solidão liquefeita
tristeza

*

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

à la alice ruiz

líria porto

apaixonada
apaixovoa
apaixoanda
apaixorrasteja

*

"apaixonada
apaixotudo
apaixoquase"

(alice ruiz)

*

ancião

líria porto

botou as barbas de molho
quando viu eram grisalhas
e não houve uma navalha
capaz de raspar-lhe
o tempo

*

) sofrer é soda (

líria porto

não tem medo de defunto
de assombração de escuro
porém foge da paixão
como o diabo da cruz

(já provou desse veneno
não vai repetir a dose)

*

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

grileiro - em terra de lobo quem tem ovelha é ele

sedes

líria porto

ele vem quer o meu corpo
e eu só pedi que me trouxesse
um pouco de água de coco

*

(des)casal

líria porto

acostumou-se à mesa para dois
e depois que ele se foi
o mesmo ritual
:
falar sozinha

*

fútil

líria porto

narciso não suporta sua calva
e cansado de bonés perucas chapéus
implanta um topete

(suplanta-se)

*

desastrada

líria porto

por desconhecer as bordas do corpo
esbarrões hematomas feridas
(nem a alma tem limite)

*

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

montanhesa (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

dissera-lhe a professora
tens olhos de folha seca
herança dos ancestrais

castanho esverdeados
ou verdes com algum barro
a parda cor dos pardais

*

terça-feira, 10 de novembro de 2009

infelizes

líria porto

o que foi feito de amália
a bela de olhos lânguidos
e de tristeza entranhada
cujos passos a levaram
para a sombra de antônio
um homem de gestos rentes
e sorriso ácido?

o que foi feito de amélia
mera mulher desverdade
que passava suas tardes
sem dizer uma palavra
e que durante o trabalho
deixava as marcas o rastro
da sua poeira amarga?

o que foi feito de emília
da sua pele amarela
quando foi abandonada
tão quieta tão sem ânimo
até que veio um pássaro
e levou-a para o céu
para a suíte dos santos?

o que foi feito de ordália
adélia odília odete
:
o que foi feito de ângela?

*

pororoca

líria porto

espero
a vida não para

transpiro

poros impuros
(e nenhum parâmetro)

*

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

comunicado

líria porto

escrevo para te dizer
morri daqui a um mês
morte natural
misto de saudade e tédio
não houve remédio
:
dorme sossegado
nada de missa
arranja outra namorada
mas cuidado –– tem muita mente insana
em corpo são

(muita canoa furada)

*

(publicado em cadela prateada - ed. penalux) - para compensar a força bruta

líria porto

por trás
homens e mulheres
quase iguais

frente a frente
elas têm peito
eles pendências

*

domingo, 8 de novembro de 2009

desesperador

líria porto

nas ruas procuro teu rosto
nos rostos procuro teus traços
nos traços procuro teus gestos
nos gestos procuro teus atos
nos atos procuro teu amor
nos amores procuro por ti
e não te acho

*

príncipe (des)encantado

líria porto

o amor dos outros é perfeito

o nosso amor ronca queixa-se
fala inconveniências emite sons e odores
agarra-se a mesquinharias é carente
mas no final das contas ele
tão somente ele
aguenta-nos
leva-nos a sentir (des)prazeres
por tempo indeterminado

) amores-perfeitos também murcham (

*

sábado, 7 de novembro de 2009

brincos colares e acessórios

líria porto

o céu azul que beleza
com nuvens que maravilha

quebram a rotina dos mares
ondas ilhas e navios

nu deserto sem oásis

na floresta tem
orquídeas

*

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

mar revolto

líria porto

a cor indigo blue dos olhos de maria
veste meu coração despe-me
o sorriso

*

olhos de cais

líria porto

raquel mora
na rua jogo da bola
cento e dezenove

o orvalho ancora em seus cílios
quando a lua diamantina

*

dor de cotovelo

líria porto

tem um sol no fim da rua
uma lua no começo –– o preço
é ficar na janela

*

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

abraço

líria porto

o mundo fica leve tão pequeno
cabe na grandeza dos teus braços
no afago dos teus dedos

*

in_sustentável leveza

líria porto

borboletas balançam o mar
e provocam as marés

*

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

descompasso

líria porto

a alma vai veloz em disparada
o corpo passo a passo não a alcança

felizes caminhávamos de mãos dadas
naqueles velhos tempos da infância

*

terça-feira, 3 de novembro de 2009

la nave va

líria porto

caminhei alguns calvários
tive tristeza alegria
desafios desenganos
porém nada permanente
quando a vida vira a página
quando amanhece de novo
o que deve ser será
vive-se

um olhar
um outro canto
o choro outras palavras
eu deixo a porta sem trava
se um amor quiser partir
outro por certo virá
é a vida seu compasso
a medida do possível

eu sorvo cada momento
eu bebo cada gotinha
eu choro rio padeço
repenso minhas fraquezas
aliso as marcas do tempo
deixo a vida dar os passos
voe ou rasteje
prossigo

sofres eu sofro junto
alegro-me quando te alegras
sou aquela caravela
que em plena calmaria
encontrou um outro rumo

se a bonança acabar
voltarem o vento a chuva
um dia chega o estio

haverá amanhãs

*

domingo, 1 de novembro de 2009

na zona da lua

líria porto

ipê tão pequeno
tão pleno de flor
dormiu ao relento

a noite beijou-o
beijou-o beijou-o

acordou respingado
de sereno

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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