quinta-feira, 30 de setembro de 2010

a vida imita a poesia

líria porto



deus descansa
tira um cochilo na cadeira de balanço
e sonha que é pixinguinha

*

foto do meu amigo walter firmo, um dos grandes talentos brasileiros

cólera

líria porto

a ira
ora espera a hora
ora dilacera

e vira úlcera

*

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

cochicho

líria porto

terra e saliva
jeito teu de dizer
(sotaque)
:
música para meus ouvidos

*

doutrinação

líria porto

a liberdade era algema
obrigava-nos a ter asas
                            e não somos anjos

voar como
se o infinito do homem
é o pensamento

*

em tese

líria porto

não derrames inutilmente tua doçura
se ele só quer phoder

*

terça-feira, 28 de setembro de 2010

no lusco-fusco da madrugada

líria porto

um clarão vem de esguelha
e me espera -- fico firme
não tenho medo

(pelo menos não muito)

um moleque verde
lambe-me a orelha
e chispa

*

num laço de arco-íris

líria porto

a chuva chegou mansa
fez nascer amor-perfeito

*

domingo, 26 de setembro de 2010

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) lavoura

líria porto

sente o cheiro da chuva da terra do capim
sente o cheiro de mim – vem roçar o meu corpo
lavrar meu espírito plantar-te
                                                colher-me

*

satisfação

líria porto

para te dizer olho no olho
não mintas para mim tu não precisas
eu nada perguntei não sou tua dona
tu não me deves nem eu quero
explicações

*

sábado, 25 de setembro de 2010

do cerrado

líria porto

não chora não ri como se esperasse
a chuva que não virá

(resisto)

*

rega

líria porto

ouve a água que murmura
toca a terra com ternura

se esta fica tão quieta
com certeza não é rude

agradece a esta chuva
petúnias rosas antúrios

e cereais
e legumes

*

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

das pétalas

líria porto





ipês voltaram a florir
saúdam a primavera
sem uma gota
                 de chuva

*

(publicado no livro olho nu - ed. patuá) mimada

líria porto

pequena
branquinha
os ossos
rendados
a bruma
a brisa
por leves
que fossem
fariam
titia
alquebrar-se

) no último
tombo
trincou
o asfalto (

*

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

flor de abóbora

líria porto

nada lhe sobra nada lhe falta
o corpo balança e na passarela
tem a perfeição da primavera

*

do desfazimento da memória

líria porto

lapsos
pedaços de vida deixados nos parênteses
lembranças coaguladas
vácuos

(antecipação do desenlace)

*

peleja (quem tem pena de passarinho - ed. periópolis)

líria porto

para se manter no ar
um passarinho pena

*

terça-feira, 21 de setembro de 2010

dois

líria porto

um queria meu corpo – o outro
dado a desvendar-me a alma
pedia mais um pouco

*

companhia limitada

líria porto

para combinarem
precisava ter
sangue cor-de-rosa
(o dele era azul)

comprou a boneca
manequim de loja
com ela mantinha
enormes monólogos

trocava-lhe as roupas
perucas sapatos
e assim se sentia
menos solitário

que vida
    que morte
        que louco
            que fiapo

*

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

crateras

líria porto

as subidas as descidas
e a rua se esburaca em cansaço
de avenida

*

cunhados em brasa

líria porto

meus calos
tantos pés direitos
querem me pisar

falo grito apito
                   denuncio

eu não tenho medo
vou dizer a eles
quem pintou
a zebra

(entornar o caldo)

*

sufoco

líria porto

nós na garganta é uma corda que nos mortifica
e quando não se diz um basta ela vira
forca

(são dois pesos
e muitas medidas)

*

domingo, 19 de setembro de 2010

fênix

líria porto

ressurgir como labareda
e com a brasa acesa
                       incendiar tua vida

*

providência

líria porto

boa - só a da garrafa
as outras são fria

*

os sapatos

líria porto

ora lhe apertam ora são imensos
: pé de pobre não tem tamanho

*
      

volta por cima

líria porto

o discurso excludente
de quem só enxerga o umbigo
não deve nos atingir

em frente então - prossigamos
e de cabeça erguida

*

sábado, 18 de setembro de 2010

estatueta

líria porto

dura cheia de si
plena de verdades
de convicções
:
não se dobra aos flatos
mas se expõe aos ventos

*

recaídas

líria porto

nunca mais escrevo verso
isso penso todo dia
vem a noite eu me arrependo
madrugada recomeço
                  poesia poesia
poesia

tanto mar me espera
tanto rio

*

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

pacífico

líria porto

pacato não é dar um boi para entrar
é dar toda a carne couro osso sangue chifres vísceras
para permanecer

*

lavagem cerebral

líria porto

bater bater bater – malhar em ferro 
forjar verdades com a matéria
da enganação

*

velho lobo

líria porto

a lua
quase uma papoula
eu não vou poupá-la
meu olhar apalpa-a
sinto-a na língua
na extrem_idade
do pau

*


publicado em putas resolutas

gris (para roberta silva)

líria porto

o tempo faz-me o mise-en-plis
e eu faço onda

branco cinza-me

*

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

(publicado m asa de passarinho - editora lê) sardinha

líria porto

o_mar é meu latifúndio
eu sou farinha de peixe
:
tenho pele pintadinha
olhos meio verdes

*

cala-m'idade

líria porto



do óleo que unta as juntas
eu gastei gota após gota

(o corpo dói
ossos rangem)

ficar velho  novidades
umas atrás das ostras

*

chuva

líria porto

canta para eu dormir
a canção das águas

*

represa

líria porto

o choro incontido estoura-nos os diques
jorra e inunda nosso mundo
de tristezas

*

magrelo

líria porto

bem-te-vi me disse
que te viu e eras
pensamento

cigarro é coisa antiga
a fumaça se dissipa
acabou teu frio                                                    

*

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

sétimo dia

líria porto

passado o vendaval tua alma pouse
descanse numa nuvem diga à lua
que não me demoro

*

no beiral da prima_vera

líria porto

bando em algazarra
a rodar no céu - suas asas
rabiscam o azul

*

terça-feira, 14 de setembro de 2010

torrente

líria porto

quedo-me em teu leito
sem saber direito
onde vou parar
caio em tuas águas
rolo feito seixo
roço tuas margens
mergulho-me em ti
levas-me contigo
estamos amarrados
atados por um fio

rio rio
rio-me

*

nem parece

líria porto

a moça mora com o velho
arrumadinha bijuteria dourada
perfuminho da avon sabe fazer miojo
gosta de frango assado
pão com salame
cerveja marmitex

(tudo por conta)

o velho adoece a moça até chora
se ele morrer agora haverá alguém
tão pródigo?

(em compensação pode pedir pensão)

alfredo no quarto ao lado
o velho não liga não se importa
nem percebe ou faz

vistas grossas

(tem coisa melhor?)

coberta de cisma

líria porto



pilha de nervos
ameaça os outros
e a si mesma


*

vampiro

líria porto

nossa jugular
é seu alvo exclusivo

*

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

tropa de choque

líria porto

ancestral e descendente
avó mãe filha neta bisneta
pilha de nervos

*

domingo, 12 de setembro de 2010

dois

líria porto

um queria o seu corpo –– o outro
dado a desvendar-lhe a alma
pedia mais um pouco

*

alçapão

líria porto

quem ousar o topo
ou pisar em falso

não tiver um álibi
e por ser um tolo

vai cair de quatro
vai ficar no toco

parecer um pato
aos olhos de todos

*

pensamentos

líria porto

palavras do silêncio

*

lástima

líria porto

comeu a comida de ontem
bebeu café frio fumou cigarros e guimbas
perdeu a honra a fortuna engasgou-se
sofreu o diabo
:
e não viu crescerem os filhos

*

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

des_variO

líria porto




nãO fOra a lOucura
O mundO seria cOmO nO dia da criaçãO
sem versOs inversOs avessOs
recOmeçOs invençÕes descObertas

para O bem Ou para O mal
Os dOidOs são munidOs cOm varinhas
de cOndãO

*

até que a morte nos junte

líria porto

eu tento te esquecer tentar eu tento
relembrar-te no entanto este é meu vício
eu tenho recaídas e a cada uma
a minha (in)dependência cresce
resiste

*

terça-feira, 7 de setembro de 2010

flor

líria porto

vestiu o crepúsculo
e sentiu ao redor do decote
o sol arder

*

segredo

líria porto

não revelo os relevos as grotas as grutas
nem os gritos e silêncios da madrugada

*

zen

líria porto

supre-me o que possuo
:
se algo for acrescido será bem-vindo
embora não o ambicione necessite-o
ou o persiga

(existir é dádiva)

*

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

poema

líria porto

arquipélago de palavras
rodeado pela sensibilidade

*

marca

líria porto

infelicidade sara
mas deixa cicatriz

*

proteção

líria porto

para apartar nossas brigas
mamãe se punha entre nós
algodão entre os cristais

*

noli me tangere

líria porto

ante a coragem
covardes se curvam
:
pisa nesta risca
coxinha

*

soldo

líria porto

sol dado
soldado
com câncer
de pele
ou mau pago
:
estaremos
protegidos?

domingo, 5 de setembro de 2010

minúsculas

líria porto

curam feridas e pústulas
mas provocam efeitos colaterais
:
insônias angústias boca seca gosto de cabo
de guarda-chuva

ora pílulas
antes de abusá-las
                         leiam a bula

*

sábado, 4 de setembro de 2010

do berço à tumba

líria porto

a via é permeada de espinhos
pétalas tristeza alegria medo
coragem e susto                          

*

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

emoção

líria porto

as palavras que te escrevo
terão sentido di_verso
se pensares que o poeta
com a caneta entre os dedos
estremece-se

*

suscetibilidade

líria porto

tudo é passivel de poesia
até o impossível

*

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

) (

líria porto

crescente
abre o parêntese (

minguante
fecha-o )

(cheia fica dentro)

nova
fica fora

*

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

perdas e dramas

líria porto



na sola dos pés dos velhos
calosidade amarela
fá-los pisar com esforço

tantos passos foram dados
por caminhos tortuosos
na procura do tesouro
:
alguém viu minhas pantufas?

*

ouvidos moucos

líria porto

pão de quê?
de queijo

pão de beijo?
pode ser

quantos?
tantos

assim seja
cerveja?

*

não há escapatória

líria porto

sobe
morro
desce
morro
fomos
somos
cromo
somos

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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