domingo, 31 de julho de 2016

tapa-buracos

líria porto

madame não mais o quer
então vem pra minha cama
sussurra-me o nome dela
fingimos que nos amamos
(também não tenho ninguém)
e a gente se alinhava
e põe remendo

*

sábado, 30 de julho de 2016

do aprendizado

líria porto

colo de mãe – terra firme
de onde se aprende a partir
navegar em mar revolto
voltar com o barco repleto de peixes
e as mãos em concha

*

sexta-feira, 29 de julho de 2016

figurante

líria porto

uns mais outros menos
na escola e na vida
fomos ou seremos
meros passistas
sem nenhum destaque
sem nenhuma alegoria

(da ala das baianas
sei que vou sambar
nua na avenida)

*

quinta-feira, 28 de julho de 2016

desuso

líria porto

deu teia de aranha e até picumã
mas o compadre chegou e a viúva
tem esperança

*

aridez

líria porto

desertos só conhecem a areia
não sabem o que são
terras férteis

*

consentimento

líria porto

fulano levanta-me a saia
alisa-me debaixo da mesa
falo entredentes –– canalha
sento-me sempre
junto dele

*

quarta-feira, 27 de julho de 2016

desigualdades

líria porto

amontoados nos morros
casebres de taipa latão
a dura vida dos pobres

a confrontá-los mansões
quem tudo tem tudo
phode

*

avozear

líria porto

faz-me de gato e sapato
e por querê-lo consinto-o
finjo-me aborrecida
no entanto rio-me
oceano-me
transbordo a bordo
de um menino

*

checkup

líria porto

fiz exames
passei nas preliminares 
o sangue é bom

(falta vasculharem as entranhas
remexerem as profundezas)

*

pé atrás

líria porto

estranhamo-nos – desconfianças à baila
olhares enviesados perguntas plenas
de espinhos

*

pouquidade

líria porto

há quem consiga
mudar de par todo dia
como trocasse a roupa
e preenchesse os vazios
que só se completariam
com novos acessórios

*;

terça-feira, 26 de julho de 2016

formosa

líria porto

maria não passa batom
nem precisa –– é bonita
de nascença

*

desencontros

líria porto

repartida em gomos
uma bergamota
a terra
os meridianos
essas longitudes
greenwich é zero
nada mais importa
pois a nossa hora
jamais coincide
:
anoiteço
amanheces

*

segunda-feira, 25 de julho de 2016

publicações

líria porto

desconheço o mercado
e não sei vender meu peixe
então pesco pra consumo
meu e dos meus amigos
:
àqueles que me procuram
que apreciam o (des)tempero
há sempre um lugar um naco
alimento-os com fartura

(comemo-nos em prato fundo)

*

domingo, 24 de julho de 2016

benzedura

líria porto

uns mais uns menos
os medos que temos
dos sacripantas
:
um ramo de arruda
sal grosso água-benta
adiantam?

*

capricho

líria porto

vosso deus
o arquiteto do mundo
que tudo fez –– tão bonito
tão perfeito
(vede as margaridas)
deve ser deusa
o sujeito

*

sábado, 23 de julho de 2016

o mexicano

líria porto

com seu chapéu
fazia-me sombra
cobria meu corpo
com o poncho

para minha boca
seus bigodões

*

jaulas

líria porto

nascidos para os espaços
confinados em gaiolas
homens bichos
e pássaros
:
rebeliões

*

quarta-feira, 20 de julho de 2016

desejo

líria porto

se esta lua fosse tua
eu mandava sequestrá-la
só para tê-la sozinha
na intimidade

*

fracassados

líria porto

mulheres de grelo duro
não temem pinto mole
nem cu entupido

*

recatada

líria porto

atrás da moita
uma enguia a lamber sua ervilha
e por trás um pau em riste

*

haicai

líria porto

sem nenhum recato
a lua solta no céu
nestas madrugadas

*

terça-feira, 19 de julho de 2016

intuição

líria porto

na ponta de uma sonda
lá de longe
muito além das nuvens e dos muros
onde nenhum homem chegaria
pode-se ver tudo
:
de olhos fechados

*

misturas

líria porto

a perfeição é fria
a face dos espelhos

a possibilidade dos cacos
(do caos?)
dos pedaços
dos erros e defeitos
faz a diferença

prefiro os mosaicos
prefiro os mestiços

*

segunda-feira, 18 de julho de 2016

(des)equilíbrio

líria porto

pendemos pra um lado e outro
até que o vento ou a brisa
decidam derrubar-nos
:
na corda bamba
a vida

*

domingo, 17 de julho de 2016

atropelos

líria porto

vento sopra e folhas secas
disparam rumo ao pátio
como borboletas
em tempo de migração

*

eureka

líria porto

tem dia que de noite
acende-se uma luz
e quando a gente acorda
além do sol
a solução

*

sopro

líria porto

quando eu me for
não lamentes
o corpo é a maior prisão
voltarei pelas mãos do vento
e pousarei no teu sonho

*

sexta-feira, 15 de julho de 2016

escândalo

líria porto

no espaço público
presos por gestos obscenos e atentado ao pudor
orquídeas e antúrios

*

septuagenários

líria porto

vinhos de boa safra
sem avinagrar sem perder
o buquê

*

quinta-feira, 14 de julho de 2016

egoísmo

líria porto

fechados dentro de noz
na escuridão de nós mesmos
se não quebrarmos a crosta
seremos sós para sempre

*

quarta-feira, 13 de julho de 2016

peso

líria porto

na cidade dos pés juntos
ninguém usa balança

*

matinê

líria porto

a sessão começou
segurou minha mão
tremíamos

(olhos fixos na tela
o namoro durou
duas horas)

*

terça-feira, 12 de julho de 2016

calcanhar de aquiles

líria porto

se quiseres vem
não vou me arrastar a teus pés
:
pensando bem
por que não trocas as meias
por verdades inteiras?

*

o viúvo

líria porto

o perfume as roupas
o leque que ela usava
mas minha pele é outra
não quero mais consolá-lo

(eu não morri)

*

domingo, 10 de julho de 2016

julgamento

líria porto

tudo a ver – nada haver
nenhum documento
evidência
:
nesse vácuo somos gado
rumo ao matadouro

*

puta que me pari

líria porto

sou minha própria ancestral
nasço e renasço é de mim

*

retrovisores

líria porto

aos setenta não olho os pés
nem os peitos nem as pernas
aos setenta olho à frente
também olho para os lados
pra não cair no buraco e nem ser
abalroada

*

destruição

líria porto

matou o marido
não com tiro ou com facada
matou-o com as palavras
e ele ficou tão sumido
perdido dentro do nada
que ela sentiu sua falta
e foi buscá-lo no bar

(um pudim de cachaça)

*

sábado, 9 de julho de 2016

chamado

líria porto

a lua na greta
abri a porta a cancela
espetei-me nas estrelas

*

tendência

líria porto

a gente cresce encorpa
incorpora à carcaça uma camada
por década

*

sexta-feira, 8 de julho de 2016

ressaca

líria porto

como fosse um lago
(o oceano dentro)
aparento calma

(transbordo
no centro)

*

a sete chaves

líria porto

por meu intermédio
os amigos comuns
jamais saberão
de ti

então não perguntes
o que sei sobre eles
segredos eu levo
pro túmulo

*

pintura

líria porto

maricota – olha a janela
parece que o sol derrama
purpurina lá na serra

*

terça-feira, 5 de julho de 2016

the end

líria porto

ao chegar a minha hora
venha a morte sem floreio
quero morrer como um forte
sem nota de falecimento

*

aleitamento

líria porto

grudado a seu úbere
o bezerrinho bebia mimosa
com sofreguidão

*

recreio

líria porto

na porta da escola
as crianças de uniforme
bando de andorinhas

*

segunda-feira, 4 de julho de 2016

para encurtar a saudade

líria porto

ficas de lá da serra
eu de cá sem nem te ver
queria abrir a porta
correr pelo mundo
(eu iria tu virias)
abraçar-te em linha reta
nenhum cansaço
obstáculo
:
só tu
e eu

*

deboche

líria porto

pode rir
dizer-se feliz
eu não creio

não me parece alegria
a risada da hiena

*

domingo, 3 de julho de 2016

saca-rolhas

líria porto

precisei furar-me à goela
para arrancar as palavras

e o que foi que eu lhe disse?

vai-te à merda
capitão

*

d'amoníaco

líria porto

bebo a chuva bebo o rio
bebo o orvalho os olhos d'água
e sinto cheiro de mijo

(saudade de um outro tempo
sem a boca amarga)

volta querida

*

sábado, 2 de julho de 2016

desastroso

líria porto

tua própria falta
mais a outra falta

os tonéis vazios
morrer pela sede

dar c'os burros n'água

*

sexta-feira, 1 de julho de 2016

clandestino

líria porto

nem aqui nem aí
sem rg e sem cpf
no cu do mundo

*

a ponte

líria porto

um arco-íris
que nasce na tua janela
e morre na minha

*

dedicatória

nus descampados (im)puros
fiamos o plenilúnio

(líria porto)



*















quem tem pena de passarinho
é passarinho

(líria porto)

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