líria porto
tua abacate
minha jiló
nossas impossibilidades
embora beijássemo-nos sem restrição
mesmo antes da escovação dos dentes
*
líria porto
tua abacate
minha jiló
nossas impossibilidades
embora beijássemo-nos sem restrição
mesmo antes da escovação dos dentes
*
líria porto
só pensamento
sem arrastar a carcaça a dor
o peso do corpo
e sem roupa sapatos nem nada
vencer distâncias
obstáculos
partir regressar
estar no claro no escuro
na terra no mar no espaço
no mesmo momento
*
líria porto
zezim teria asas
(duas pintas nas costas
marcam o lugar)
preferiu entortar-se em meu neto
:
um anjo do avesso
*
líria porto
ao meu neto à minha neta
extensões desta existência
entrego-lhes mais que um poema
ou um dedinho de prosa
:
dou-lhe a biblioteca
e se quiserem
meus olhos
*
líria porto
pobre aquele amor
meus olhos faiscavam
e eu perdia o passo
o fio da meada
e gaguejava ao expressar-me
ao sussurrar tão tímida
qualquer palavra
*
líria porto
há muito que não te vejo
não vou não vens não te abraço
desfizeram-se os laços
na fumaça na neblina
porém ainda me lembro
do teu olhar de menino
naquele dia disseste
jamais me esquecerias
nem que a vaca tossisse
o boi voasse
(e partiste)
*
líria porto
palavras causam barulho
batem tambor assobiam
palavras fazem o (im)possível
pra chacoalhar pensamentos
(a palavra muita vez
esclarece o que é confuso
confunde quem é sabido
acrescenta argumentos
e até suprime palpites)
*
líria porto
qual rio temporário
o homem nasce encorpa
envelhece evapora-se
míngua
e antes de chegar à foz
deságua como um filete
*
líria porto
la soldadura he hace volar
libérate de tus ataduras
como una oración feroz
en la puerta del condominio
(si oyes una voz
confía en ella - sigue adelante
a eso de la medianoche
belcebú vendrá a buscarte
para un tango en argentina)
*
líria porto
líria porto
gostaria de gostar de ti
líria porto
líria porto
líria porto
espécie de lava
minh'alma ferveu
fundiu-se aos ossos
talhou-me o sangue
queimou o meu verso
levei quase um ano
agora estou bem
que dizer - meio doida
porém mais humana
sou minha outra vez
*
líria porto
sonhei contigo
passamos brilho nos lábios
ficamos tão bonitos
tomei um banho rápido[pus - por via das dúvidas
uma muda de roupa na sacola
um pijama curto
e fomos para guarulhos
*
líria porto
não tenho tudo que quero
porém tudo que preciso
muito mais que o mínibo
e de ótimo tamanho
:
caixão não tem gaveta
*
líria porto
quando tudo se desata
- mãos corpos sentimentos -
e nada se aprende
cada qual vai para um lado
cometer os mesmos erros
insistir nos equívocos
nas imprudências
*
líria porto
a velha árvore
ela própria uma floresta
seu tronco coberto de limo
muito mais largo
que o diâmetro dos nossos braços
sua copa fechada
cujo acesso só era permitido aos pássaros
ou por meio da pesada escada de madeira
deitada rente ao muro
dos sete aos dezessete
vivi a seu redor - treinei pontaria
derrubava com pedras as mangas bourbon
e me lambuzava
de caldo amarelo
peerfume que ainda me habita as narinas
( nesta noite sonhei com haydeé
a vizinha da casa da frente
disse-lhe - é só atravessar a rua)
*
líria porto
fui desleal comigo
e me penitencio
tivesse pensado melhor
conhecido bem a proposta
não mergulharia de cabeça
nem iria À bancarrota
(saí incólume
por pura sorte)
*
líria porto
eu te levaria para dançar
depois faríamos amor
uma foto sorridente
e nunca mais nos veríamos
ou
eu te levaria para uma foto
faríamos amor e dançaríamos
sorridentes
ou
eu te levaria para uma foto
e faríamos amor
ou
um amor sorridente
ou
nunca mais dançaríamos
ou
nunca mais
ou
*
líria porto
quando a luz transversa
atravessa as tardes
e vem exibir-se
em minhas paredes
fico boquiaberta
e então lamento
que aqui não estejas
para comtemplar
as pinceladas
do sol
*
líria porto
de todas as palavras
a que mais me fez sangrar
foi dita e repetida
amorosamente
a outra pessoa
*
líria porto
tateio a palavra
as que a seguem
subvertem-na
perco o controle
jamais saberei de antemão
se chegarei ao verso - se haverá
um poema
*
líria porto
sem boca para batons
cara para maquiagem - olhos
para nada postiço
meus pés de galinha
*
líria porto
eis-me
estou aqui
cheguei-me
eu para mim
prioridade das prioridades
octogenária
asas pluma patamar
apesar dos degraus
da espera
sigo sem dor
sem lamento
venham-me a bengala
o andador o cajado
o necessário
que a vida é bela
e tomara eu consiga
ir para cuba
em dezembro
*
líria porto
os finais são melancólicos
e ao mesmo tempo um alívio
um peso a menos
um selo
(cicatrizes não sangram)
*
líria porto
fragmentos de pele lembranças
fios de cabelo escovas de dentes
ilusões frustrações prazeres
segredos
:
pedaçoes de nós - descartáveis
capítulos de pouca ou nenhuma
importância
*
líria porto
correntes cadeados
chaves ferrolhos
e debaixo da porta
a luz inconformada
co'a escuridão
*
líria porto
iria
(não fui)
e não sei
o que me impede
o que me prende
o que me reduz
se na verdade
eu quero
(sempre quis)
romper o casulo
*
líria porto
a poesia é de veneta
se a necessito esconde-se
se quero sossego ei-la
dançante acesa
serelepe
a atormentar-me
a existência
*
líria porto
o silêncio ensina-nos a partir
a deixar ambientes que não nos pertençam
a sair de ininho - sem chamar atenção
sem sequer precisar despedir-nos
*
líria porto
plantar filhos
(podá-los quando necessário
e afastá-los das ervas daninhas)
escrever árvores
(em todas as folhas)
parir livros
(gestá-los com paciência
não devem nascer prematuros)
*
líria porto
após séculos - milênios
continua deletérea
a maltratar as pessoas
tratá-las com indiferença
:
não se desfaz do que tem
nem de quem se aproxima
- não diretamente -
acumula-os
e os mantém
dependurados ém pregos
amontoados nos cantos
com cheiro de naftalina
(pela milionésima vez
retornará solitária
à catacumba)
líria porto
não uma colher uma xícara um pires - a fonte
onde nunca mais sentisse sede
e pudesse me banhar
*
líria porto
tal como a formiga carrega uma folha
assim o poeta transporta a palavra
(um peso maior que o do corpo)
*
líria porto
somos pele sangue nervos
ossos músculos fibras
amalgamados pelos nossos pensamentos
desejos manias qualidades defeitos
energia
*
líria porto
apenas o que quero
se quero quando quero
não - não é assim
não depende só de mim
sou tão somente
um os elos
da corrente
*
líria porto
muita vez dobro as palavras
outras elas me dobram
embolam-me
atiram-me ao cesto
ao térreo
*
líria porto
quando vovó morreu
mamãe chorou muito
quando meu pai morreu
mamãe ficou apática
quando minha irmã morreu
(sua filha caçula)
maãe se esqueceu de tudo
(até e uem era
e mergulho
na própria
finitude
*
líria porto
lírico
sou eu
atrapalho-me
há litígios
nem tentes
compreender-me
nada
é quase tudo
e vice-verso
*
líria porto
líria porto
a dona doida de pedra
quanto mais velha pior
inventou amar de novo
assim - na última hora
como houvesse muito hormônio
e fosse boa a performance
tão maluco quanto ela
apareceu-lhe um coroa
juntaram pés e pantufas
:
e olha
se a moda pega
ninguém mais morre de tédio
*
líria porto
dispersa desconcentrada
precisei de um porco
para retornar
:
um sábio porco genial
bukowski
*
líria porto
neste jogo de poder
tu que não és
ainda és
eu que não sou
ainda sou
a engrenagem que gira
que faz mover
o motor
*
líria porto
não vim tapar buraco
recompor mesa
fazer de conta
sou parte
ilusãoes não me alimentam
não sou e não serei
flor na lapela
(eu me represento)
*
líria porto
eu nao me propaguei
fantasiaste-me antes de me conferir
foste na lábia das palavras
(poetas fingem)
e vieste com os teus pés
e te arriscaste como um risco
que traçasse o preciício
ou um pintor que se pendurasse
num pincel
*
líria porto
o doutor moisés
(idealizador de muralhas)
não é para bico da vaca profana
[especialista na detecção de estalos
trincas e rachaduras]
compreendida a relação
silêncio / mudança / distância
(re)partiu-se em si mesma
e tentará
entre os seus e suas
a (re)construção da palestina
(a puta continua)
*
líria porto
bocas têm o poder de calar outras bocas
pelas palavras que proferem
pelos beijos
*
líria porto
não ser não ter sido
quem tanto amaste
uma tristeza
que não tem tamanho
soubesse
adivinhasse
chegaria antes
e te consolava
não chorarias
virias comigo
*
líria porto
soubesse onde estarias
iria lá pra rever-te
entre_ver mesmo num flash
e depois sumir
*
líria porto
de tudo que eu quis saber
que me quiseste contar
mais que todas as palavras
tua emoção
:
passados anos e anos
tu te comoves e sofres
pelas perdas pelos danos
(posso entrar?
dás-me licença?)
*
líria porto
soterram-nos
roem-nos as veias
desencapam nossos nervos
fazem-nos dependentes ridículos
revelam nossas inseguranças
e nos humilham
*
líria porto
o porco chauvinista
tinha uma tara
fêmeas de certa idade
pérolas enviadas
num fio de nylon
(bijuterias
segundo seu focinho)
*
líria porto
mamífero
ocasionalmente de quatro
não é quadrúpede
:
não o subestimes
o facho cai
a ficha não
*
líria porto
a primeira não - a última
a que te cerrasse as pálpebras
cobrisse com flores teu corpo
e te pranteasse
a que se vestisse de noite
e jamais te deixasse perdido no além
a que te guiasse
estrela na escuridão
*
líria porto
olhos não têm cerca
e a maioria dos homens
interessa-se por outras mulheres
insinua-se conta vantagens
arrasta-lhes a asa
(até os comprometidos)
carne fresca na praça
o glutão inicia a ginástica
deixa de comer amido
prepara-se para nova conquista
para fincar sua bandeira
expandir o território
sempre há novidades
*
líria porto
talvez ainda pudéssemos
num último encontro
- nem aí nem aqui -
no meio do caminho
num lugar desconhecido
num momento único
conhecer tudo
sobre todos os amantes
reais e imaginários
como fosse o fim do mundo
então nos despediríamos
como quem - uma vez na vida
desejou e amou
toda a humanidade
muito e completamente
em sua plenitude
*
líria porto
líria porto
parcos recursos imensas perdas
pobres os pobres lá nas trincheiras
e sob o vento e a tempestade
na retaguarda somente os ricos
tão protegidos
sempre poupados
*
líria porto
líria porto
co'a roupa que vim ao mundo
vou te sonhar e vestir
:
frio não passarás
nem fome
nem sede
*
líria porto
meu amor é tão bonito
todo dia comemoro-o
dou-lhe um beijo em cada poro
antes da despedida
*
líria porto
refresca-me o seu hálito
meus braços o agasalham
nunca mais sentimos frio
nem calor insuportável
vestimos a mesma pele
bebemos da mesma água
o amor se fortalece
e agora ele se espalha
*
líria porto
entre enterro e cremação
não me decidi ainda
nem vou fazê-lo
(melhor ir pela areia
na corcova
de um camelo)
*
líria porto
debaixo do chapéu
dona madama
em cima do chapéu
a bota do gangster
:
é muito topete
*
líria porto
(acho-o o mais bonito
engraçado charmoso alegre
gostoso
ainda mais quando ri)
[só não quero que saiba
(pra não ficar convencido)
as moças de lá da vila
por ele arrastam asas
e o colocariam
num altar]
(eu não
eu o levo pra cama)
*
líria porto
inevitável o desgaste
o massacre da rotina
o distanciamento
:
bom dia meu amor
boa noite - como foi teu dia?
*
chris herrmann e líria porto
revestiu-se
de plumas e sonhos
naquele inverno longo
com lágrimas secas
alinhou-se à neve
dos cabelos e lembranças
alegrias tristeza
flores despetaladas
forraram-lhe o chão
guardara as sementes
sabia o perfume a cor
os espinhos
podia dormir
*